Acórdão Nº 5001931-23.2019.8.24.0040 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 09-03-2021

Número do processo5001931-23.2019.8.24.0040
Data09 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001931-23.2019.8.24.0040/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: MARIA DA GLORIA DA SILVA VIEIRA (AUTOR) ADVOGADO: LEANDRO SCHIEFLER BENTO APELADO: BANCO BMG SA (RÉU) ADVOGADO: ANDRÉ LUIS SONNTAG (OAB SC017910)


RELATÓRIO


Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Maria DA Gloria DA Silva Vieira e Banco BMG SA contra sentença de procedência (evento 13) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:
Ante o exposto, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por MARIA DA GLORIA DA SILVA VIEIRA em face de BANCO BMG SA, para:
a) declarar inexistentes os débitos decorrentes do cartão de crédito mencionado no contrato do evento 9 (CONTR2);
c) condenar a parte ré à restituição dos valores pagos pela parte autora indevidamente, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês e correção monetária, desde o pagamento, descontado o valor adquirido a título de empréstimo, equivalente a R$1.077,99 (mil e setenta e sete reais e noventa e nove centavos), corrigidos desde a data em que o respectivo valor foi liberado na conta da parte autora;
d) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais em favor da parte autora no valor de R$3.000,00 (três mil reais), atualizado monetariamente pelo INPC, e acrescido de juros moratórios, no percentual de 1% (um por cento) ao mês, ambos a partir do trânsito em julgado desta sentença, conforme fundamentação supra.
Condeno a parte ré, ainda, ao pagamento das custas processuais, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios da parte ex adversa, que se fixa em 10% sobre o valor atualizado da condenação, a teor do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se.
Em suas razões recursais (evento 22), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.
Por sua vez, a autora (evento 17) requer a majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios. Pleiteia, ainda, a incidência dos juros de mora desde o evento danoso.
Foram apresentadas contrarrazões (eventos 25).
Este é o relatório

VOTO


Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.
Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
Consta do petitório inicial o relato a seguir reproduzido:
A parte Autora percebe benefício previdenciário e,nesta condição, realizou contrato de empréstimo consignado junto ainstituição Ré, sendo informada que o pagamento seria realizado com osdescontos mensais diretamente do seu benefício conforme sistemática depagamento dos empréstimos consignados.Contudo, meses após a celebração do empréstimorealizado, a parte Autora foi surpreendida com o desconto de "CARTÃODE CRÉDITO", dedução essa que é muito diferente de um empréstimoconsignado o qual a parte autora ora estava almejando.Desta forma, entrou em contato com a instituição Répara esclarecimento do ocorrido e só então foi informada que o empréstimoformalizado não se tratava de um empréstimo consignado "normal", massim de uma RETIRADA DE VALORES EM UM CARTÃO DECRÉDITO, o qual deu origem a constituição da reserva de margemconsignável (RMC) e que desde então a empresa tem realizado a retençãode margem consignável no percentual de 5% sobre o valor de seubenefício.Ocorre, no entanto, que referidos serviços emmomento algum foram solicitados ou contratados, já que a parteAutora apenas requereu e autorizou apenas o empréstimo consignadoe não via cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável.Em todos os empréstimos realizados anteriormente, aassinatura de contrato se deu com base na confiança e por acreditar que asinformações que lhe foram repassadas eram dotadas de veracidade, contudonunca houve qualquer informação relativa a cartão de crédito.Assim, mesmo sem a parte Autora ter requerido ocartão, a instituição bancária simulou uma contratação de cartão de créditoconsignado e sequer oportunizou a parte Autora a possibilidade de escolhera porcentagem que seria reservada.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.
Pois bem.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).
Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.
Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).
Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:
O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC.
Na sua folha de pagamento será descontado apenas o...

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