Acórdão Nº 5002071-64.2020.8.24.0091 do Quinta Câmara de Direito Público, 23-02-2021

Número do processo5002071-64.2020.8.24.0091
Data23 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5002071-64.2020.8.24.0091/SC



RELATOR: Desembargador ARTUR JENICHEN FILHO


APELANTE: MICHELI LAUSCHNER MACHRY (IMPETRANTE) APELADO: PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOCIOECONÔMICOS (FEPESE),M (IMPETRADO) APELADO: FUNDAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SÓCIO ECONÔMICAS - FEPESE (INTERESSADO)


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de apelação interposto por Micheli Lauschner Machry contra sentença proferida pelo juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, assim relatada:
MICHELI LAUSCHNER MACHRY impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato administrativo atribuído ao PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOCIOECONÔMICAS - FEPESE requerendo "a concessão da medida liminar inaudita altera parts, visto que presentes os requisitos do fumus boni juris do direito líquido e certo, bem como o periculum in mora, para: a) anular as questões de n. 66, 68 e 88 das disciplinas de Direito Processual Penal e LEP da prova do Concurso Público para Agente Penitenciário do DEAP". Pugnou ainda pela "total procedência do mandamus, com a concessão definitiva da segurança e confirmação da liminar para: a) reconhecer a nulidade, nos termos das disciplinas do edital do concurso, das questões de n. 66, 68 e 88 das disciplinas de Direito Processual Penal e LEP, da prova do Concurso Público para Agente Penitenciário do DEAP, que trazem matéria não prevista no Edital e erros graves" (e.1.1).
O pedido de gratuidade da justiça feito pela impetrante e a liminar foram indeferidos (e.4 e e.17). Foi determinado o recolhimento da taxa de serviços judiciais, o que restou devidamente cumprido (e.14 e e.34).
Nas informações, a autoridade impetrada defendeu a legalidade do ato impugnado, bem assim que não seria dado ao Poder Judiciário rever os critérios adotados pela banca examinadora. Ressaltou não ter ocorrido qualquer vício na correção, razão pela qual postulou pela denegação da ordem (e.40).
O Ministério Públicou opinou pela denegação da ordem (e.45).
A impetrante renovou o pedido de concessão de gratuidade da justiça (e.33 e e.47).
Em arremate o douto magistrado a quo denegou a segurança pleiteada.
O apelante, em suas razões recursais, reiterou o pedido de anulação das questões n. 66, 68 e 88 da prova objetiva. Pugnou, ao fim, o provimento do recurso.
Contrarrazões no Evento n. 60.
O representante do Ministério Público, Procurador de Justiça Dr. ****

