Acórdão Nº 5002104-49.2020.8.24.0125 do Segunda Câmara Criminal, 20-10-2020

Número do processo5002104-49.2020.8.24.0125
Data20 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 5002104-49.2020.8.24.0125/SC



RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL


APELANTE: MARCOS ROGERIO DA SILVA (RÉU) ADVOGADO: JULIANO VIANA MAIA (OAB SC026033) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Itapema, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Marcos Rogério da Silva, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, em razão dos fatos assim descritos (Evento n. 1):
[...] Em 23 de março de 2020, por volta das 20 horas e 22 minutos, durante patrulhamento rotineiro nas proximidades da Avenida Nereu Ramos, n. 544, bairro Centro, em Itapema, Policiais Militares visualizaram o denunciado MARCOS ROGÉRIO DA SILVA a bordo de uma bicicleta, em atitude suspeita, o qual demonstrou nervosismo ante a aproximação da guarnição.
Nas circunstâncias de tempo e local mencionadas, após interromperem a tentativa de fuga, em busca pessoal, os agentes públicos localizaram "4 (quatro) porções de cocaína, no peso integral de 19g" (boletim de ocorrência de fl. 5 e auto de exibição e apreensão de fl. 6 Evento 1), que MARCOS ROGÉRIO DA SILVA transportava e trazia consigo, em seu bolso, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Portaria n. 344, de 12.05.1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, enquadradas na Lista F1 - Lista das Substâncias Entorpecentes de uso proscrito no Brasil).
Na sequência, a guarnição da Polícia Militar se deslocou até a residência de MARCOS ROGÉRIO DA SILVA, localizada na Rua 145, n. 23, ap. 101, bairro Centro, nesta cidade, onde apreenderam mais "5g de MDMA; e 140g de cocaína (32 porções)" (auto de constatação provisório de fl. 7 Evento 1), drogas que o denunciado tinha em depósito e guardava, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Ainda, na residência do denunciado houve a apreensão de materiais e instrumentos utilizados na comercialização de entorpecentes, dentre outros de origem duvidosa, especificamente: "1 (uma) balança de cor prata; 1 (um) caderno de cor verde com anotações de tráfico; 1 (uma) máquina de cartão de crédito; 2 (duas) caixas de som, marca JBL; 2 (dois) rádios comunicadores; 1 (um) celular, marca Motorola, modelo MotoG7; 2 (dois) celulares de marca Samsung; 2 (dois) celulares de marca LG; 1 (um) relógio de cor prata; 1 (um) prato com resquícios de cocaína; 2 (dois) notebooks de marca Acer; e a quantia de R$4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais)" (auto de exibição e apreensão de fl. 7 - Evento 1). [...]
Encerrada a instrução, foi julgada procedente a Exordial para condenar Marcos Rogério da Silva à pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, e à pena de multa de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias multa, na fração de 1/30 do salário mínimo vigente na data dos fatos, pelo cometimento do crime tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06.
Inconformada, a Defesa interpôs Recurso de Apelação, em cujas Razões (Evento n. 10 - segundo grau) pleiteia, preliminarmente, pelo reconhecimento de nulidade do feito por ilegalidade na produção da prova, uma vez que decorrente de violação de domicílio (art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal).
No mérito, busca a absolvição por ausência de provas, com o reconhecimento do princípio do in dubio pro reo. Alternativamente, pugna pela desclassificação do delito de tráfico de entorpecentes para aquele previsto no art. 28, da Lei n. 11.343/06 e a aplicação da causa especial de diminuição prevista no §4°, do artigo 33, da Lei n. 11.343/06, em seu grau máximo.
Apresentadas as Contrarrazões (Evento n. 13 - segundo grau), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Odil José Cota, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do Apelo (Evento n. 16 - segundo grau).
Este é o relatório

