Acórdão Nº 5001886-26.2021.8.24.0015 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 04-10-2022

Número do processo5001886-26.2021.8.24.0015
Data04 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001886-26.2021.8.24.0015/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: RITA DE CASSIA WAHL (AUTOR) ADVOGADO: ALINE DOS SANTOS SOUZA BARROS (OAB PR104030) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES (OAB MG071885) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Rita de Cassia Wahl ajuizou ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c restituição de valores, com pedido de tutela de urgência e indenização por dano moral (RMC) em desfavor de Banco BMG S.A., ao argumento de que sofreu descontos indevidos em sua folha de pagamento, oriundos de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o qual aduz ter sido firmado mediante o desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

O Togado singular deferiu os benefícios da justiça gratuita (evento 4).

Contestação (evento 15).

Réplica (evento 22).

Ato contínuo, sobreveio sentença (evento 35), da qual se extrai a seguinte parte dispositiva:

5. Isto posto, este Juízo julga parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial, a fim de:

Diante do exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados nesta demanda para:

a) confirmar a tutela provisória concedida ao Evento 4, uma vez que preenchidos os requisitos ensejadores da medida (art. 300 do CPC) e, em consequência, determinar que o réu seja obstado de efetuar a reserva de margem consignável (RMC) e empréstimo sobre a RMC do contrato firmado com a autora descrito nos autos, sob pena de multa mensal no valor de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), para a qual fixo como limite o montante de R$ 3.000,00 (três mil reais);

b) declarar a nulidade das contratações dos cartões de crédito com Reserva de Margem Consignável - RMC no contrato firmado entre as partes, objeto deste processo e, por consequência, determinar o cancelamento do cartão de crédito contratado;

c) determinar a adequação do contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo consignado, no valor obtido pela parte autora por meio dos saques, tendo por base os encargos definidos pelo Banco Central do Brasil para tal modalidade de empréstimo, na data da contratação, e a devida compensação, na forma simples, dos valores descontados indevidamente a título de RMC, o que deverá ser oportunamente apurado através de liquidação de sentença;

d) determinar a repetição do indébito em favor da parte autora, na forma simples, acaso verificado em liquidação de sentença que os valores objeto do empréstimo foram integralmente quitados, restando crédito em favor da parte autora, incidindo sobre tais valores correção monetária pelo INPC/IBGE a contar de cada desembolso, além de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação.

e) condenar a parte ré ao pagamento, em favor da parte autora, da importância de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de indenização por danos morais, com a incidência de correção monetária pelo INPC, a contar da data da publicação da presente sentença, e de juros de mora na monta de 1% ao mês, a partir do evento danoso (data do primeiro desconto indevido no dia 04/02/2017 - Evento 1, DOCUMENTACAO7).

Em razão da sucumbência mínima da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo recurso de apelação (art. 1.009 do CPC), intime-se a parte adversa para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias (art. 1.010 do CPC). Se a parte apelada interpuser apelação adesiva, intime-se a parte apelante para apresentar contrarrazões, nos termos do §2º, do artigo 1.010 do CPC.

Após, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), com as homenagens de estilo, independentemente de juízo de admissibilidade (§3º, do art. 1.010, do CPC), observada a prevenção da Segunda Câmara de Direito Civil (Evento 27), como requerem os artigos 930, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 117 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

Certificado o trânsito em julgado e observadas as formalidades legais, arquivem-se os autos definitivamente, com as devidas anotações no sistema.

Inconformada com o decisum de primeiro grau, a casa bancária requerida interpôs recurso de apelação (evento 43), no qual sustentou a legalidade da contratação do cartão de crédito e suas cobranças, a impossibilidade da conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado simples e a inexistência de dano moral. Alternativamente, pleiteia pela minoração do quantum indenizatório e pela incidência dos juros de mora incidirem a partir da condenação de indenização por danos morais.

Por sua vez, a parte autora interpôs recurso de apelação (evento 46), oportunidade em que pleiteou pela majoração da indenização por danos morais e repetição de indébito em dobro.

Contrarrazões de ambas as partes litigantes (evento 55 e 57).

Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que, no âmbito de presente ação, julgou procedentes os pedidos formulados na peça exordial.

1 INSURGÊNCIAS DA CASA BANCÁRIA

1.1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Alega a casa bancária apelante que a sentença singular deve ser reformada tendo em vista que ficou comprovado que a autora, ora apelada, realizou a contratação da operação de empréstimo consignado na modalidade "cartão de crédito consignado" e, por consectário, autorizou os descontos efetuados na sua folha de pagamento a título de reserva de margem consignável. Sustenta, ainda, a inviabilidade da determinação de conversão do empréstimo por meio de cartão de crédito em empréstimo pessoal "simples".

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" (Evento 15, CONTR2).

Entretanto, apesar do referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da requerente, ora apelada, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelado, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras.

Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos...

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