Acórdão Nº 5001976-69.2021.8.24.0068 do Primeira Câmara de Direito Civil, 10-11-2022
Número do processo | 5001976-69.2021.8.24.0068 |
Data | 10 Novembro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Primeira Câmara de Direito Civil |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 5001976-69.2021.8.24.0068/SC
RELATOR: Desembargador SILVIO DAGOBERTO ORSATTO
APELANTE: EGON KRUTZMANN (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por E. K. contra a sentença proferida pelo juízo da Vara Única da comarca de Seara que, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Compensação por Danos Morais e Repetição de Indébito n. 50019766920218240068 ajuizada por si em desfavor de B. PAN. S.A., julgou improcedentes os pedidos, nos seguintes termos (Evento 23, SENT1 - autos de origem):
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Proceda-se a restituição do valor depositado a título de caução ao autor (evento 6).
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Após o trânsito em julgado, arquive-se.
Em atenção ao princípio da celeridade processual e a fim de evitar tautologia, adota-se o relatório da sentença apelada (Evento 23, SENT1 - autos de origem):
SALETE SOELI WEISS ajuizou ação de restituição de valores e indenização por dano moral em face de BANCO BMG S.A., pelos seguintes fatos:
Afirmou que não contratou empréstimo consignado e nem cartão de crédito com o réu, mas que este vem fazendo descontos em seu benefício previdenciário ao cobrar uma reserva de margem consignável.
Em razão disso, requereu o reconhecimento da ilegalidade da contratação de cartão de crédito, a devolução dos valores e a condenação de indenização por danos morais.
Citado, o réu apresentou contestação sustentando que a contratação é legal e que o contrato foi firmado por meio eletrônico. Ainda, afirma que a parte autora tinha plena ciência da forma contratada e inclusive sacou o valor liberado. Por fim, sustenta que não houve ato ensejador de indenização por dano moral.
Houve réplica.
Intimada para se manifestar, a autora requereu realização de perícia no contrato eletrônico para averiguar a autenticidade da assinatura digital.
Vieram os autos conclusos.
É o relato.
Dos eventos em que se demonstra a prova produzida nos autos:
Relatório de demonstrativo de crédito (Evento 1, ANEXO8 - autos de origem);
Extrato bancário (Evento 1, ANEXO9 - autos de origem);
Reclamação no PROCON (Evento 1, ANEXO7 - autos de origem).;
Contratos de cartão de crédito consignado (Evento 1, ANEXO4, ANEXO5 - autos de origem);
Comprovante de depósito judicial (Evento 6, ANEXO2, ANEXO3 - autos de origem);
Comprovantes de transferência de valores (Evento15, COMP4, COMP6 - autos de origem).
Inconformado, o apelante sustentou que foi vítima de uma fraude, pois recebeu uma ligação telefônica para renovar seu benefício previdenciário do INSS, no qual informou seus dados e enviou uma fotografia. Todavia, dias após, verificou em sua conta bancária o crédito dos valores de R$ 14.119,79 e R$ 1.232,00, bem como recebeu uma fatura para pagamento em sua residência. Alegou que se dirigiu até o PROCON para obter informações, tomando conhecimento acerca da contratação de cartão de crédito consignado. Defendeu que não contratou os empréstimos consignados; que sua foto selfie não comprova a ciência e acesso ao contrato juntado aos autos. Argumentou que nunca contratou empréstimo com o réu, seja por meio físico ou digital, pugnando pela reforma da sentença para procedência dos pedidos da inicial, com a declaração de inexistência de relação jurídica; repetição de indébito, na forma dobrada e danos morais no valor de R$ 15.000,00 (Evento 29, APELAÇÃO1 - autos de origem).
Em resposta, o apelado apresentou contrarrazões, arguindo a preliminar de ausência de dialeticidade, ante a ausência de contrariedade aos fundamentos da sentença (Evento 36, CONTRAZAP1 - autos de origem).
Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade recursal
Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se à sua análise.
Mérito
O cerne da questão jurídica cinge-se à contratação indevida de cartão de crédito consignado.
O recurso, adianta-se, comporta provimento parcial.
Relação de Consumo
De plano, registre-se, que ao caso se aplica o Código de Defesa do Consumidor porquanto se trata de relação consumerista, estando de um lado o consumidor e de outro o fornecedor de serviços.
A defesa dos direitos básicos do consumidor deve ser resguardada e, em especial, o previsto no art. 6º, incisos VI, VIII e X, do CDC, que assim dispõem: "são direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; e a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral".
