Acórdão Nº 5002092-48.2020.8.24.0056 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 23-06-2022

Número do processo5002092-48.2020.8.24.0056
Data23 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5002092-48.2020.8.24.0056/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: SIRLENE APARECIDA TELLES DE OLIVEIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

BANCO BMG S.A interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Gabriel Marcon Dalponte, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta por SIRLENE APARECIDA TELLES DE OLIVEIRA, em curso perante o juízo da Vara Única da Comarca de Santa Cecília, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

SIRLENE APARECIDA TELLES DE OLIVEIRA propôs ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e inexistência de débito com pedido de tutela de urgência, cumulada com restituição de valores em dobro e indenização por dano moral, contra o BANCO BMG S.A.

Alegou, em síntese, que firmou com o réu contrato de empréstimo consignado, sendo que o respectivo pagamento seria realizado mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Contudo, após a contratação, tomou conhecimento de que os descontos que estavam sendo realizados a título de "reserva de margem consignável (RMC)" referiam-se a um cartão de crédito, o qual sequer foi encaminhado para seu endereço. Informou que tal desconto somente serve para saldar encargos financeiros, sem nunca amortizar o valor principal da dívida, não havendo previsão para o fim dos descontos. Disse que jamais quis contratar cartão de crédito e que foi induzida a erro pelo réu, que a fez contratar um cartão de crédito acreditando ser um simples empréstimo, assumindo uma dívida impagável a juros elevados, sendo os descontos de reserva de margem consignável (RMC) nulos. Requereu a restituição em dobro tais valores além da condenação do réu ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela para que sejam cessados os descontos mensais indevidos de seu benefício. Valorou a causa e juntou documentos.

A parte acionada, em contestação, refutou os argumentos deduzidos na petição inicial, aduzindo que o negócio havido entre as partes é juridicamente válido. Disse que a autora utilizou o cartão de crédito e efetuou saques. Informou que autora contratou de forma livre e consciente o cartão de crédito, assinando inclusive os respectivos instrumentos contratuais, não havendo o que se falar em vício de vontade, visto que os descontos da reserva de margem consignável (RMC) consistem em exercício regular de direito, não procedendo os pedidos formulados pela autora. Por fim, requereu, por não estar caracterizada sua má-fé, que seja afastada a hipótese de repetição em dobro dos descontos supostamente indébitos e seja julgada totalmente improcedente a presente demanda. Subsidiariamente, pugnou, pela compensação dos valores liberados a parte autora, a conversão do uso do cartão para empréstimo consignado ou outra forma de pagamento (Evento 7).

A decisão do evento 11 deferiu o pedido de antecipação de tutela.

Houve réplica (evento 19).

Após o regular trâmite, os autos vieram conclusos.

Fundamento e decido.

Julgo o processo antecipadamente, porquanto contém substrato probatório suficiente para a formação do convencimento do juízo acerca da matéria, consoante art. 355, I, do CPC.

Notadamente, a controvérsia pode ser equacionada lidimamente mediante a análise do substrato documental coligido aos autos, de acordo com a legislação vigente e sem olvidar do debate intelectual deduzido nas peças processuais apresentadas pelas partes. Trata-se de tema preponderantemente de direito, que dispensa a produção de prova oral em audiência ou mesmo a realização de exame pericial, de modo a justificar o imediato ingresso no mérito da causa.

Quanto ao preceito legal invocado, Nelson Nery Junior leciona que "o dispositivo sob análise autoriza o juiz a julgar o mérito de forma antecipada, quando a matéria foi unicamente de direito, ou seja, quando não houver necessidade de fazer-se prova em audiência. Mesmo quando a matéria objeto da causa for de fato, o julgamento antecipado é permitido se o fato for daqueles que não precisam ser provados em audiência, como, por exemplo, os notórios, os incontroversos etc" (In Código de Processo Civil Comentado. 10 ed. São Paulo: RT, 2008. p. 600).

