Acórdão Nº 5001961-77.2020.8.24.0087 do Quinta Câmara de Direito Público, 26-04-2022

Número do processo5001961-77.2020.8.24.0087
Data26 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001961-77.2020.8.24.0087/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: VALDIR NESI FILHO (EMBARGANTE) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (EMBARGADO) INTERESSADO: VALDIR NESI (INTERESSADO) INTERESSADO: TRANSNESI TRANSPORTES DE CARGAS LTDA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Os embargos à execução apresentados por Valdir Nesi Filho em relação ao Estado de Santa Catarina foram rejeitados.

O autor apela.

Narra que a execução fiscal foi movida em face da pessoa jurídica Transnesi Transportes de Cargas Ltda., mas foi contra si redirecionada por ser o sócio administrador da empresa, o que culminou na penhora do seu imóvel residencial.

Faz jus, ainda, ao benefício da gratuidade, tendo em vista que preenche os requisitos legais e não há impugnação da parte contrária.

O julgamento antecipado da lide acarretou, de outro lado, cerceamento de defesa, tendo em vista que não lhe foi oportunizada a produção de prova, nos termos que lhe assegurava pelo art. 17 da LEF. A instrução é necessária para que possa demonstrar a qualidade do imóvel penhorado, bem como a inviabilidade de sua responsabilização tributária, uma vez que não exercia efetivamente a gerência da sociedade, o que, aliás, já foi objeto de persecução penal com sentença absolutória. Além disso, não lhe foi permitida a apresentação de réplica em afronta ao art. 5º, LIV e LV da Constituição.

Apesar de não ter sido aberta a fase de instrução, apresentou documentos e traz agora outros com fundamento no art. 435 do CPC, que demonstram que o imóvel penhorado é utilizado para sua moradia e da família, de sorte que merece a proteção do art. 1º da Lei 8.009/1990, sendo irrelevante o fato de não ser o único bem do seu acervo patrimonial.

É parte ilegítima para responder pelo débito, uma vez que não possui vinculação com o fato gerador da obrigação tributária (art. 15 da LC 313/2005), de sorte que por não constar no título executivo como responsável ou sujeito passivo a execução fiscal não pode prosseguir contra si (art. 44 da LC 313/2005). A Súmula 435 do STJ deve ser interpretada de maneira restritiva, de modo que é inviável a sua responsabilização pela simples dissolução irregular da empresa, sendo necessário demonstrar sua ação ou omissão para concretização da dívida ou ainda a prática de ato com excesso de poderes ou infração à lei (arts. 134 e 135 do CTN). Não bastasse, na ação penal n. 0001464- 32.2012.8.24.0087 foi reconhecido que não era o administrador de fato da empresa Transnesi Transportes de Cargas Ltda. e, em que pese à independência das instâncias penal e tributária, é inequívoco que não praticou as atos necessários para que seja pessoalmente executado, de sorte que a sentença penal faz coisa julgada aqui, na linha do art. 935 do CC.

Há, além do mais, preclusão quanto ao redirecionamento da execução, tendo em vista que essa providência já havia sido anteriormente indeferida (evento 132 dos autos n. 000532-78.2011.8.24.0087), o que vai de encontro ao disposto nos arts. 471 e 505 do CPC, sobretudo porque não houve fato novo para justificar a medida.

Sob outro ângulo, sustenta a nulidade da CDA por falta de indicação do nome do corresponsável, o que é exigido pelos arts. 2º, § 5º, I e § 6º da LEF e 202, I, e p. único, do CTN.

Também não pode ser responsabilizado pelo penalidade pecuniária, uma vez que não se confunde com obrigação tributária. As multas aplicadas pelo descumprimento dessas obrigações, além do mais, não são exigíveis em face de terceiro tendo em vista o disposto no art. 5º, XLV, da Constituição.

Em contrarrazões, o Estado insiste na manutenção da sentença. Diz que o embargante não comprovou, embora fosse seu o ônus (art. 373, I, do CPC), que o bem penhorado seja o único imóvel da família, condição indispensável para reconhecimento da impenhorabilidade.

Destaca que a sentença penal não interfere na esfera tributária na medida em que a absolvição se deu por falta de prova, o que não faz coisa julgada no cível. A responsabilidade do autor decorre do previsto no art. 135, III, do CTN, uma vez que a dissolução irregular da sociedade constitui infração à lei, permitindo o redirecionamento em face do sócio administrador. Os requisitos legais para tanto, aliás, foram atendidos. Não é caso de desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC), mas de responsabilidade do terceiro decorrente de lei (art. 4º, V, da LEF), sendo incontroverso que o autor figurava como sócio administrador da empresa na época dos fatos geradores.

Defende, além disso, que a audiência de instrução só seria necessária "se houvesse um mínimo de prova documental apontando pela impenhorabilidade, o que não ocorreu no presente caso". A apresentação de réplica igualmente era dispensável, pois não trouxe, na sua impugnação, nenhum fato novo. Não houve recurso da decisão que determinou o redirecionamento, operando-se a preclusão sobre o tema. A CDA é válida porque observa todos os requisitos legais, havendo menção inclusive quanto à qualificação do devedor originário. Além do mais, é firme a orientação jurisprudencial quanto ao fato de que o nome do sócio não precisa constar no título quando há redirecionamento por dissolução irregular da empresa.