Dessarte, o julgamento da presente demanda está adstrito às regras de proteção ao consumidor, em especial, à inversão do ônus da prova, pois ele é parte hipossuficiente e merece especial tratamento.
Irregularidade do Contrato
Extrai-se dos autos que a controvérsia cinge-se na contratação de cartão de crédito consignado, em que o autor alega a inexistência de relação jurídica e o réu a regularidade da contratação.
Consoante as informações dos autos, os contratos em questão foram registrados sob o n. 748580154 e 348580293, com saques nos valores de R$ 1.232,00 e R$ 14.119,79, firmados em 14/7/2021, com descontos mensais de R$ 38,53 (Evento 15, ANEXO4, ANEXO5 e Evento 1, ANEXO8 - autos de origem).
O réu anexou os contratos, alegando que a contratação se deu por meio digital e que o documento foi assinado eletronicamente, com envio de documentos pessoais e selfie.
Sobre tal modalidade de contratação (eletrônica), importante mencionar que o Código Civil não prevê forma específica para sua validade, prevalecendo a liberdade de forma, desde que respeitado a regra geral prevista no art. 104, que assim dispõe: "a validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei".
A Instrução Normativa do INSS n. 28, de 16 de maio de 2008 prevê requisitos para a autorização do desconto. Vejamos:
Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:
I - o empréstimo seja realizado com instituição financeira que tenha celebrado Convênio e/ou Acordo com o INSS/Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência - Dataprev, para esse fim;
II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e
III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.
(...)
De outra parte, importante frisar a obrigatoriedade da instituição financeira em observar os direitos básicos do consumidor, dentre eles do dever de informação, disposto no art. 6°, inc. III, do CDC, além de não executar ou contratar serviços sem autorização expressa do consumidor, sob pena de prática abusiva (ex vi art. 39, VI, do CDC).
Nesse contexto, conclui-se que o contrato por meio eletrônico é válido, desde que pautado na regra do art. 104 do CC, além de haver expressa ciência e autorização do consumidor quanto ao seu conteúdo.
In casu, não há nos autos prova inconteste da ciência inequívoca do autor quanto ao objeto da contratação, isso porque não demonstrou a negociação havida com o consumidor, não juntou prova das conversas ou do envio dos documentos, limitando-se a juntar o arquivo do...
RELATOR: Desembargador SILVIO DAGOBERTO ORSATTO
APELANTE: EGON KRUTZMANN (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por E. K. contra a sentença proferida pelo juízo da Vara Única da comarca de Seara que, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Compensação por Danos Morais e Repetição de Indébito n. 50019766920218240068 ajuizada por si em desfavor de B. PAN. S.A., julgou improcedentes os pedidos, nos seguintes termos (Evento 23, SENT1 - autos de origem):
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Proceda-se a restituição do valor depositado a título de caução ao autor (evento 6).
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Após o trânsito em julgado, arquive-se.
Em atenção ao princípio da celeridade processual e a fim de evitar tautologia, adota-se o relatório da sentença apelada (Evento 23, SENT1 - autos de origem):
SALETE SOELI WEISS ajuizou ação de restituição de valores e indenização por dano moral em face de BANCO BMG S.A., pelos seguintes fatos:
Afirmou que não contratou empréstimo consignado e nem cartão de crédito com o réu, mas que este vem fazendo descontos em seu benefício previdenciário ao cobrar uma reserva de margem consignável.
Em razão disso, requereu o reconhecimento da ilegalidade da contratação de cartão de crédito, a devolução dos valores e a condenação de indenização por danos morais.
Citado, o réu apresentou contestação sustentando que a contratação é legal e que o contrato foi firmado por meio eletrônico. Ainda, afirma que a parte autora tinha plena ciência da forma contratada e inclusive sacou o valor liberado. Por fim, sustenta que não houve ato ensejador de indenização por dano moral.
Houve réplica.
Intimada para se manifestar, a autora requereu realização de perícia no contrato eletrônico para averiguar a autenticidade da assinatura digital.
Vieram os autos conclusos.
É o relato.
