Acórdão Nº 5001900-56.2021.8.24.0032 do Quarta Câmara Criminal, 31-03-2022

Número do processo5001900-56.2021.8.24.0032
Data31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5001900-56.2021.8.24.0032/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ EVERALDO SILVA

RECORRENTE: SADI DA SILVA VEIGA (ACUSADO) ADVOGADO: VILMAR QUIZZEPPI DA SILVA (OAB RJ151585) ADVOGADO: PAULO EDUARDO PITT (OAB SC037853) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Itaiópolis/SC, o representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra os acusados Sadi da Silva Veiga e Daniel Dalmazo Veiga, dando o primeiro como incurso nas sanções do art. 121 §2° II e IV, e § 4º, do art. 121 c/c art. 14, II, todos do Código Penal e dos arts. 12, 14 e 16, todos da Lei n. 10.826/2003; e o segundo acusado como incurso nas sanções do art. 121 §2° II e IV, e § 4º, do Código Penal, porque, segundo descreve a exordial acusatória (Evento 1 do processo de origem):

01. No dia 22 de agosto do ano de 2021, por volta às 16 horas, os conduzidos Sadi da Silva Veiga e seu filho Daniel Dalmazo Veiga, no veículo Ford Ranger de cor branca, de propriedade do primeiro, agindo em conjunto e em comunhão de esforços e unidade de desígnios, Sadi da Silva Veiga portava arma de fogo, rumaram até o Bar da vítima Ovande Saidel, localizado na Localidade de Poço Claro, interior deste Município.

Ao chegarem ao local, desceram do veículo, nas palavras do corréu Daniel Dalmaso Veiga, o réu Sadi da Silva Veiga pediu um "trago" para a vítima Ovande Saidel, que se negou a vender, pois Sadi já estava embriagada, disse "Ovande quer bem Sadi". Eram amigos de longa data, o réu frequentava o local quase que diariamente e Ovande, dono do estabelecimento, nutria afeto por Sadi, também conhecido por Gauchinho.

Na sequência, enquanto o denunciado Daniel Dalmazo Veiga vigiava a porta do estabelecimento, seu pai, o denunciado Sadi da Silva Veiga adentrou no bar, com a arma de fogo em punho, revólver calibre 38, desferiu um disparo contra o idoso Ovande Seidel, com 66 anos de idade, atingido-o na cabeça, provocando as lesões assim descritas no auto de exame cadavérico.

De acordo com o Laudo Pericial Cadavérico (ev. 79), as lesões consistem em ferimento pérfuro contundente em região retro-auricular à direita (orifício de entrada) com fratura do processo mastoide e outro ferimento lateral do pescoço a esquerda (orifício de saída). Tiro transfixiante da direita para esquerda de cima para baixo.

O denunciado Daniel Dalmazo Veiga concorreu para a prática do crime de homicídio, na medida em que auxiliou materialmente o denunciado Sadi da Silva Veiga, seu pai, o acompanhando até o local e se postando na porta do estabelecimento impedindo o acesso de clientes, dizendo que o Bar estava fechado.

Resta configurado o motivo fútil, uma vez que o crime foi motivado pela negativa da vítima em servir bebida alcoólica ao denunciado Sadi da Silva Veiga, que estava embriagado.

Também está configurada a surpresa, pois a vítima foi colhida de surpresa, de maneira inesperada pelos denunciados, pessoas que a vítima já conhecia há longa data, eram seus afetos, com quem aparentemente não tinha desavenças e de que não tinha razões para esperar o comportamento agressivo de ambos.

Após o homicídio, os denunciados evadiram-se do local, tentado assegurar a impunidade do crime.

A Polícia Militar foi acionada, presentes no local, constataram o óbito de Ovande, momento em que populares indicaram os autores do crime.

O revólver o denunciado Sadi da Silva Veiga já levava consigo mesmo antes do evento no qual realizou o disparo fatal contra a vítima Ovande da Silva Veiga. A arma não possui registro perante a autoridade administrativa competente e o denunciado Sadi não possui autorização para porte de arma.

02. A guarnição recebeu apoio do Sargento Eloi Gilberto Regi, de Mafra, a quem foi indicada residência dos suspeitos. Chegando ao local, subiu a escada, os denunciados moram em um sobrado, questionou uma feminina onde estava o denunciado Sadi, momento em que ele apareceu pelas suas costas com uma arma de fogo em punho e seu filho Daniel com um facão na mão. Com receio, o Sargento acabou adentrando correndo na residência, sendo seguido por Sadi, momento em que acabou pulando pela sacada, restou lesionado, e encontrou o segundo elemento, com o facão na mão, mas foi possível rendê-lo. O denunciado Sadi saiu na porta do sobrado, apontava a arma de fogo para Elói e para os Policiais Militares Célio Roberto Wojck, Fábio Renato M. Marques e Dani Pereira dos Santos realizando um disparo de arma de fogo em direção aos policiais.

