Acórdão Nº 5002129-29.2021.8.24.0060 do Quarta Câmara Criminal, 28-04-2022

Número do processo5002129-29.2021.8.24.0060
Data28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5002129-29.2021.8.24.0060/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

RECORRENTE: JEAN CARLOS SUTIL GASPERIN (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo acusado Jean Carlos Sutil Gasperin, inconformado com a decisão (Evento 221) proferida pelo Juízo da Vara Única da comarca de São Domingos, que, nos autos da ação penal n. 5002129-29.2021.8.24.0060, julgou admissível, no sumário da culpa, a pretensão acusatória materializada pela denúncia e, assim, o pronunciou a julgamento perante o Tribunal do Júri, pelas seguintes infrações penais: (i) uma vez pelo art. 121, § 2º, incs. III e IV do Código Penal; (ii) uma vez pelo art. 121, § 2º, incs. III, IV e VI, e § 2º-A, inc. I do Código Penal; (iii) duas vezes pelo art. 121, § 2º, incs. III e IV, e § 4º do Código Penal; (iv) quatro vezes pelo art. 211 do Código Penal; e (v) uma vez pelo art. 250, § 1º, inc. II, "a", do Código Penal.

Em suma, o recorrente, por meio de seu defensor constituído, argumentou o seguinte nas razões do presente recurso: [a] "como imputar ao recorrente à autoria de um delito, se nem mesmo as provas coletadas em juízo conseguem esclarecer qual a participação do mesmo nos fatos delituosos. Existem apenas parcos indícios, o que não pode embasar uma Sentença de Pronúncia, mesmo que essa seja mero juízo de admissibilidade"; [b] "conforme se pode observar nos depoimentos das testemunhas de acusação, observa-se que nenhuma confirma ser o recorrente o autor dos fatos narrados na denúncia, bem como só ouviram falar por terceiro que este teria sido o responsável pelo crime"; [c] "a própria família da vítima sequer conhece o recorrente. Bem como a testemunha protegida afirma que só soube dos fatos por terceira pessoa, que nunca conversou com o recorrente sobre o referido crime, ou seja, somente ouviu boatos do ocorrido, mas não presenciou os fatos e nem obteve tal relato dos acusados"; [d] "é notório que não há provas que o recorrente é o responsável pela morte das vítimas, portanto, não há como submetê-lo a julgamento perante o Egrégio Tribunal do Júri, posto que, de todo o processado, não se observa provas mínimas de autoria"; [e] "devido a irregular pronúncia, caso a mesma venha a ser mantida dor Essas Egrégia Câmara Criminal, o recorrente Jean Carlos Sutil Gasperin, requer-se a concessão do direito de aguardar o Julgamento Perante o Tribunal do Júri em Liberdade, ante ao fato de não existir mais pressupostos indicados no artigo 312 do Código de Processo Penal, bem como não há necessidade de manter a prisão preventiva"; [f] "não há nos autos qualquer fato ou elemento concreto a indicar e justificar a necessidade da prisão preventiva sob esse prisma. Basta rápida e superficial leitura do decreto e da decisão que manteve a prisão para perceber o ilhado subjetivismo que o sustenta, eis que não há demonstração baseada em dados concretos do alegado abalo a ordem pública, o que não pode ser presumido através de um amontoado de citações de precedentes que nada tem a ver com o caso concreto".

Concluiu requerendo o provimento do recurso, objetivando: "a) Seja o presente recurso julgado procedente, a fim de impronunciar o recorrente jean carlos sutil gasperin, do delito Homicídio Qualificado, previsto nos artigo 121, § 2º, incisos III e IV, e § 4º (o parágrafo 4º aplica-se apenas em relação às vítimas crianças Maria Eduarda Alves Rodigueri e João Vitor Alves Rodigueri), do Código Penal, por quatro vezes; artigo 250, §1º, inciso II, "a", do Código Penal; e artigo 211, caput, do Código Penal, por quatro vezes, todos na forma do artigo 69 do Código Penal, ante a total falta de provas da sua participação, não restado demonstrado nos autos sua culpabilidade; b) Por derradeiro, requer, seja deferido ao recorrente Jean Carlos Sutil Gasperin o benefício da liberdade provisória, para que o mesmo possa aguardar o Julgamento Pelo Egrégio Tribunal do Júri em liberdade, pelos argumentos acima expostos, em conformidade com o artigo 413, §3º do código de processo penal, por ser esta a única forma clara de justiça, expedindo-se Alvará de Soltura, comprometendo-se o recorrente a comparecer a todos os atos do processo, como Medida de Justiça; c) Se assim, não for Vossos Entendimentos, requer seja aplicada outra medida, das previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, que não seja a prisão cautelar (prisão domiciliar com monitoramento eletrônico)" (Evento 238).

Com as contrarrazões (Evento 242), e mantida a decisão impugnada por seus fundamentos em atenção ao preconizado no art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 232), os autos ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, que se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso (Evento 11 - promoção 1).

VOTO

O recurso em sentido estrito concentra as condições objetivas (cabimento, adequação, tempestividade e inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito recursal) e as subjetivas (interesse jurídico e legitimidade) de admissibilidade, motivo por que deve ser conhecido.

