Acórdão Nº 5002122-89.2020.8.24.0054 do Quarta Câmara de Direito Civil, 13-04-2023

Número do processo5002122-89.2020.8.24.0054
Data13 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5002122-89.2020.8.24.0054/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO


APELANTE: DIEGO HANG (AUTOR) APELADO: CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. (RÉU)


RELATÓRIO


Em atenção aos princípios da economia e da celeridade processual, adoto o relatório da sentença [evento 64 - EPROC1] por retratar com fidedignidade a tramitação da ação naquela instância:
" A parte autora demandou a Celesc Distribuição S/A sustentando ser produtora de fumo e que, nos períodos indicados na inicial, teria havido interrupção do serviço de fornecimento de energia elétrica, cujo resultado foi a perda/redução da qualidade do produto armazenado na estufa. Imputou responsabilidade objetiva à ré, uma vez que teria apresentado falha na prestação do serviço e finalizou requerendo sua condenação ao pagamento de indenização por danos materiais.
Citada, a ré apresentou contestação refutando as alegações articuladas na petição inicial; defendeu a ocorrência de caso fortuito e força maior, bem como a veracidade das informações contidas nos documentos por ela expedidos; asseverou ser dever do consumidor mitigar os riscos do prejuízo e impugnou o pedido de indenização por ausência de prova.
Houve réplica.
Na sequência deferiu-se a realização de diligências sobre as quais as partes apresentaram manifestação, além da produção da prova oral".
Sentenciando, o Togado de primeiro grau, entendendo que o produtor deve manter um gerador a fim de evitar a perda do fumo dentro das 24 horas a partir da interrupção, e não tendo no caso, sido ultrapassado referido tempo, sem energia elétrica, julgou improcedentes os pedidos, nos seguintes termos:
"Embora os referidos julgados concluam pela repartição de culpas entre o postulante e a concessionária - tese com a qual este Juízo não compactua, vale ressaltar -, seus fundamentos firmam clara posição no sentido da necessidade de o produtor manter um gerador a fim de evitar a perda do fumo dentro das 24 horas a partir da interrupção.
No caso concreto, de acordo com a exordial, o fornecimento de energia elétrica cessou em 1.12.2019, das 3h50min até as 8h45min, e em 10.1.2020, das 20h00min até as 9h30min. do dia seguinte.
Tais períodos, portanto, não suplantaram 24 horas, de modo que, pelas razões já declinadas, a parte autora não faz jus à reparação pretendida.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo o processo na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Arca a parte autora com as custas e despesas processuais. Arbitro em favor da ré honorários advocatícios de 15% sobre o valor da causa, observados os critérios do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Ressalvo que a exigibilidade dos encargos de sucumbência fica suspensa em relação à parte autora, porquanto beneficiária da gratuidade".
Inconformado o Requerente interpôs Recurso de Apelação [evento 76- EPROC1], alegando em síntese que: a) a Apelada não forneceu de forma regular e contínua a energia elétrica para a secagem do fumo, caracterizando negligência; b) a sentença comete enorme injustiça ao imputar a responsabilidade pelos prejuízos ao fumicultor/apelante por não ter adquirido um equipamento alternativo de gerador de energia, e mais ainda quando lança-se dúvidas quanto a sua idoneidade por assim não o fazê-lo; c) destoa da realidade fática ao relatar-se que os prejuízos na qualidade do tabaco somente ocorrem quando há interrupção no fornecimento de energia por mais de 24 horas, pois a própria apelada e os estudos técnicos atestam que isto acontece já com duas horas sem energia elétrica; d) por se tratar de responsabilidade objetiva, responde, a Requerida, pelo prejuízo experimentado pelo consumidor independentemente do atendimento; e) a própria apelada confirmou que houve a interrupção nos dias elencados na inicial; f) o ato ilícito não se deu por culpa do apelante ou de terceiro, ou por caso fortuito ou ainda por força maior; g) os danos materiais sofridos pelo apelante/fumicultor/consumidor advindos da queda abrupta de energia elétrica estão diretamente relacionados à conduta omissiva da concessionária, a qual possui a obrigação legal de fornecer eletricidade de maneira adequada, eficaz e contínua, atentando-se, ainda, a eventuais fatores internos e externos aptos a influenciar na estabilidade da rede elétrica, de forma a evitar quaisquer interferências ou falha no seu fornecimento; h) a concessionária, ora apelada, não apresentou contraprova apta a desconstituir o laudo pericial amealhado aos autos.
Ao final, pugnou pela reforma da sentença a fim de julgar procedente a ação, condenando a Requerida ao pagamento de R$ 45.556,30 (quarenta e cinco mil e quinhentos e cinquenta e seis reais e trinta centavos), referente ao prejuízo material.
Contrarrazões [evento 83 - EPROC1].
Os autos, então, vieram-me conclusos.
Este é o relatório

VOTO


Ab initio, sobreleva consignar que a sentença objurgada e sua publicação ocorreram sob a vigência do Diploma Processual Civil de 2015, atraindo, portanto, a aplicação do Enunciado Administrativo n. 3 da Corte da Cidadania à hipótese em análise, in verbis:
"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".
O recurso de apelação interposto é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, ficando a parte recorrente dispensada do recolhimento do preparo por ser beneficiária da justiça gratuita, razão pela qual defiro o seu processamento.
Insurge-se o Requerente contra a sentença que não reconheceu a ocorrência de falha na prestação do serviço da Celesc, afastando a responsabilidade da mesma em relação aos danos materiais sofridos em decorrência da interrupção no fornecimento de energia elétrica nos dias 01.12.2019 das 03h:50min até as 08h:45min; 10.01.2020 das 20h:00min até as 09h:30min do dia 11.01.2020, fato que afirma o demandante ter causado prejuízos à sua atividade fumicultora, haja vista que o tabaco se encontrava em processo de secagem nas estufas à época da queda de energia.
Segundo aduz o Requerente, a prova documental é hábil a comprovar a ocorrência de interrupção de energia elétrica e os danos.
Pois bem.
Incialmente destaca-se a relação de consumo existente entre as partes, atraindo a celeuma em comento para si a imperiosa observância dos preceitos da legislação consumerista, a evitar-se, dessa feita, o surgimento de desequilíbrio em desabono do Requerente, porquanto manifesta a sua condição de vulnerabilidade.
Nesse vértice, a respeito especificamente das concessionárias de serviço público, o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor preconiza:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Em complemento, o caput do artigo 14 da referida Lei assim estabelece:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Como se vê, na sistemática do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil da concessionária de serviço público - in casu, de fornecimento de energia elétrica - e o consequente dever de indenizar pressupõem a existência do ato ilícito, do dano e do nexo de causalidade entre ambos, independentemente da existência de culpa.
Nesse viés, preconiza, a legislação consumerista, ser objetiva a responsabilidade civil aplicável ao caso.
Aliás, tratando-se a Apelada de concessionária de serviço público, há de ser igualmente considerada a norma insculpida no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, segundo qual estabelece:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Vê-se, portanto que "para a caracterização da responsabilidade civil objetiva, afeta à atividade prestada por pessoa jurídica de direito privado, concessionária de serviços públicos essenciais, como o caso da Celesc, depende necessariamente da comprovação do dano e do nexo de causalidade" (TJSC, Apelação Cível n. 0026386-24.2010.8.24.0018, de Chapecó, rel....

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