Acórdão Nº 5002112-76.2021.8.24.0000 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 06-10-2022

Número do processo5002112-76.2021.8.24.0000
Data06 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5002112-76.2021.8.24.0000/SC

RELATORA: Desembargadora SORAYA NUNES LINS

AGRAVANTE: BANCO BRADESCO S.A. AGRAVADO: TEIXEIRA TEXTIL INDUSTRIA E COMERCIO DE TECIDOS E SACARIAS LTDA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Banco Bradesco S.A. contra decisão proferida nos autos da Recuperação Judicial n. 5000281-48.2019.8.24.0166 ajuizada por Teixeira Têxtil Indústria e Comércio de Tecidos e Sacarias Ltda., a qual homologou o plano aprovado pela Assembleia Geral de Credores e concedeu, in verbis, "à empresa TEIXEIRA TEXTIL INDUSTRIA E COMERCIO DE TECIDOS E SACARIAS LTDA a recuperação judicial, nos exatos termos do plano de recuperação judicial e termo modificativo apresentados" (processo 5000281-48.2019.8.24.0166/SC, evento 336, DOC1).

Em suas razões, o recorrente principiou por expor que o referido plano estabeleceu a proporção de 98,55% na classe trabalhista, 100% na classe garantia real, 70,61% e 87,50% na classe quirografária, e 100% na classe Me e EPP.

Prosseguiu dizendo que rejeitou o PRJ, Anexo 4 (evento 318), e que, embora defeso ao juízo a análise da viabilidade econômica do plano de pagamento, o prolator do ato judicial não observou algumas condições que seriam de crucial importância no que tange à legalidade das condições de pagamento.

Escreveu que:

Conforme estabelecido no PRJ, a classe na qual está habilitado o crédito do agravante receberá seu crédito nas seguintes condições: (i) deságio de 60% sobre o valor nominal, atualizado pela Taxa Referencial e juros de 3% ao ano, (ii) prazo total de carência de 18 meses (a contar da decisão de homologação do PRJ), e (iii) periodicidade de pagamento mensal, com fluxo invertido, totalizando o prazo total de pagamento de quase 17 anos, se computados o prazo de carência e os 15 anos estipulados para pagamento. Em que pese o caráter negocial da proposta de pagamento lançada no PRJ e a sua aprovação por maioria, não se pode afastar a análise quanto à ilegalidade dos seus termos. O deságio aplicado trata de cláusula abusiva, visto que atinge não apenas os encargos lançados até a data do pedido de recuperação, mas também o principal, o que extrapola o direito do devedor e prejudica o credor além do necessário e do já autorizado pela Lei n.º 11.101/05. Impor um deságio nesse percentual demonstra, antes de tudo, o enriquecimento ilícito por parte das recuperandas, uma vez que, à época da contratação, foram beneficiadas com o valor contratado nas operações firmadas de forma integral e dele fizeram uso para gerir as atividades empresariais. E, no entanto, agora, o agravante receberá uma moratória de dezoito anos, se contado o tempo transcorrido desde o pedido de Recuperação Judicial (deferido em 13/08/2019 - ou seja, já transcorrido um ano e meio), o prazo de carência aplicado (de mais um ano e meio), e prazo total de pagamento (parcelas mensais em quinze anos), para receber menos de 50% do crédito, cuja correção aplicada não irá remunerar suficientemente o crédito habilitado.

Os créditos serão atualizados e remunerados pela Taxa Referencial - TR, acrescidos de juros de 3% ao ano. Ocorre que a TR desde 2018 tem se mantido estável, no percentual de 0%. Ora, tal condição não atualiza o valor do crédito e configura verdadeira má-fé. É preciso refletir que a correção monetária não se trata de um benefício, mas, sim, da própria dívida em sua expressão atualizada, como refere a doutrina de Ada Pellegrini Gronover no texto "A correção monetária e a Lei 6.899/81" (In. A correção monetária no direito brasileiro. Coord. Gilberto de Ulhôa Canto e Ives Gandra da Silva Martins, Saraiva, São Paulo, 1983, p.321), ao passo que os juros refletem a remuneração do capital em razão da novação das obrigações, mas, contudo, sem desprezar a correção monetária. Ora, a aplicação da taxa referencial em 0% corresponde à ausência de correção monetária, o que não pode ser admitido, ainda que posteriormente o percentual seja alterado pelo mercado, tendo em vista que no momento da homologação a ilegalidade é patente.

[...].

Por sua vez o fluxo invertido de pagamento igualmente prejudica a real remuneração do credor e, antes de qualquer outra coisa, sinaliza a dificuldade de pagamento pela recuperanda por meio de seu fluxo de caixa.

Os pagamentos iniciam em 2% sobre o montante novado, ou seja, sobre os 40% do valor da dívida, considerando o deságio de 60% aplicado, do primeiro ao terceiro ano, 4% do quarto ao sexto ano, 6% nos sétimo e oitavo anos, 8% nos nono e décimo anos, 10% do décimo primeiro ao décimo terceiro ano, e terminam em 12% nos décimo quarto e décimo quinto anos. Ora, a disposição de pagamento a longo prazo, iniciando por percentuais menores, além de não remunerar suficientemente o crédito, demonstra a dificuldade de superação da crise econômica pela recuperanda e estabelece uma projeção insegura ao longo tempo, posto que, caso a empresa não consiga cumprir com o pagamento e tenha o procedimento de recuperação judicial convertido em falência, terá adimplido muito pouco da dívida no período, e possivelmente, dada a ordem de pagamentos na falência, não terá seu crédito quitado.

É fundamental que a recuperação da crise que se estabeleça um fluxo gradual para pagamentos, adimplindo com boa parte da dívida no início, a fim de imprimir segurança ao procedimento e manter o fomento da atividade por esses mesmos credores.

Caso contrário, o sucesso da recuperação ficará visivelmente comprometido. Além disso, o período de carência imposto aos credores de 18 meses abarca o período de tramitação da ação de dois anos após a homologação do PRJ, conforme artigo 61 da Lei. Ora, o legislador, com a inclusão do dispositivo em comento, buscou proteger o período de início dos pagamentos, não podendo o devedor desconhecer, ou não observar, esse critério. Tendo a Lei previsto prazo para encerramento da recuperação judicial e visto que constitui este em período que o legislador julgou suficiente para acompanhamento pelo Poder Judiciário do pagamento das dívidas, não há que se falar em proposta que dê início aos pagamentos quando já transcorrido parte desse período, ainda que haja possibilidade de pedido de falência por meio de demanda individualizada. Verifica-se a forma abusiva como as recuperandas tentam se utilizar desse prazo no plano de recuperação, o que indica mais uma vez a má-fé com que foi tratado tão louvável instituto.

Importante destacar que a alteração da Lei n.º 11.101/05, promovida pela Lei n.º 14.112/2020, refere que a tramitação da ação poderá ser por tempo menor ao biênio legal se o juiz considerar conveniente para a situação específica, mesmo que tenha sido estipulado prazo de carência. No entanto, o afastamento do prazo trata de exceção e deverá ter sua aplicação justificada - o que não é o caso! Nessa toada, o prolongado prazo para pagamento em parcelas com fluxo invertido durante quinze anos, indica que o Judiciário fará o acompanhamento apenas nos últimos seis meses de pagamento, posto que após esse período terá encerrado a recuperação judicial, o que se constitui em período insuficiente para que se perfectibilize o adimplemento substancial dos créditos, ainda que...

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