Em contrapartida, em legítima defesa revidaram, atingindo com um disparo a perna do denunciado Sadi da Silva Veiga.

Após, o denunciado Sadi da Silva Veiga foi detido, dentro da casa, enquanto segurava entre suas pernas uma espingarda calibre 16.

Os denunciados foram presos em flagrante. Tiveram suas prisões convertidas em prisão preventiva.

03. Na residência do denunciado Sadi da Silva Veiga foram localizadas e apreendidas na ocasião as seguintes armas: um revólver calibre 38, uma espingarda artesanal calibre 16, uma espingarda de pressão possivelmente modificada para calibre 22, além de munições de calibre 38 (2 unidades intactas), calibre 16 (4 unidades intactas), calibre 28 (1 intacta) e de calibre 762 (fuzil - 1 unidade).

As armas de fogo não possuem registro perante a autoridade policial e o denunciado Sadi não possui autorização para ter munição em sua residência.

O fuzil e, consequentemente, a respectiva munição, é arma de uso restrito.

Laudo pericial realizado no local dos fatos no ev. 76.

Laudo pericial das armas de fogo e artefatos apreendidos no ev. 79.

Regularmente processado o feito, o Magistrado de primeira instância proferiu sentença impronunciando o acusado Daniel Dalmazo Veiga; e pronunciando o réu Sadi da Silva Veiga pela prática, em tese, dos crimes previstos no art. 121, § 2º, IV, c/c §4º, do Código Penal e nos arts. 12, 14, 15 e 16, todos da Lei n. 10.626/2003, para ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, nos termos do disposto no art. 413 do Código de Processo Penal (Evento 261 do processo de origem).

Inconformado com a prestação jurisdicional entregue, o acusado Sadi da Silva Veiga interpôs recurso em sentido estrito, em cujas razões pretende a impronúncia do crime de homicídio qualificado e dos crimes conexos. Subsidiariamente requer o afastamento da qualificadora prevista no art. 121, §2º, IV, do Código Penal (Evento 272 do processo de origem).

Contra-arrazoado (Evento 278 do processo de origem), o Juiz de primeira instância manteve a decisão hostilizada por seus próprios fundamentos (Evento 280 do processo de origem).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Fábio Strecker Schmitt, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 11).

VOTO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo acusado Sadi da Silva Veiga, contra a decisão de primeiro grau que o pronunciou pela prática, em tese, dos delitos de homicídio qualificado, posse irregular de arma de fogo de uso permitido, porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, disparo de arma de fogo e posse ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 121, §2º, IV, do Código Penal e arts. 12, 14, 15 e 16, todos da Lei n. 10.826/2003).

Postula a defesa a impronúncia do crime de homicídio qualificado e dos crimes conexos, por insuficiência de indícios de autoria e materialidade delitivas.

Sem razão, contudo.

Inicialmente cabe transcrever o disposto no § 1º e no caput do art. 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Conforme se depreende da norma supracitada, para ser proferida a pronúncia, deve-se verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e indícios que apontem o réu como autor da conduta descrita.

Desta forma, não restam dúvidas de que a pronúncia não representa juízo de valor absoluto quanto à autoria, caso contrário estaria se sobrepondo à competência do Tribunal do Júri.

Sobre a temática, em julgamento realizado em 26/3/2019, a segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no Agravo em Recurso Extraordinário n. 1.067.392/CE, de relatoria do Exmo. Min. Gilmar Mendes, decidiu, por maioria, que a decisão de pronúncia não deve ser resolvida exclusivamente pelo brocardo in dubio pro societate, mas "a partir da teoria da prova no processo penal, em uma vertente cognitivista, a qual dispõe de critérios racionais para valoração da prova e standards probatórios a serem atendidos para legitimação da decisão judicial sobre fatos. É certo que, para a pronúncia, não se exige certeza além da dúvida razoável, diferentemente do que necessário para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado a julgamento pelo tribunal do júri pressupõe a existência de lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória, ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas, ainda assim, dependente da preponderância de provas incriminatórias" (STF. Informativo n. 935).

E a decisão prossegue asseverando que "se houver dúvida sobre a preponderância de provas, deve ser aplicado o in dubio pro reo: CF, art. 5º, LVII (5); Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 8.2 (6); e CP arts. 413 e 414 (7). De todo modo, a adoção do sistema bifásico no procedimento do júri busca estabelecer um mecanismo de verificação dos fatos imputados criminalmente pela acusação".

Todavia, não merece prosperar a tese apresentada pela defesa do réu quanto à inexistência de indícios suficientes...

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