Acórdão Nº 5001939-18.2020.8.24.0055 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 12-08-2021

Número do processo5001939-18.2020.8.24.0055
Data12 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001939-18.2020.8.24.0055/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: ROSALINA CRUZ (AUTOR) ADVOGADO: FERNANDO HIDEAKI ZAVAN YAMAGURO (OAB SC59520) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)

RELATÓRIO

Rosalina Cruz interpôs recurso de apelação cível em face da sentença que, proferida pelo juízo da 1ª Vara da Comarca de Rio Negrinho, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela autora na ação de conhecimento ajuizada em face de Banco Pan S.A.

Cuida-se, na origem, de ação de conhecimento aforada por Rosalina Cruz contra Banco Pan S/A, na qual pede o reconhecimento da inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito, ou, alternativamente, a conversão da operação para a de empréstimo consignado convencional, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, de maneira dobrada, e a condenação ao pagamento de danos morais, em razão da inexistência de contratação de reserva de margem consignada em seu benefício previdenciário, para contratação de cartão de crédito não solicitado.

Foi deferida a gratuidade da justiça requerida pela demandante (evento 4, autos do 1º grau).

Devidamente citado, o Banco Pan S/A apresentou contestação (evento 12, CONT1, autos do 1º grau), na qual, inicialmente, impugnou o valor atribuído a causa pela demandante. No mérito, defendeu a regularidade da contratação realizada entre as partes. Afirmou, neste sentido, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito. Argumentou que, inexistindo irregularidades no contrato, ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável. Pugnou pela improcedência da demanda. Juntou o contrato firmado com a parte autora, comprovante de disponibilização do valor sacado do cartão de crédito, cópia das faturas do cartão de crédito emitidas durante o período da contratação.

Houve réplica (evento 16, autos do 1º grau).

Sobreveio sentença de mérito prolatada em 25-02-2021 pela magistrada Fabricia Alcantara Mondin, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela autora, o que se deu nos seguintes termos (evento 20, autos do 1º grau):

DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES (CPC, art. 487, I) os pedidos formulados por ROSALINA CRUZ em face de BANCO PAN S.A. e, via de consequência:

1. DETERMINO a readequação do contrato celebrado entre as partes na forma seguinte:

1.1) A parte ré deverá efetuar o recálculo do débito, tendo como parâmetro o valor tomado, sobre o qual deverão incidir juros remuneratórios à taxa média de mercado (Taxa média de juros - Pessoas físicas - Crédito pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS), na data da contratação, 02/10/2015 (evento 12.4), limitados ao teto da IN INSS/PRES n. 28/2008, vedada a capitalização em qualquer forma, considerando-se como prazo contratual 60 meses. Em caso de inadimplência (após a readequação do contrato), incidirão juros de mora e multa contratual nos percentuais de 1% e 2% ao mês, respectivamente, sem sobre incidência e sem prejuízo da aplicação dos juros remuneratórios.

1.2) Após, a parte ré deverá efetuar a amortização do débito, com o cômputo dos valores descontados no benefício da parte autora, a título de RMC, devendo o saldo devedor remanescente ser quitado mediante descontos mensais diretamente no benefício previdenciário da parte autora, observado o limite legal de 30% (trinta por cento) do valor da renda mensal do benefício, nos termos da legislação em vigor.

1.3) Efetuada a readequação, fica automaticamente cancelado o contrato anterior, inclusive o cartão de crédito, que deverá ser inutilizado pela parte autora.

2. INDEFIRO os pedidos de condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais e de restituição em dobro dos valores descontados a título de RMC, nos termos da fundamentação.

Diante da sucumbência parcial (CPC, art. 85, I e art. 86), condeno as partes ao pagamento das custas processuais, na proporção de 40% (quarenta por cento) pela parte autora e 60% (sessenta por cento) pelo réu. Fixo os honorários advocatícios em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, considerando a natureza da causa, o local de prestação de serviços e o trabalho efetivamente realizado, os quais deverão ser distribuídos na mesma proporção (40% ao procurador do réu e 60% ao procurador da parte autora), vedada a compensação (CPC, art. 85, § 14º).

Todavia, diante da concessão do benefício da gratuidade da justiça à parte autora, suspendo a exigibilidade do pagamento das verbas acima com relação a ela, pelo período de 5 (cinco) anos, com fulcro no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil, salvo se sobrevier mudança em sua situação econômica.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquivem-se os autos e providenciem-se as baixas necessárias.

Inconformada, a instituição financeira opôs embargos de declaração (evento 24, autos do 1º grau), os quais foram rejeitados (evento 35, autos do 1º grau).

Irresignada, a autora interpôs recurso de apelação (evento 30, autos do 1º grau), no qual sustenta, em síntese: (a) a invalidade do contrato firmado entre as partes, porquanto afirma ter sido ludibriada pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada. Alega que, diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada, tendo em vista que apenas pretendia a contratação de empréstimo e não fornecimento de cartão. Afirma que diante da comprovação da irregularidade da contratação impugnada, manifestamente indevida a readequação da contratação determinada pela magistrada singular. Pugna, assim, pelo cancelamento da operação com a suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução da quantia que entende indevidamente cobrada. Defende, por fim, (b) a condenação da parte demandada ao pagamento de danos morais decorrentes do abalo sofrido em relação à suposta atitude fraudulenta e aos descontos irregulares perpetrados pela casa bancária. Requer o provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada.

Contrarrazões apresentada pelo banco nos evento 53 dos autos do 1º grau.

Os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

Vieram-me os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Dito isto, tem-se que os recursos devem ser conhecidos porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.

2. Da regularidade da operação contratada entre as partes

Insurge-se a apelante contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela ora apelante em sua petição inicial, e determinou a readequação da operação impugnada, justificando que não optou pela contratação de cartão de crédito consignável, o que gerou a reserva da margem consignável de seu benefício previdenciário e cobrança de encargos referentes à modalidade, das quais não houve informação a respeito, razão pela qual sustenta deva ser declarada nula a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com a condenação do banco a indenização por danos morais, em razão da conduta desleal.

Analisados os autos, verifica-se que sem razão a demandante.

A princípio, necessário destacar que a própria autora, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):

Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1º deste artigo.

[...]

Art. 6o Os titulares de...

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