Como visto dos autos, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por meio da Promotoria de Justiça da comarca de São Domingos, ofereceu denúncia contra JEAN CARLOS SUTIL GASPERIN, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 121, § 2º, incs. III e IV, e § 4º (o parágrafo 4º aplica-se apenas em relação às vítimas crianças Maria Eduarda Alves Rodigheri e João Vitor Alves Rodigheri), do Código Penal, por quatro vezes; no art. 250, § 1º, inc. II, "a", do Código Penal; e no art. 211, "caput", do Código Penal, por quatro vezes, todos na forma do art. 69 do Código Penal, em razão dos seguintes fatos narrados na peça acusatória (Evento 1):

Ato 1- Quatro homicídios duplamente qualificados:

Na madrugada do dia 8 de maio de 2021, na Rua Valdir Humberto Lodi, 792, bairro Esperança, em São Domingos/SC, o denunciado JEAN CARLOS SUTIL GASPERIN, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, com manifesta intenção de matar, ceifou as vidas do casal Raquel Aparecida Alves e Neocir Rodigheri e das crianças Maria Eduarda Alves Rodigheri e João Vitor Alves Rodigheri1 , filhos de ambos. O denunciado, que se encontrava na residência das vítimas, apossou-se de uma faca e golpeou-as na região do pescoço2 , causando esgorjamento e consequente "hemorragia aguda", que foi a causa eficiente das mortes, conforme fl. 2 dos laudos periciais 33 e 34 do evento 1, dos autos n. 5001994-17.2021.8.24.0060.

Os delitos foram cometidos mediante recurso que dificultou a defesa das vítimas, pois o denunciado atacou-as inesperadamente, haja vista a intimidade que possuía com a família, de modo que elas não puderam reagir contra os golpes de faca desferidos em regiões vitais.

Por fim, os crimes foram cometidos com o empregado de meio cruel, pois, o denunciado, revelando brutalidade acentuada, golpeou as vítimas provocando profundos e extensos ferimentos, especificamente na região cervical (pescoço), que ocasionou "hemorragia aguda", causando excessivo sofrimento, contrastando com o mais elementar sentimento de piedade.

Consigne-se que o denunciado levou a efeito os delitos contra duas vítimas menores de 14 anos (Maria e João), incidindo, assim, na causa de aumento de pena prevista no § 4º do art. 121 do Código Penal.

Após ceifar as vidas dos quatro integrantes da mesma família (Raquel, Neocir, Maria e João), o denunciado ateou fogo na residência e nos corpos das vítimas, carbonizando-as.

Segundo se apurou, na tarde de sexta-feira, 7 de maio de 2021, a vítima Raquel saiu com amigos para alguns bares4 . Por volta das 2h da madrugada do dia 8 de maio, Raquel foi deixada em sua residência pelos amigos Ivete Padilha Bento e Flaviomir Ferreira, vulgo "Pretinho". Neste instante, Raquel visualizou o veículo GM/Corsa Classic, cor branca, de propriedade do denunciado, estacionado defronte à sua residência, e verbalizou: "Meus Deus, o Jean está aqui, o que eu faço!?".

Por sua vez, o denunciado encontrava-se na residência das vítimas desde as 22h do dia 7 de maio, tomando chimarrão com Neocir e brincando com as crianças, e presenciou Raquel chegar em casa, na madrugada do dia 8 de maio de 2021.

De se registrar que, consoante relatado por Tainá Aparecida, filha da vítima Raquel, esta possuía um relacionamento extraconjugal com o denunciado, o qual não era de conhecimento de seu companheiro Neocir. Além disso, o denunciado frequentava a residência do casal, com frequência, tendo conhecimento da rotina de todos e intimidade com a família. Em continuidade às investigações, a autoridade policial procedeu a oitiva das testemunhas Leoclides de Campos e Gilberto Segala, as quais mencionaram que próximo às 6h, instantes antes do incêndio criminoso, passaram defronte à residência das vítimas e avistaram estacionado no local o veículo GM/Corsa Classic, cor branca, o qual a autoridade policial concluiu que era de propriedade do denunciado.

Na mesma linha investigativa, a autoridade policial colheu o depoimento dos vizinhos das vítimas, Marcio de Oliveira e Anderson Woievoda, os quais mencionaram que no dia dos fatos acordaram por volta das 6h, quando escutaram o barulho de um veículo, e logo após visualizaram a residência pegando fogo. Por óbvio, dito veículo era de propriedade do denunciado, que se retirou do local após atear fogo na residência.

Apurou-se, também, que durante a madrugada em que ocorreram os crimes, das 2h às 6h, Lais dos Santos da Silva e Ivanilde Aparecida Sutil, esposa e a mãe do denunciado, respectivamente, tentaram manter contato com o telefone celular de Jair, de modo que ele não atendeu e tampouco respondeu aos chamados8 . Outrossim, foi registrado em vídeo as conversas via mensagem de aplicativo de aparelho celular realizada entre a genitora e a esposa do denunciado, das quais se extrai...

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