VOTO


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Acerca da temática, vale introduzir o entendimento geral desta Câmara acerca de anulações de questões em provas de concurso público:
1. Todo ato administrativo é passível de questionamento judicial: não há antecipado veto ao direito de ação (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Daí não se tira, porém, a aptidão do Poder Judiciário para se colocar na posição de administrador, como se fosse necessariamente mais sábio ou altruísta, censurando por mera valoração diferente do fato ou do direito as opções dos demais Poderes.
Além das lícitas escolhas que cabem notadamente ao Executivo no campo dos atos discricionários, há atos vinculados que não indicam antecipadamente uma solução unívoca, haja vista o emprego de conceitos juridicamente indeterminados.
A correção de uma prova de concurso público é missão administrativa. Não que exista potestatividade na outorga de notas. Trata-se de reconhecer que em campo sujeito a interpretações (notadamente em provas de concursos na área do direito) dificilmente se alcançarão respostas alheias a polêmicas.
Há necessidade de autocontenção do Judiciário, ou se trasladará para os tribunais a tarefa de fixação dos resultados em concursos públicos. Foi a posição assumida pelo STF, tal como se tornou notório.
Se é necessário impedir que assumamos a recorreção das provas (uma espécie de extensão da banca examinadora), fixando gabarito, identicamente se deve debitar à Administração a atribuição de conferir se as respostas estão rentes ao padrão previamente exposto.
A partir daí, existem fronteiras bem demarcadas em que a solução parece transparecer nítida pela necessidade de revisão. São situações nas quais a interpretação adotada pelo avaliador fuja de uma razoabilidade mínima, de um sentimento de justiça evidente. Outras, quando se verifica a cobrança de matéria não prevista na relação listada pelo edital, o qual, naturalmente, não ostenta papel figurativo e deve ser seguido na elaboração das provas.
Há, porém, casos em que não se pode afirmar que a banca tomou decisão manifestamente extravagante - aquelas deliberações desarrazoadas, que rumem para a teratologia. Nesses situações deve ser prestigiada a decisão encampada pela Administração. O ato administrativo, afinal, presume-se legítimo e não deve ser desacreditado como se fosse um obstáculo menor.
Essas, aliás, foram as bases firmadas pelo STF na repercussão geral conferida ao RE 632.853, de relatoria do Min. Gilmar Mendes. A tese fixada foi: "Os critérios adotados por banca examinadora de concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário". Os fundamentos, contudo, são melhores explicitados pelo teor dos votos, sinteticamente deduzido pelo Min. Fux (e que aparenta ter sido seguido pelos demais): "em todo caso, não compete ao Poder Judiciário interpretar a doutrina prevista no edital para avaliar o acerto das questões formuladas pela banca examinadora, reservando-se a anular questões evidentemente teratológicas ou flagrantemente incompatíveis com o conteúdo previsto no Edital".
A propósito, há de se obedecer estritamente à ideia que governou o julgamento realizado pelo STF. Não se pode, dito de outra forma, dizer que se está sendo rente àquela compreensão, mas simultaneamente criar tamanha abertura que vá de encontro à deliberação - à sua ratio decidendi, para usar de chavão.
Além disso, ao interferir em resultados de concurso fora dos estritos limites possíveis, não se estará apenas beneficiando um candidato, mas simultaneamente prejudicando outros.
There´s no such thing as a free lunch, notabilizou Milton Friedman. (A parábola leva em conta restaurantes que forneciam refeições gratuitas, mas salgadas. O lucro vinha da venda de bebidas!). Ao se prestigiar uma visão distinta, trazida a juízo por um candidato, estar-se-á simultaneamente prejudicando um outro, malgrado ele (o concorrente) tenha sido, sob os critérios de correção a todos aplicados, melhor posicionado no concurso.
Já decidimos assim nesta 5ª Câmara de Direito Público:
CONCURSO PÚBLICO - PROCURADOR DO ESTADO - PROVA OBJETIVA - ANULAÇÃO DE QUESTÃO - INVIABILIDADE - AUSÊNCIA DE FUGA DO EDITAL OU ERRO GROSSEIRO - LIMITES À ATUAÇÃO JUDICIAL - AUTOCONTENÇÃO.
Todo ato administrativo é passível de questionamento judicial: não há veto apriorístico ao direito de ação (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Daí não se tira, porém, a aptidão do Poder Judiciário para se colocar na posição de administrador, como se fosse necessariamente mais sábio ou altruísta, censurando por valoração diferente do fato ou do direito as opções dos demais Poderes.
Além das lícitas escolhas que cabem notadamente ao Executivo no campo dos atos discricionários, há atos vinculados que não indicam antecipadamente uma solução unívoca, haja vista o emprego de conceitos juridicamente indeterminados. A correção de uma prova de concurso público é missão administrativa. Não que exista potestatividade na outorga de notas. Trata-se de reconhecer que em campo sujeito a interpretações (notadamente em provas de concursos na área do direito) dificilmente se alcançarão respostas alheias a polêmicas.
Há necessidade de autocontenção do Judiciário, ou se trasladará para os tribunais a tarefa de fixação dos resultados dos certames. Foi a posição assumida pelo STF em repercussão geral, ainda que se possam ressalvar as avaliações quanto à fuga dos temas editalícios e os caminhos desarrazoados (que se aproximem da teratologia).
Se é necessário impedir que assumamos a recorreção das provas (uma espécie de extensão da banca examinadora), fixando gabarito, identicamente se deve debitar à Administração a atribuição de conferir se as respostas estão rentes ao padrão previamente exposto. "Não compete ao Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a eles atribuídas", disse o STF, não se podendo criar compreensão que se afaste da essência do julgado. Além disso, ao interferir em resultados de concurso fora dos estritos limites possíveis, não se estará apenas beneficiando um candidato, mas simultaneamente prejudicando outros.
No caso concreto, ainda que se possa fazer crítica à formulação do enunciado n. 40 da prova objetiva do concurso para o cargo de Procurador do Estado/2018, não se pode dizer que houve ali erro grosseiro, apto a permitir a intervenção judicial: a legitimidade dos prefeitos para o ajuizamento de ADI em face de lei estadual, ao contrário do afirmado pelo impetrante, não está categoricamente proclamada na assertiva - que até admite interpretação mais ampla e, por isso, impede censura à perspectiva trazida pela banca examinadora.
Pedido julgado improcedente. (MS 4002402-79.2019.8.24.0000, rel. o signatário)
Portanto, apenas vícios marcantes que apontem...

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