Salienta, por fim, que houve autolançamento, tendo em vista que o imposto foi apurado e declarado pelo próprio contribuinte por meio da entrega de DASN ou GIA, ficando dispensada a instauração de qualquer outra providência para constituição do crédito.

VOTO

1. Observo que, apesar de o magistrado ter sido instado a se manifestar sobre o pedido de gratuidade desde a inicial (evento 1, INIC1), não houve análise do pleito, mas nesses casos tenho que isso vale por um tácito deferimento.

A propósito, há presunção de veracidade na afirmação de carência financeira, se vinda de pessoa física.

Naturalmente, a presunção é relativa e pode ser afastada, mas partindo do pressuposto de que existam elementos nos autos que desaconselham assegurar a imunidade. Não se poderia inverter a lógica e exigir, ex ante, a comprovação sem indícios de que o requerente dispõe de recursos para litigar.

Não identifico a existência de elementos que desaconselhem a concessão do benefício. Pelo contrário, o que consta nos autos é que o postulante é servidor público municipal, auferindo remuneração mensal de cerca de R$ 2.900,00 (evento 25, DOC2), o que ratifica a insuficiência de recursos para arcar com os custos do processo.

2. Em tese, tenho que fosse mesmo possível o redirecionamento da execução - pelo que afasto a sustentação no sentido de que, no momento do deferimento da citação, houvesse preclusão.

A providência, é fato, havia sido indeferida em outubro de 2013 por falta de demonstração da dissolução irregular da pessoa jurídica e da inexistência de bens penhoráveis (evento 132, DESP93). Só que vieram eventos novos (penhora infrutífera e certificação pelo oficial de justiça de que a empresa não funcionava mais no seu endereço - evento 137, CERT103 ) que propiciaram o redirecionamento posteriormente.

Quer dizer, do ponto de vista do credor, não se configurou a preclusão porque houve modificação do estado de fato, permitindo nova deliberação sobre a inclusão do sócio no polo passivo, o que converge com o art. 505, I, do CPC.

Coisa distinta, claro, é propiciar que o novo executado, citado, possa debater a sua legitimidade e consequentemente o redirecionamento. A convocação dele se passou em agosto de 2015 (evento 149, DOC127). O debate sobre essa questão veio apenas com o oferecimento dos embargos à execução - o que só é viável após a efetivação da penhora, a qual foi praticada posteriormente à citação do sócio -, de modo que a questão também não estava preclusa para o particular.

Em casos aproximados, esta Corte já foi até mais longe, afastando mesmo a perspectiva de preclusão temporal:

A) EXECUÇÃO FISCAL - ICMS - DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA O SÓCIO-GERENTE - POSSIBILIDADE - AGRAVO DA EXECUTADA - PROVIMENTO NEGADO - EMBARGOS À EXECUÇÃO DO SÓCIO - PRECLUSÃO ARGUIDA PELO EXEQUENTE - ACOLHIMENTO PELO JUÍZO - PRECLUSÃO INEXISTENTE - (...)

Não se pode falar em preclusão se, em momento algum anterior à oposição dos embargos à execução fiscal, o sócio-gerente discutiu no processo executivo a decisão que autorizou a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária e contra ele redirecionou a execução, sobretudo porque não era parte no agravo de instrumento interposto pela empresa executada contra a mencionada decisão. (...)(AC 2010.068592-6, rel. Jaime Ramos)

B) APELAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL.(...)PRETENDIDO AFASTAMENTO DA NULIDADE DO REDIRECIONAMENTO E DA PRESCRIÇÃO. ALEGADA PRECLUSÃO DA DECISÃO QUE DETERMINOU O REORDENAMENTO AOS SÓCIOS. NÃO ACOLHIMENTO. REGULARIDADE DE ATO CITATÓRIO E LEGITIMIDADE DE PARTE QUE CONSTITUEM MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. (...)

(AC 0018089-10.2000.8.24.0008, rel. Des. Ricardo Roesler)

B) AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCEDIMENTO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE ACOLHEU A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE OPOSTA PELO EXECUTADO E DETERMINOU A REINCLUSÃO NO POLO PASSIVO DOS EXECUTADOS ORIGINÁRIOS.INSURGÊNCIA DA PARTE EXCEPTA.

ARGUMENTO DE PRECLUSÃO TEMPORAL DA TESE DE ILEGITIMIDADE PASSIVA LEVANTADA PELO EXCIPIENTE. INACOLHIMENTO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA QUE AINDA NÃO HAVIA SIDO SUSCITADA NOS AUTOS. TEMA PASSÍVEL DE APRECIAÇÃO EM SEDE DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. DECISÃO MANTIDA.

(...)

(AI n. 5023169-53.2021.8.24.0000, rel. Carlos Roberto da Silva )

C) TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL.

ILEGITIMIDADE DO SÓCIO-GERENTE. VÍCIO RELATIVO ÀS CONDIÇÕES DA AÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM...

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