Acórdão Nº 5002137-89.2021.8.24.0000 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 08-02-2022

Número do processo5002137-89.2021.8.24.0000
Data08 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5002137-89.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO IZIDORO HEIL

AGRAVANTE: BANCO BRADESCO CARTOES S.A. AGRAVANTE: BANCO BRADESCO S.A. AGRAVADO: VOGELSANGER PAVIMENTACAO EIRELI AGRAVADO: TERRAPLANAGEM E PAVIMENTACAO VOGELSANGER LTDA

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo de instrumento interposto por BANCO BRADESCO CARTÕES S.A. e BANCO BRADESCO S.A. contra decisão proferida pelo Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da comarca de Joinville que, nos autos da Ação de Recuperação Judicial n. 0300597-67.2018.8.24.0050, ajuizada por VOGELSANGER PAVIMENTAÇÃO LTDA. e TERRAPLANAGEM E PAVIMENTAÇÃO VOGELSANGER LTDA., homologou o plano de recuperação judicial aprovado na Assembleia-Geral de Credores e concedeu às empresas agravadas a recuperação judicial" (evento 659, autos de origem).

Os agravantes sustentam, em síntese, que: a) "não se mostra nada razoável impor um deságio de 85% do que teriam direito os credores quirografários, em parcelas anuais de 33 iguais e sucessivas ao longo de 16 anos, após 24 meses de carência, com incidência de juros de 1% ano e correção pela TR anual, contados da data do trânsito em julgado da decisão que conceder e homologar o plano"; b) "esse deságio representa sacrifício excessivo imposto de forma injusta, sendo uma afronta ao seu direito creditício, violando o direito de propriedade e boa-fé que é exigida nas relações empresariais"; c) o Plano de Recuperação Judicial mostra-se extremamente prejudicial aos credores também na medida em que dilui os pagamentos por vários anos e início de pagamento dos créditos 24 meses somente após o trânsito em julgado da decisão que conceder a recuperação judicial; d) a exclusão do nome dos avalistas/coobrigados/fiadores dos cadastros restritivos não pode subsistir; e) quanto à baixa de protesto e restritivos em relação às recuperandas, tal cláusula também não pode subsistir, porquanto ilegal; superado há muito o prazo de blindagem (art. 6º, § 4º e art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/05), não pode mais subsistir o entendimento acerca da essencialidade dos veículos objeto das ações de busca e apreensão oriundas de créditos extraconcursais, visto que tais contratos foram excluídos da recuperação judicial pelo administrador judicial; f) o risco de dano grave e/ou de difícil reparação está demonstrado pela decisão homologatória do plano que, ao manter o reconhecimento da essencialidade dos bens objetos das ações de busca e apreensão mesmo após a homologação do plano, mantêm as recuperandas na posse dos 6 caminhões (pertencentes ao credor), as quais continuam a usufruí-los normalmente, sem qualquer contraprestação, causando natural deterioração, havendo, inclusive, risco de dilapidação.

Recebido o inconformismo pelo Exmo. Des. Sérgio Izidoro Heil foi indeferido o almejado efeito suspensivo em decisão monocrática (evento 23).

As contrarrazões foram apresentadas (evento 36).

Remetidos os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, sobreveio parecer da lavra do douto Procurador de Justiça, Dr. Paulo Cezar Ramos de Oliveira, opinando pelo conhecimento e parcial provimento do agravo de instrumento (evento 69).

Em sessão realizada no dia 1º-2-2022, após o voto do Relator, Exmo. Des. Sérgio Izidoro Heil, no sentido de dar parcial provimento ao recurso tão somente para decotar do plano de recuperação judicial a imposição de exclusão das restrições cadastrais contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, pedi vista do processo para melhor compreensão da questão posta a julgamento, notadamente no que toca à essencialidade dos veículos objeto de busca e apreensão.

Prosseguindo no julgamento em 8-2-2022, apresentei voto divergente, ficando vencido o Relator, razão pela qual fui designada para relatar o acórdão.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos, conheço do recurso.

Insurgem-se os agravantes contra a decisão de homologação do plano de recuperação judicial das pessoas jurídicas agravadas

Sustentam que: a) não é razoável impor um deságio de 85% do que teriam direito os credores quirografários, em parcelas anuais de 33 iguais e sucessivas ao longo de 16 anos, após 24 meses de carência, com incidência de juros de 1% ano e correção pela TR anual, contados da data do trânsito em julgado da decisão que conceder e homologar o plano; b) é ilegal a cláusula que determina a exclusão do nome dos avalistas/coobrigados/fiadores dos cadastros restritivos, bem como a que prevê a baixa de protesto e restritivos em relação às recuperandas; c) por estar superado o prazo de stay period não mais subsiste o entendimento acerca da essencialidade dos veículos objeto das ações de busca e apreensão oriundas de créditos extraconcursais, uma vez que tais contratos foram excluídos da recuperação judicial pelo administrador judicial.

