Acórdão Nº 5001944-48.2021.8.24.0235 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 01-09-2022

Número do processo5001944-48.2021.8.24.0235
Data01 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001944-48.2021.8.24.0235/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: LORENA SCHMITZ FEDRIGO (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

LORENA SCHMITZ FEDRIGO interpôs recurso de apelação da sentença proferida pela magistrada de primeiro grau, Luisa Silvestri, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO BMG S.A, em curso perante o juízo da Vara Única da Comarca de Herval d Oeste, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

1. Lorena Schmitz Fedrigo ajuizou ação anulatória c/c restituição de valores e indenização por danos morais contra Banco BMG S/A sustentando, em apertada síntese, que realizou contrato de empréstimo consignado com a parte ré, ficando acordado entre estas que o pagamento seria realizado mediante descontos mensais diretamente do benefício da parte autora. No entanto, conforme alega, foi surpreendida com descontos de "reserva de margem consignável de cartão de crédito", descobrindo, posteriormente, que na verdade o seu empréstimo consignado tratava-se de uma retirada de valores em um cartão de crédito, o que possibilita a parte ré a retenção de margem dos proventos da parte autora a título de juros e encargos mensais. A parte requerente afirma não ter sido informada de qualquer tipo de reserva de margem, alegando ter sido ludibriada. Juntou documentos e formulou os demais pedidos de estilo (Evento 1).

Foi determinada a citação do réu, bem como deferido o benefício da justiça gratuita (Evento 4).

A parte ré compareceu aos autos e ofereceu resposta, sob a forma de contestação, alegando, inicialmente, a inépcia da inicial, bem como a falta de interesse de agir. No mérito, sustentou que o contrato celebrado observou a legislação vigente e a vontade das partes, inexistindo qualquer vício. Esclareceu as características e condições da operação de crédito contratada, defendendo sua legalidade. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos (Evento 10).

Houve réplica (Evento 15).

É o relatório.

Decido.

2. Trata-se de ação anulatória c/c restituição de valores e indenização por danos morais ajuizada por Lorena Schmitz Fedrigo contra Banco BMG S/A.

A respeito das preliminares arguidas, quais sejam, inépcia da inicial, porquanto a parte autora não negou a relação jurídica, e a ausência de interesse processual, diante da inexistência de margem para a contratação de empréstimo, percebe-se que ambas devem ser rechaçadas, pois se confundem com a matéria de mérito.

Nestes termos, colhe-se precedente desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA NO SENTIDO DE DECLARAR A NULIDADE DO CONTRATO. RECURSO DA PARTE REQUERIDA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. ALEGAÇÃO QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO. PRELIMINAR AFASTADA. [...] RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0301941-43.2017.8.24.0010, de Braco do Norte, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 28-05-2019 - grifou-se).

Dessa feita, passa-se à análise do mérito da presente ação.

3. É viável o julgamento antecipado da lide, com lastro no artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, haja vista estar o feito devidamente instruído, contendo substrato probatório suficiente para a formação do convencimento do juízo acerca da matéria.

Estando presentes as condições da ação e os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, passo à análise das questões atinentes ao mérito.

A respeito da incidência da legislação consumerista, importa salientar que "a aplicação da Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) aos contratos bancários é questão pacificada, já estreme de dúvida. Tanto é que o Superior Tribunal de Justiça, há mais de uma década, editou o enunciado sumular n. 297 ('O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras') [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 0006166-89.2011.8.24.0011, de Brusque, rel. Des. Janice Goulart Garcia Ubialli, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 29-08-2017).

Entretanto, mesmo se tratando de relação de consumo regida pelos ditames do Código de Consumidor, não se pode perder de vista que "a incidência da legislação consumerista ou o deferimento da inversão do ônus da prova, por certo não exime o demandante, ora consumidor, em apresentar, pelo menos, indícios probatórios suficientes acerca da pretensão exposta na exordial" (TJSC, Apelação Cível n. 0301160-10.2015.8.24.0004, de Araranguá, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 04-10-2018).

