Acórdão Nº 5001919-84.2021.8.24.0930 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 11-05-2023

Número do processo5001919-84.2021.8.24.0930
Data11 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001919-84.2021.8.24.0930/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: ODACIRA SANTOS BIATECHI (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)


RELATÓRIO


Odacira Santos Biatechi interpôs recurso de apelação cível em face da sentença proferida pelo juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de restituição de valores cumulada com indenização por danos morais por ela ajuizada em face da instituição financeira apelada, Banco BMG SA, nos seguintes termos (evento 44, autos do 1º grau):
Trata-se de "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral" proposta por ODACIRA SANTOS BIATECHI em face de BANCO BMG S.A, partes devidamente qualificadas.
Sustentou que formalizou com o réu contrato de empréstimo consignado, mas este passou a realizar descontos denominados de reserva de margem de cartão de crédito, serviço não solicitado e que representa prática abusiva em razão da falta de informação ao consumidor e porque implica vantagem excessiva.
Requereu a concessão de tutela de urgência para impedir a ré de reservar margem consignável e empréstimo sobre a margem consignável. Finalmente, requereu a procedência do pedido para declarar a inexistência da contratação e que o réu seja condenado à devolução em dobro do valor cobrado e indenização por danos morais. Alternativamente, pediu a conversão do empréstimo via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, com a utilização dos valores já pagos para amortização do saldo devedor.
Valorou a causa e juntou documentos.
A parte autora foi intimada para comprovar a alegada hipossuficiência, sob pena de indeferimento do pedido de Justiça Gratuita (evento 4), o que foi atendido (evento 9).
O pedido da Justiça Gratuita foi indeferido (evento 11). A parte autora interpôs recurso da decisão e, quando do julgamento do agravo de instrumento n. 5021563-53.2022.8.24.0000, a parte obteve a concessão do benefício pleiteado.
A parte ré compareceu espontaneamente ao feito e apresentou resposta na forma de contestação (evento 31), na qual impugnou, em sede preliminar, a concessão do benefício da Justiça Gratuita e alegou a decadência do direito do autor. No mérito, defendeu a existência da contratação do crédito consignado com o pagamento de percentual mínimo e a inexistência do dever de indenizar. Ainda, pugnou pela condenação da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé, requerendo, portanto, a improcedência dos pedidos.
A parte autora apresentou réplica (evento 40).
Este é o relatório. DECIDO.
Julgo antecipadamente a lide, com base no artigo 355, I, do Código de Processo Civil, porque desnecessária a produção de outras provas além daquelas já existentes nos autos. Desnecessário o depoimento pessoal da parte autora como pretendido pela parte ré, uma vez que não indicou motivos concretos que o justifiquem no caso específico.
Preliminar.
Impugnação à concessão da Justiça Gratuita
Inicialmente, quanto à impugnação da justiça gratuita, a parte ré argumenta que a parte autora reúne condições de arcar com as custas e despesas processuais, não bastando a mera declaração de hipossuficiência financeira sem comprovação da real situação econômica. No entanto, não trouxe aos autos qualquer elemento em contraposição às alegações e documentos apresentados pelo beneficiário, o que embasou o deferimento da benesse da gratuidade.
Portanto, afasta-se a preliminar suscitada.
Prescrição e decadência.
Sabe-se que a ação declaratória pura é imprescritível, entretanto, essa imprescritibilidade não alcança a pretensão condenatória-constitutiva dela decorrente.
Na conjuntura, como a pretensão de compensação por danos morais e repetição de indébito está fundada na nulidade de cláusula contratual da reserva de margem consignável, incide na hipótese o prazo previsto no art. 205 do CC/2002, prescrevendo a pretensão em 10 anos. Nesse sentido: TJSC, Apelação Cível n. 0302530-56.2018.8.24.0024, de Fraiburgo, rel. Des. Guilherme Nunes Born, j. 11-4-2019 e TJSC, Apelação Cível 0300220-74.2017.8.24.0004, rel. Des. Jânio Machado, j. 12-4-2018.
Ademais, tratando-se de ação declaratória, não há o que se falar em decadência do direito do autor.
Deste modo, considerando que não houve a fluência do prazo prescricional, afasta-se a preliminar invocada.
Mérito.
Como se sabe, "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (Súmula 297 do STJ). Assim, levando-se em conta que a parte autora contratou serviços de natureza bancária fornecidos no mercado de consumo, mediante remuneração, para atender à necessidade de caráter pessoal (art. 2º da Lei n. 8.078/1990), a relação jurídica objeto dos autos é orientada pelas disposições da Lei n. 8.078/1990, com os consectários dela decorrentes.
