Acórdão Nº 5002156-32.2020.8.24.0000 do Terceira Câmara Criminal, 03-03-2020

Número do processo5002156-32.2020.8.24.0000
Data03 Março 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal Nº 5002156-32.2020.8.24.0000/

RELATOR: Desembargador JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO

PACIENTE/IMPETRANTE: JORDANA MENDES SOUTO (Paciente do H.C) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: MARILIA BUENO DE OLIVEIRA (Impetrante do H.C) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: MARLO ALMEIDA SALVADOR (Impetrante do H.C) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: STELLA NASCIMENTO MACHADO (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca de Florianópolis

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, sem pedido liminar, impetrado em favor de Jordana Mendes Souto, contra ato do Juízo da Vara Criminal da Região Metropolitana de Florianópolis que, nos autos n. 0902352-27.2019.8.24.0023, decretou a prisão preventiva da paciente pela suposta prática do crime previsto no art. 2º, §§ 2º e 4º, I, da Lei n. 12.850/2013.

Preliminarmente, alegam os impetrantes: a) ausência de contemporaneidade; b) ausência de fundamentação adequada (per relationem), pouco individualizada e baseada em meros indícios; c) violação de dados oriundos de comunicação telefônica em aparelho celular sem autorização judicial; e d) incompetêcia da polícia militar para gerir a investigação. No mérito: a) afronta ao princípio da presunção de inocência; b) ausência dde pressupostos para a decretação da medida extrema e c) imposição de medida cautelar diversa da prisão (uso de tornozeleira eletrônica).

Requerem, com base em tais alegações, o acolhimento das preliminares para anular a decisão que decretou a prisão. No mérito, pugnam pela concessão da ordem para revogar a ordem de prisão, impondo-se, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, a fim de aguardar a instrução processual em liberdade. Subsidiariamente, requer a prisão domiciliar mediante monitoramento eletrônico.

Ausente pedido liminar, foram apresentadas informações pela autoridade apontada como coatora (Evento 10).

Parecer da PGJ: Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Lio Marcos Marin, que opinou pelo conhecimento do writ e pela denegação da ordem (Evento 13).

Este é o relatório.

VOTO

O habeas corpus merece ser parcialmente conhecido.

Cumpre relembrar que o habeas corpus constitui ação autônoma de impugnação, de natureza constitucional, destinada ao especial fim de tutela da liberdade do indivíduo, quando este direito subjetivo esteja sofrendo violência ou coação decorrente de ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, LXVIII, CF e art. 647, CPP).

Tendo em conta a natureza excepcional dessa ação constitucional, assim como suas inerentes características de simplicidade e sumariedade, o habeas corpus apresenta limites cognitivos estreitos, que inviabilizam a dilação probatória e tornam indispensável a demonstração de plano do alegado constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do paciente.

Como relatado, por meio do presente writ, busca-se a revogação da decretação da prisão cautelar da paciente Jordana Mendes Souto. Passo ao exame da legalidade dos atos judiciais que determinaram a restrição ao ius libertatis desta pessoa.

1. PRELIMINARES

1.1. DA AUSÊNCIA DA CONTEMPORANEIDADE

Alegam os impetrantes que as evidências apontadas em desfavor da paciente decorrem dos documentos supostamente encontrados em seu smartphone tais como troca de fotos e mensagens, com datas entre 20/07/2019 e 22/10/2019, "em patente ausência de contemporaneidade".

O argumento não merece prosperar haja vista que a decisão que decretou a prisão ocorreu em dezembro de 2019, importando salientar que tal ordem ocorreu após requerimento do Ministério Público e intensa e complexa investigação policial para elucidar a atividade criminosa.

É cediço que "Se não houve prisão em flagrante e somente após as investigações realizadas [...] foram colhidos elementos indiciários suficientes para embasar o pedido de prisão preventiva pelo Parquet local, não há se falar em ausência de contemporaneidade entre o fato delituoso [...] e a prisão preventiva [...]" (STJ, RHC n. 79.041, Min. Nefi Cordeiro, j. 04.04.2017).

Deste modo, não falar em ausência de contemporaneidade.

1.2. DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA

A defesa sustenta que o juízo a quo não individualizou a conduta da paciente e que a decisão foi decretada "sem qualquer fundamentação", tendo o juízo de primeiro grau limitado-se a transcrever "conteúdo constante na representação formulada pelo Ministério Público" como "razão de decidir", o que é vedado pelo ordenamento jurídico.

Como se pode verificar nos autos de origem, a conduta da paciente foi explicitada de forma clara e individualizada (ítem 18, fl. 1419 do processo originário) e a técnica utilizada para fundamentar a decisão foi a per relationem - quando a transcrição ocorre em complemento das próprias razões de decidir.