Assim, os pedidos formulados na inicial somente serão procedentes se demonstrada abusividade por parte da instituição bancária, ou seja, caso haja desvantagem desproporcional suportada pelo consumidor, ou, ainda, ilicitude contratual. Caso contrário, deverão prevalecer os termos do contrato livremente firmado entre as partes.

A avença pactuada entre as partes, colacionada no Evento 10, CONTR9, denomina-se "termo de adesão cartão de crédito consignado Banco BMG e autorização para desconto em folha de pagamento", não tendo a parte autora impugnado a veracidade da sua assinatura no referido documento, motivo pelo qual se trata de contratação incontroversa, na forma do artigo 374, inciso III, do Código de Processo Civil.

Apesar do alegado na petição inicial, constata-se que a assinatura da parte autora no contrato ora analisado demonstra sua ciência inequívoca acerca da adesão ao financiamento atrelado ao cartão de crédito, bem como sua autorização à constituição de reserva de margem consignável.

Sobre a possibilidade de anulação do negócio jurídico firmado, o Código Civil, em seus artigos 138 e 139, é claro em afirmar que "são anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio".

Sendo assim, "o erro substancial hábil a ensejar a anulação do negócio jurídico ocorre quando o declarante atua mediante embotada representação da realidade, equívoco esse capaz de conduzí-lo a externar sua vontade de maneira diversa da que manifestaria se porventura mais inteirado estivesse acerca das nuanças do negócio jurídico entabulado" (TJSC, Apelação Cível n. 2010.041937-2, de Porto União, rel. Des. Henry Petry Junior, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 17-08-2010).

In casu, a parte autora não logrou êxito em demonstrar qualquer vício ou sua incapacidade durante a pactuação do contrato, sendo certo que uma simples leitura do contrato firmado é suficiente para verificar que este se trata de um negócio jurídico envolvendo um cartão de crédito consignado, autorizando descontos de parcela mínima em folha de pagamento. O próprio cabeçalho do pacto realizado entre a parte autora e o réu evidencia, de forma clara, o objeto ali tratado.

Por outro lado, se o negócio jurídico firmado, ao final, não foi vantajoso à parte autora, gerando arrependimento posterior após fazer uso dos recursos financiados, trata-se, apenas, de questão inerente ao mercado de consumo, não podendo atribuir ao banco réu seu descontentamento em relação aos termos do pacto avençado.

No ponto, importante frisar que, apesar da aventada vulnerabilidade da parte autora, por tratar-se de pessoa idosa, sabe-se que tal condição "não é motivo de incapacidade para o exercício de direito ou empecilho para contrair obrigações, quando não há elementos indicativos da ausência de discernimento para compreensão do negócio jurídico realizado" (STJ, REsp 1383624/MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 12/06/2015).

Além do mais, do extrato acostado (Evento 10, CONTR9), percebe-se que, à época da contratação, a parte autora já havia contraído diversos outros financiamentos, comprometendo, sobremaneira, a sua margem para crédito consignado convencional, qual seja, 30%.

Compulsando os autos, denota-se que não houve a intenção de contratação de empréstimo consignado normal, como quis fazer crer a parte autora, pois, através dos extratos mencionados, verifica-se que a soma de todos os empréstimos consignados atingem quantia que representa praticamente 30% da remuneração mensal recebida, ou seja, o limite máximo da margem para esta modalidade de contrato, sendo possível somente a utilização adicional de 5% da margem que corresponde ao cartão de crédito, conforme determina o artigo 3º, §1º, incisos I e II da Instrução Normativa do INSS n. 28 de 16/05/2008:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que: [...]

§1º Os descontos de que tratam o caput não poderão exceder o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor da renda mensal do benefício, considerando que o somatório dos descontos e/ou retenções não exceda, no momento da contratação, após a dedução das consignações obrigatórias e voluntárias:

I - até 30% (trinta por cento) para as operações de empréstimo pessoal;

II - até 5% (trinta por cento) para as operações de cartão de crédito.

No mesmo sentido é o artigo 6º, §5º, inciso II da Lei n. 10.820/03:

Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. [...]

§5º Os descontos e...

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