VOTO


O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.
Da preliminar
O Apelante alega nulidade do feito por ilegalidade na produção da prova, uma vez que decorrente de violação de domicílio. Contudo, razão não lhe assiste.
Compulsando os autos, verifica-se que os Policiais estavam em rondas no local e abordaram o Apelante, oportunidade em que realizaram a revista pessoal localizaram quatro porções de cocaína (19g), tendo ele afirmado que teria mais entorpecentes em sua residência
Em razão dessa informação, os Agentes Públicos procederam as buscas na residência do Apelante que guardava e mantinha em depósito 5g de MDMA e 140g de cocaína, fracionadas em 32 porções, R$4.500,00, além de uma balança de precisão, máquina de cartão de créditos e outros petrechos relacionados com o tráfico ilícito de entorpecentes.
Infere-se que durante a ação os policiais efetuaram buscas no local, em que pese não possuírem o Mandado competente.
Diante das circunstâncias, Marcos Rogério da Silva foi conduzido até a Delegacia de Polícia e na oportunidade a Autoridade Policial lavrou o Auto de Prisão em Flagrante.
É de se destacar que inexistem inconsistências nos depoimentos prestados pelos Policiais, os quais apresentam harmonia entre si e com o colhido na instrução. Aliás, não existem motivos para derruir a presunção de veracidade de seus testemunhos, inclusive, porquanto apresentados sob o crivo do contraditório.
Ainda, o fato de os policiais não terem realizado investigação prévia, campana e oitiva de testemunhas para corroborar a versão por eles apresentada, não encontra nenhuma mácula.
Vale ressaltar, que é dispensável a solicitação de Mandado Judicial em casos de crime de natureza permanente, pois o estado de flagrância se prolonga enquanto não cessar a permanência.
Ademais, a realização de um cerco na casa e a espera pela emissão do competente mandado possivelmente frustraria a ação dos policiais, uma vez que o material ilícito poderia ser dispensado.
Verifica-se, também, que os agentes policiais ao identificar uma situação de flagrante delito, tem o dever de agir, conforme art. 301, do Código de Processo Penal.
Assim, observa-se que foram realizadas e produzidas as provas necessárias e possíveis para o deslinde do feito.
Nesse aspecto, cumpre esclarecer que não há nulidade nas diligências dos Policiais, uma vez que havia provas da realização de crime de tráfico de entorpecentes pelo Apelante, conduta que é de natureza permanente, prolongando-se o estado de flagrância enquanto não cessar sua permanência, conforme art. 303 do Código de Processo Penal, sendo desnecessário o competente Mandado.
A propósito, a busca domiciliar ou pessoal será procedida quando fundadas razões autorizarem, conforme art. 240, §1º, do Código de Processo Penal, como no caso em análise, visto que o Apelante foi preso em flagrante pela prática do delito de tráfico de entorpecentes.
Sobre o tema, leciona Renato Brasileiro de Lima:
Prisão em flagrante em crime permanente: crime permanente é aquele cuja consumação, pela natureza do bem jurídico ofendido, pode protrair-se no tempo, detendo o agente o poder de fazer cessar o estado antijurídico por ele realizado [...] a Constituição Federal autoriza a violação ao domicílio mesmo sem prévia autorização judicial (art. 5º, XI) (in Código penal comentado. 2 ed. Salvador: Juspodium, 217, p. 839).
A respeito do assunto, destaca-se desta Câmara, a Apelação Criminal n. 0001482-24.2017.8.24.0040, de Laguna, de Relatoria do Desembargador Volnei Celso Tomazini, julgado em 11-09-2018:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 12, CAPUT, DA LEI N° 10.826/2003). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. PRELIMINARES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA QUE DESCREVEU SUFICIENTEMENTE AS CONDUTAS DELITIVAS, A PERMITIR O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ATENDIDOS. ADEMAIS, RECONHECIMENTO DA PRECLUSÃO QUE SE IMPÕE. PRELIMINAR NÃO ACOLHIDA. SUSCITADA A NULIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS MEDIANTE DENÚNCIA ANÔNIMA E INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE A AUTORIDADE POLICIAL INICIAR A PERSECUTIO CRIMINIS A PARTIR DE DENÚNCIAS ANÔNIMAS. ADEMAIS, CRIME PERMANENTE, CUJO ESTADO DE FLAGRÂNCIA PROTRAI-SE NO TEMPO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 5º, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TESE RECHAÇADA. MÉRITO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO EM RELAÇÃO A UM DOS RÉUS. ACOLHIMENTO. RÉU QUE NÃO RESIDIA NO LOCAL ONDE A ARMA FOI ENCONTRADA. CORRÉU QUE ESTAVA TRABALHANDO NO LOCAL E CONFESSOU A PROPRIEDADE DO ARTEFATO. DÚVIDA QUE SE RESOLVE EM FAVOR DO RÉU. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. POR OUTRO LADO, INVIABILIDADE DE ABSOLVIÇÃO DO CORRÉU. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. CORRÉU QUE MANTINHA SOB SUA GUARDA UM REVÓLVER CALIBRE .32. CONFISSÃO ALIADA AOS DEMAIS ELEMENTOS PROBANTES QUE EVIDENCIAM A PRÁTICA DELITIVA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA PENA. REPERCUSSÃO GERAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA QUE PERMITE O IMEDIATO CUMPRIMENTO DA REPRIMENDA. DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (grifo acrescido)
Assim, não há falar em ilicitude na coleta das provas, que embasaram a condenação do Apelante, pelo que se afasta a preliminar.
Do mérito
O Apelante busca a absolvição por insuficiência probatória, com o reconhecimento do princípio do in dubio pro reo. Alternativamente, pugna pela desclassificação do delito de tráfico de entorpecentes para aquele previsto no art. 28, da Lei n. 11.343/06. Contudo, razão não lhe assiste.
A materialidade e autoria restaram comprovadas por meio do Auto de Prisão em Flagrante (Evento 1, P_FLAGRANTE1, Página 2 dos autos n. 5002024-85.2020.8.24.0125), Boletim de Ocorrência (Evento 1, P_FLAGRANTE1, Página3-5 dos autos n. 5002024-85.2020.8.24.0125), Auto de Exibição e Apreensão (Evento 1,...

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