Dos eventos em que se demonstra a prova produzida nos autos:
Relatório de demonstrativo de crédito (Evento 1, ANEXO8 - autos de origem);
Extrato bancário (Evento 1, ANEXO9 - autos de origem);
Reclamação no PROCON (Evento 1, ANEXO7 - autos de origem).;
Contratos de cartão de crédito consignado (Evento 1, ANEXO4, ANEXO5 - autos de origem);
Comprovante de depósito judicial (Evento 6, ANEXO2, ANEXO3 - autos de origem);
Comprovantes de transferência de valores (Evento15, COMP4, COMP6 - autos de origem).
Inconformado, o apelante sustentou que foi vítima de uma fraude, pois recebeu uma ligação telefônica para renovar seu benefício previdenciário do INSS, no qual informou seus dados e enviou uma fotografia. Todavia, dias após, verificou em sua conta bancária o crédito dos valores de R$ 14.119,79 e R$ 1.232,00, bem como recebeu uma fatura para pagamento em sua residência. Alegou que se dirigiu até o PROCON para obter informações, tomando conhecimento acerca da contratação de cartão de crédito consignado. Defendeu que não contratou os empréstimos consignados; que sua foto selfie não comprova a ciência e acesso ao contrato juntado aos autos. Argumentou que nunca contratou empréstimo com o réu, seja por meio físico ou digital, pugnando pela reforma da sentença para procedência dos pedidos da inicial, com a declaração de inexistência de relação jurídica; repetição de indébito, na forma dobrada e danos morais no valor de R$ 15.000,00 (Evento 29, APELAÇÃO1 - autos de origem).
Em resposta, o apelado apresentou contrarrazões, arguindo a preliminar de ausência de dialeticidade, ante a ausência de contrariedade aos fundamentos da sentença (Evento 36, CONTRAZAP1 - autos de origem).
Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade recursal
Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se à sua análise.
Mérito
O cerne da questão jurídica cinge-se à contratação indevida de cartão de crédito consignado.
O recurso, adianta-se, comporta provimento parcial.
Relação de Consumo
De plano, registre-se, que ao caso se aplica o Código de Defesa do Consumidor porquanto se trata de relação consumerista, estando de um lado o consumidor e de outro o fornecedor de serviços.
A defesa dos direitos básicos do consumidor deve ser resguardada e, em especial, o previsto no art. 6º, incisos VI, VIII e X, do CDC, que assim dispõem: "são direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; e a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral".
Dessarte, o julgamento da presente demanda está adstrito às regras de proteção ao consumidor, em especial, à inversão do ônus da prova, pois ele é parte hipossuficiente e merece especial tratamento.
Irregularidade do Contrato
Extrai-se dos autos que a controvérsia cinge-se na contratação de cartão de crédito consignado, em que o autor alega a inexistência de relação jurídica e o réu a regularidade da contratação.
Consoante as informações dos autos, os contratos em questão foram registrados sob o n. 748580154 e 348580293, com saques nos valores de R$ 1.232,00 e R$ 14.119,79, firmados em 14/7/2021, com descontos mensais de R$ 38,53 (Evento 15, ANEXO4, ANEXO5 e Evento 1, ANEXO8 - autos de origem).
O réu anexou os contratos, alegando que a contratação se deu por meio digital e que o documento foi assinado eletronicamente, com envio de documentos pessoais e selfie.
Sobre tal modalidade de contratação (eletrônica), importante mencionar que o Código Civil não prevê forma específica para sua validade, prevalecendo a liberdade de forma, desde que respeitado a regra geral prevista no art. 104, que assim dispõe: "a validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei".
A Instrução Normativa do INSS n. 28, de 16 de maio de 2008 prevê requisitos para a autorização do desconto. Vejamos:
Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:
I - o empréstimo seja realizado com instituição financeira que tenha celebrado Convênio e/ou Acordo com o INSS/Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência - Dataprev, para esse fim;
II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e
III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.
(...)
De outra parte, importante frisar a obrigatoriedade da instituição financeira em observar os direitos básicos do consumidor, dentre eles do dever de informação, disposto no art. 6°, inc. III, do CDC, além de não executar ou contratar serviços sem autorização expressa do consumidor, sob pena de prática abusiva (ex vi art. 39, VI, do CDC).
Nesse contexto, conclui-se que o contrato por meio eletrônico é válido, desde que pautado na regra do art. 104 do CC, além de haver expressa ciência e autorização do consumidor quanto ao seu conteúdo.
In casu, não há nos autos prova inconteste da ciência inequívoca do autor quanto ao objeto da contratação, isso porque não demonstrou a negociação havida com o consumidor, não juntou prova das conversas ou do envio dos documentos, limitando-se a juntar o arquivo do...
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