Acórdão Nº 5001929-12.2020.8.24.0010 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 27-09-2022

Número do processo5001929-12.2020.8.24.0010
Data27 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001929-12.2020.8.24.0010/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001929-12.2020.8.24.0010/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: MARLI MARCELINO (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: CLEIMAR DELLA GIUSTINA MORGAN (OAB SC034623) ADVOGADO: EDIR KESTRING PERIN (OAB SC033012)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por MARLI MARCELINO e BANCO BRADESCO S.A. contra sentença de parcial procedência, oriunda da 2ª Vara Cível da Comarca de Braço do Norte (evento 21), prolatada na denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por MARLI MARCELINO contra o BANCO BRADESCO S.A., para:

a) ANULAR o contrato firmado entre as partes (ev. 1, extrato 5 - n. 20170303360015142000), retornando ao status quo ante, com o consequente cancelamento da operação bancária e a restituição das partes à situação anterior ao contrato firmado, cabendo à parte demandante a devolução dos valores tomados com o contrato e à parte demandada à restituição das prestações quitadas, observado o item "b".

b) DETERMINAR a restituição/compensação dos valores descontados de forma indevida relativos aos contrato n. 20170303360015142000, na forma simples, acrescidos de correção monetária pelo INPC a partir da data do efetivo desembolso, além de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação.

Diante da sucumbência recíproca e não proporcional das partes (CPC, art. 86), condeno autora e ré, na proporção de 30% a cargo da autora e de 70% a cargo da ré, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, observado o grau de zelo do profissional, bem como o tempo exigido para o seu serviço e a ausência de instrução do feito (CPC, art. 85, § 2°). Suspensa a exigibilidade em relação à demandante por força da gratuidade da justiça concedida (ev. 8) e vedada a compensação.

Em suas razões recursais (evento 4 do Segundo Grau), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, a autora (evento 25) requer a condenação da casa bancária ré ao pagamento de indenização por danos morais, haja vista o ilícito praticado por esta, e, ao final, haver a inversão dos ônus sucumbenciais.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 33 e 9 do Segundo Grau).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.

Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:

O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC.

Na sua folha de pagamento será descontado apenas o correspondente a 6% do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor e mais os acréscimos é enviado para pagamento sob a forma de fatura que chega mensalmente à casa do consumidor.

Se este pagar integralmente o valor da fatura, que é o próprio valor do empréstimo, estará quitada a dívida; se, entretanto, como ocorre em quase todos os casos, o pagamento se restringir ao desconto consignado no contracheque (6% apenas do total devido), sobre a diferença não paga, isto é, 94% do valor devido, incidirão juros que são duas vezes mais caros que no empréstimo consignado normal. (http://condege.org.br/publicacoes/noticias/ma-defensoria-promove-a%C3%A7%C3%A3o-civil-p%C3%BAblica-contra-bancos-por-ilegalidades-em-consignados)

Extrai-se da narrativa ser esse o caso em questão.

Isso porque, da análise das circunstâncias em que a contratação foi efetivada, é possível verificar que a acionante pretendia firmar o denominado "empréstimo consignado" puro e simples, com parcelas fixas e preestabelecidas, vindo, entretanto, tempos depois, a saber, que contraíra outra modalidade contratual, via reserva de margem consignável, culminando na incidência de juros extorsivos a ponto de impossibilitar o pagamento do débito.

Dos documentos trazidos pela acionada não conferem veracidade a sua alegação de que foi contratado pela acionante cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha.

Na espécie, percebe-se que a ré deixou de acostar o ajuste celebrado entre as partes, notadamente porque os documentos colacionados ao Evento 16, INF5 não se prestam para tanto, pois trata-se de cláusulas gerais, além de serem apócrifas.

Ora, "sem a juntada do pacto é inviável aferir a existência da relação jurídica e sua regularidade, ou seja, se houve indicação clara e precisa do objeto contratado e dos encargos financeiros, consoante determina o art. 52 do CDC. E, como o ônus de comprová-la...

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