Quanto à prefacial de julgamento paradigma, sobreleva esclarecer, de antemão, que, embora não se desconheça o precedente da Turma de Uniformização Recursal, tal julgado vincula apenas os feitos que tramitam sob o rito do Juizado Especial, o que não ocorre no caso sob exame.

No que se refere à inépcia da inicial, constato que a narrativa vestibular é clara ao estabelecer que a pretensão se funda vício de vontade do consumidor, levado a crer que celebraria um empréstimo consignado quando, na verdade, pactuava um cartão com margem consignável. Não há, portanto, qualquer incoerência na peça, visto que a existência do contrato não se mistura com o plano de sua validade, essa sim questionada em juízo. Logo, da narrativa dos fatos decorre logicamente a conclusão.

Passo a análise do mérito

O caso deve ser analisado à luz do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que tanto a parte demandante como a demandada se enquadram nos conceitos dos artigos 2º e 3º do referido diploma legal.

Nessa toada, é direito básico do consumidor, insculpido no artigo 6º, inciso III, da Lei nº 8.078/90, "a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem".

Na espécie, o desconto objeto do litígio, denominado "Reserva de Margem Consignável" (RMC), encontra respaldo legal na Lei n. 10.820/2003, alterada pela Lei n. 13.172/2015, que assim dispõe:

Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º desta Lei, bem como autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 13.172/2015)

[...] §5º Os descontos e as retenções mencionados no caput deste artigo não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:

a) a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou

b) a utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito; (Redação dada pela Lei 13.172/2015).

Com efeito, a previsão desta modalidade de contratação surgiu com a edição da Medida Provisória 681/2015, em julho de 2015 - convertida na Lei n. 13.172/2015. Então, a autarquia previdenciária editou a Instrução Normativa INSS/PRES nº. 80/2015, que alterou a Instrução Normativa INSS/PRES nº. 28/2008, regulamentando a possibilidade de reserva de até 5% da margem consignável, sob a rubrica RMC, para operações de crédito, observado o limite de 35% (anteriormente de 30%).

Diante da previsão legal destacada, acrescentou-se 5% ao percentual consignável em benefícios previdenciários, com a finalidade de amortização de débitos contraídos via cartão de crédito e/ou retiradas de valores mediante utilização destes. Tem-se, portanto, que o consumidor passou a dispor de mais 5% de margem consignável.

A respeito do tema, esclarece a jurisprudência: "não é por outra razão que com a edição da medida provisória acima citada, posteriormente convertida em Lei, teve o governo, presume-se, a finalidade de reduzir o endividamento da população de baixa renda, aqui incluídos os aposentados e pensionistas que recebem menos de dois salários mínimos, que, incentivada ao consumo por meio dos empréstimos consignados, passava agora a ter acesso a uma nova forma de crédito via 'cartão de crédito'".

Nesses termos, extrai-se da legislação que a contratação, em tese, é legítima.

No caso posto, a parte autora alegou ter sido induzida a erro pela parte ré, tendo em conta que acreditou estar contratando empréstimo consignado quando, na verdade, estava contratando um cartão de crédito na modalidade "reserva de margem consignável (RMC)", cujos descontos efetuados em seu benefício, em vez de servirem para amortização da dívida, destinaram-se unicamente para saldar os juros do empréstimo.

Em contestação, a parte ré réu afirmou que a parte autora, por intermédio do contrato celebrado entre as partes, contratou expressamente um cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

No tocante à nulidade da contratação do cartão de crédito e dos respectivos descontos de reserva de margem consignável (RMC), dispõem os arts. 46 e 47 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Pois bem, é incontroverso que as partes firmaram contrato, sendo controversa a modalidade da contratação. De um lado, a parte autora sustentou ter procurado a parte ré para obtenção de empréstimo consignado tradicional. De outro, a parte ré defendeu que a parte autora tinha ciência da modalidade contratada, vez que o contrato é plenamente compreensível, pois a operação é denominada de "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Emitido pelo Banco BMG S.A e Autorização para desconto em Folha de Pagamento". Defendeu a parte autora, contudo, jamais ter...

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