No que tange ao ponto, trago o entendimento preconizado pelo STF sobre o tema:

HABEAS CORPUS - ADOÇÃO DA TÉCNICA DE MOTIVAÇÃO "PER RELATIONEM" - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DECISÓRIA - FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA - JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO - SUCESSIVAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS AUTORIZADAS POR MAGISTRADO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA - SUPOSTO ENVOLVIMENTO DE DIVERSOS INVESTIGADOS, ENTRE OS QUAIS PREFEITOS MUNICIPAIS E PARLAMENTAR ESTADUAL - RECONHECIMENTO DE OFENSA AO POSTULADO DA NATURALIDADE DO JUÍZO - NULIDADE DAS PROVAS, NO ENTANTO, QUE NÃO SE ESTENDE AOS DEMAIS ACUSADOS NÃO DETENTORES DE PRERROGATIVA DE FORO "RATIONE MUNERIS" - PARECER DA DOUTA PROCURADORIA- -GERAL DA REPÚBLICA PELO NÃO PROVIMENTO DESTA ESPÉCIE RECURSAL - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (HC 150872 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 31/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-123 DIVULG 07-06-2019 PUBLIC 10-06-2019 - grifou-se).

Nesse sentido, inclusive, a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal:

[...] revela-se legítima e plenamente compatível com a exigência imposta pelo art. 93, IX, da CR a utilização, por magistrados, da técnica da motivação per relationem, que se caracteriza pela remissão que o ato judicial expressamente faz a outras manifestações ou peças processuais existentes nos autos, mesmo as produzidas pelas partes, pelo Ministério Público ou por autoridades públicas, cujo teor indique os fundamentos de fato e/ou de direito que justifiquem a decisão emanada do Poder Judiciário. Precedentes' (EDs no MS 25.936, Plenário, Rel. Min. Celso de Mello, DJE de 18-9-2009 - grifou-se).

Assim, afasta-se a tese aventada.

1.3. DA VIOLAÇÃO DE DADOS ORIUNDOS DA COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA EM APARELHO CELULAR SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL

A defesa argumenta que as provas colhidas a partir da coleta de dados do aparelho celular da paciente são ilegais, uma vez que foi apreendido no momento da busca e apreensão sem autorização judicial prévia.

Ao analisar os autos, verifica-se que o relatório policial apresentou análise das informações obtidas a partir dos telefones apreendidos durante operação de cumprimento de mandados de busca e apreensão referente aos Autos 0017492-97.2017.8.24.0023.

Importante esclarecer que o mandado de busca e apreensão constava o endereço do então investigado Ailton Leoni Teodoro.

No momento em que ocorreram as diligências, a paciente se encontrava em sua residência na companhia de seu companheiro (e corréu) Lucca Salvatti e de Ailton Leoni Teodoro, haja vista que os três moram juntos (fl. 1.514 dos autos originais), razão pela qual teve seu aparelho celular apreendido.

A tese não pode ser acolhida porquanto diferentemente do que alega os impetrantes, quando do pedido de busca e apreensão, o juízo de primeiro grau não só determinou a expedição dos mandados, como determinou a quebra de sigilo de dados nos celulares eventualmente apreendidos durante a excução das diligências policiais. Não obstante, visando a celeridade da conclusão das investigações ordenou a extração de dados diretamente pelos agentes da especializada, conforme fls. 495-499 dos autos n. 0902352-27.2019.8.24.0023:

Em relação à quebra de sigilo de dados, a Autoridade Policial pretende acessar as informações armazenadas nos celulares eventualmente apreendidos durante a execução dos mandados de busca e apreensão, a fim de verificar possíveis comunicações que possam reforçar a prova de envolvimento nos crimes investigados, também merece deferimento.Isso porque, o acesso imediato aos aparelhos eletrônicos e o encontro de conversas pertinentes à investigação, permitirão, em tese, identificar de pronto os autores dos delitos ora investigados, cessando, por conseguinte, a atividade criminosa.

[...] A partir do comando insculpido no inciso XII da CF/1988 editou-se a Lei nº 9.296/1996, regulamentando-o e ressalvando que a interceptação "de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça" (art. 1º).

Muito embora a Lei em comento verse sobre a interceptação de comunicações telefônicas, ou seja, de comunicações futuras que possam ser monitoradas no curso de investigações, não retira o sigilo e a inviolabilidade à intimidade constitucionalmente assegurados às pessoas em geral, incluindo investigados e réus em ações penais.

Este Juízo não poderia deixar de autorizar a devassa na intimidade de Investigados, quando o caso concreto poderá trazer à tona outros elementos aptos à comprovação do crime e de sua autoria.

[...] Deste modo, AUTORIZO a Polícia Judiciária a realizar exame pericial nos...

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