A parte autora fundamenta sua pretensão na alegação de que contratou um empréstimo consignado e a instituição financeira passou a realizar desconto de reserva de margem consignável sem o seu consentimento, o que evidenciaria prática abusiva e daria ensejo à nulidade da contratação, com a consequente devolução de valores já cobrados, além da compensação pelos danos morais suportados.
A relação estabelecida entre as partes deriva de empréstimo consignado em benefício previdenciário do consumidor. De acordo com o que prevê o art. 115 da Lei n. 8.213/91, com as alterações da Lei n. 13.183/2015:
" Podem ser descontados dos benefícios:
VI - pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor do benefício, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:
a) amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
b) utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito".
Na hipótese, as partes expressamente contrataram adesão a cartão de crédito consignado por instrumento próprio (doc. 2 - evento 31), inclusive cédula de crédito bancário para "saque mediante a utilização de cartão de crédito consignado" (doc. 3 - evento 31).
Assim, em decorrência da autorização legal e da expressa contratação, não se evidencia qualquer irregularidade ou abusividade no ajuste, além do que não se classifica como venda casada (art. 39, I, CDC) porque não há evidência de houve condicionamento da concessão de empréstimo consignado à contratação do cartão de crédito. Com efeito:
"AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C DANOS MORAIS. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E CARTÃO DE CRÉDITO. ALEGAÇÃO DE NÃO CONTRATAÇÃO DOS SERVIÇOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. VENDA CASADA. IMPOSSIBILIDADE DE PROVIMENTO. INEXISTÊNCIA DE PROVA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O fato de os serviços de cartão de crédito estarem atrelados ao contrato de empréstimo não pode, por si só, evidenciar a existência de venda casada (CDC, art. 39, I), pois, nestes casos, faz-se necessária a prova de que a instituição financeira condicionou a prestação de um serviço à contratação do outro. A falta de prova nesse sentido gera a presunção de conhecimento do consumidor quando da contratação com a casa bancária, sobretudo por vigorar, como regra, o princípio da boa-fé objetiva nas relações contratuais. 2. Recurso conhecido e desprovido" (TJSC, Ap. Cív. n. 0310903-70.2014.8.24.0039, de Lages, rela. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. 21-3-2017).
Portanto, não havendo qualquer irregularidade na contratação, inviável a declaração de inexistência da contratação ou a restituição dos valores cobrados, tampouco a pretensão alternativa de "conversão" do ajuste para empréstimo consignado.
Da mesma forma, em decorrência da higidez da contratação, afasta-se a pretensão de indenização por danos morais, uma vez que não caracterizada a prática de qualquer ato ilícito.
A propósito, colhe-se da jurisprudência:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES, CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DEMANDANTE QUE ADUZ TER PACTUADO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E SIDO SURPREENDIDO COM DESCONTO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) EM SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, VINCULADA À CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINAR ARGUIDA PELA FINANCEIRA RÉ EM CONTRARRAZÕES. CASA BANCÁRIA ACIONADA QUE PRETENDE O NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, SOB A ALEGAÇÃO DE SER DISSOCIADO DO CONTEÚDO DA SENTENÇA. VÍCIO INOCORRENTE. RAZÕES RECURSAIS QUE COMBATEM A FUNDAMENTAÇÃO LANÇADA NO DECISUM. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE NÃO VIOLADO. PREFACIAL AFASTADA. MÉRITO. SUSTENTADA ILEGALIDADE DOS DESCONTOS REALIZADOS A TÍTULO EM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, HAJA VISTA QUE NÃO CONTRATADO. ACOLHIMENTO INVIÁVEL. CONJUNTO PROBATÓRIO AMEALHADO NOS AUTOS QUE DEMONSTRA A CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM DESCONTOS REALIZADOS DIRETAMENTE DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO EM PARCELA DA MARGEM CONSIGNÁVEL. NÍTIDA ANUÊNCIA DEMONSTRADA PELA APOSITURA DE ASSINATURA PELO AUTOR NO PACTO, BEM ASSIM PELA CLAREZA DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IRREGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA. PRETENDIDA CONDENAÇÃO DA CASA BANCÁRIA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, NESSE CONTEXTO, AFASTADA, DIANTE DA INOCORRÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA DE SUA PARTE. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 0302481-39.2017.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Tulio Pinheiro, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 02-08-2018).
E mais: TJSC, Apelação Cível n. 0300996-57.2017.8.24.0042, de Maravilha, rel. Des. Cláudio Valdyr Helfenstein, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 12-07-2018; JSC, Apelação Cível n. 0305635-30.2017.8.24.0039, de Lages, rel. Des. Fernando...

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