Pois bem. Extrai-se do modificativo do plano de recuperação judicial (processo 0323798-61.2017.8.24.0038/SC, evento 585, INF1759):

4.2.2.1. O plano de pagamento aos credores acima identificados segue as especificações abaixo:

i. Plano de amortização: os créditos desta subclasse serão pagos observando plano de amortização progressivo nos seguintes termos: 1% (um por cento) por ano, do 1º ao 2º ano; 2% (dois por cento) por ano, do 3º ao 5º ano; 4% (quatro por cento) por ano, do 6º ao 13º ano; 5% (cinco por cento) do 14º ao 15º ano; 50% (cinquenta por cento) no 16º ano. Os percentuais incidem sobre o saldo devedor, tomando por base o montante inscrito na relação ou quadro geral de credores, após aplicação do deságio previsto no item "iv". A referência ao "ano" observará o termo inicial estabelecido abaixo.

ii. Correção: todos os pagamentos serão corrigidos anualmente pela TR a partir da data do trânsito em julgado da decisão de concessão da recuperação judicial, pro rata dies.

iii. Juros compensatórios: serão aplicados juros compensatórios de 1% (um por cento) ao ano, contabilizados desde a data do trânsito em julgado da decisão de concessão da recuperação judicial, pro rata dies.

iv. Deságio: será aplicado deságio de 85% sobre o valor dos créditos conforme relação de credores.

v. Termo inicial dos pagamentos: 24 (vinte e quatro) meses contados do trânsito em julgado da decisão que conceder a recuperação judicial.

Como cediço, é atribuição da Assembleia-Geral de Credores (AGC) verificar a viabilidade da reabilitação da empresa e aprovar o respectivo plano de recuperação, cabendo ao Poder Judiciário apenas verificar a legalidade do plano, e não a viabilidade econômica da recuperação da empresa, isto é, "a intervenção do poder judiciário se limita a verificar a ocorrência de alguma ilegalidade no ato deliberativo, seja na formação da vontade dos credores, seja na conformação dos termos do plano aos ditames da lei de regência." (REsp 1.634.844-SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 12.03.2019).

Sobre o tema, este Órgão Fracionário já decidiu:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. HOMOLOGAÇÃO DE PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. RECURSO DO BANCO CREDOR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PAR CONDITIO CREDITORUM. TESE DE CONTEÚDO GENÉRICO E SEM COTEJO COM O CASO CONCRETO. OFENSA À DIALETICIDADE. NOVAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES EM RELAÇÃO AOS DEVEDORES SOLIDÁRIOS OU COOBRIGADOS EM GERAL. NÃO CABIMENTO. AFRONTA AO ART. 49, § 1º, DA LEI N. 11.101/05 E À SÚMULA 581 DO STJ. PLANO DECOTADO NO PONTO. TESES DE ILEGALIDADE DA ALIENAÇÃO DE ATIVOS FINANCEIROS, ELEVADO PERCENTUAL DE DESÁGIO E EXCESSIVO PRAZO DE CARÊNCIA E DE PAGAMENTO DAS OBRIGAÇÕES. QUESTÕES RELATIVAS A DIREITOS PATRIMONIAIS E DISPONÍVEIS. SOBERANIA DA ASSEMBLEIA-GERAL DE CREDORES QUE NÃO SE SUBMETE AO CONTROLE JUDICIAL. UTILIZAÇÃO DA TR COMO FATOR DE CORREÇÃO MONETÁRIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STJ. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento n. 4032811- 38.2019.8.24.0000, de Blumenau, rel. Janice Goulart Garcia Ubialli, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 26-5-2020).

Do corpo do citado aresto, de minha relatoria, extrai-se:

Aliás, deságios em percentuais muito superiores (85%) e com prazos de pagamento superiores a dez anos já foram considerados admissíveis em diversas recuperações judiciais (Nesse sentido: TJSC, Agravo de Instrumento n. 4010609- 38.2017.8.24.0000, rel. Des. Carlos Roberto da Silva, j. 03-10-2018; TJSC, AI n. 4016132-65.2016.8.24.0000, rel. Des. Bettina Maria Maresch de Moura, j. 12-7- 2018; TJSP, AI n. 2170700-19.2016.8.26.0000, rel. Des. Hamid Bdine, j. 8-2-2017; TJSC, AI n. 2015.048726-0, rel. Des. José Inacio Schaefer, j. 15-12-2015).

Ainda, no tocante à utilização da TR como fator de correção monetária, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça em recente julgado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE EMPRESA. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL HOMOLOGADO. SUSPENSÃO DOS PROTESTOS TIRADOS EM FACE DA RECUPERANDA. CABIMENTO. CONSEQUÊNCIA DIRETA DA NOVAÇÃO SOB CONDIÇÃO RESOLUTIVA. CANCELAMENTO DOS PROTESTOS EM FACE DOS COOBRIGADOS. DESCABIMENTO. RAZÕES DE DECIDIR DO TEMA 885/STJ. PARCELAMENTO DOS CRÉDITOS EM 14 ANOS. CORREÇÃO MONETÁRIA PELA TR MAIS JUROS DE 1% AO ANO. CONTEÚDO ECONÔMICO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO. REVISÃO JUDICIAL. DESCABIMENTO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 8/STJ À RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

1. Controvérsia acerca da validade de um plano de recuperação judicial, na parte em que prevista a suspensão dos protestos e a atualização dos créditos por meio de TR + 1% ao ano, com prazo de pagamento de 14 anos.

2. Nos termos da tese firmada no julgamento do Tema 885/STJ: "A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005".

3. Descabimento da suspensão dos protestos tirados em face dos coobrigados pelos créditos da empresa...

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