Acórdão Nº 5002173-25.2019.8.24.0058 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 05-10-2021

Número do processo5002173-25.2019.8.24.0058
Data05 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5002173-25.2019.8.24.0058/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: LEANDRO FUCKNER (AUTOR) ADVOGADO: ADALTON HANTSCHEL (OAB SC052401) ADVOGADO: WESLLEY MONTEIRO DOS SANTOS (OAB SC052150) APELANTE: OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU) ADVOGADO: HUDSON JOSE RIBEIRO (OAB SP150060) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Leandro Fuckner ajuizou ação de revisão contratual em desfavor de Omni S/A Credito Financiamento e Investimento, tendo como objeto a Cédula de Crédito Bancário - financiamento de veículo com alienação fiduciária em garantia (evento 1, CONTR8) , ao argumento de que a taxa de juros remuneratórios estaria permeada de abusividade e, ainda, que a tarifa de cadastro revestia-se de ilegalidade, uma vez cumulada de outras tarifas e embutida no valor total do financiamento. Por fim, alega que a cobrança do seguro prestamista e a taxa de assistência seriam cláusulas abusivas do contrato de financiamento, pois impossibilitam a sua livre pactuação, configurando uma venda casada.

Pedido de justiça gratuita deferido (evento 7).

Contestação (evento 12).

Ato contínuo, sobreveio sentença (evento 25), da qual se extrai a seguinte parte dispositiva:

Diante do exposto, RESOLVO O MÉRITO, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgando PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por LEANDRO FUCKNER em face de OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO.

Em consequência, DECLARO que a somatória dos juros remuneratórios a incidir na Cédula de Crédito Bancário nº 1.02149.0000175.17 fica limitada à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil à época da operação, a saber: 1,83% ao mês e 24,25% ao ano.

Havendo valores pagos indevidamente pelo autor em razão dos encargos extirpados nesta sentença, deverão ser restituídos de forma simples e compensados de eventual saldo devedor, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, devidos a partir da citação, e correção monetária pelo INPC/IBGE desde a data de cada desembolso.

Considerando a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais no importe de 50% (cinquenta por cento) para cada uma.

Condeno-os, ainda, à quitação dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido ao procurador do autor e 10% sobre o dobro do valor da Tarifa de Cadastro, Seguro Prestamista e Assistência ao procurador-réu, com fulcro no art. 85, § 2.º, do novo Código de Processo Civil.

Todavia, fica suspensa, por ora, a cobrança das despesas processuais em relação ao autor, tendo em vista que lhe restou deferido o benefício da justiça gratuita (evento 7).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Arquivem-se oportunamente.

Inconformada com o decisum de primeiro grau, a casa bancária interpôs recurso de apelação (evento 32), no qual aduziu, em síntese, a impossibilidade de revisão do contrato em decorrência do princípio pacta sunt servanda; ademais, defendeu a legalidade dos juros remuneratórios pactuados, porque o tipo de contratação é voltada para clientes em dificuldades em obter crédito, tendo risco na operação ou, subsidiariamente, a compensação dos valores a serem repetidos com eventual saldo devedor da parte autora.

A parte autora apresentou recurso de apelação (evento 40), pugnando a a declaração de ilegalidade da cobrança do seguro prestamista, da Tarifa de Cadastro e assistência.

Contrarrazões (eventos 41 e 45).

Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que, no âmbito de ação de conhecimento, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na peça exordial.

1 INSURGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA

1.1 Princípio Pacta Sunt Servanda

Aduz a instituição financeira requerida a impossibilidade de revisão do contrato firmado entre as partes, uma vez que foi pactuado livremente.

Razão não lhe assiste.

Objetivamente, o princípio da autonomia da vontade consiste na liberdade contratual das partes, ou seja, o poder que elas têm de estipular, livremente, a disciplina de seus interesses.

No caso específico dos autos, entretanto, evidente que o contrato celebrado entre as partes é de adesão, uma vez que não possibilita ao cliente da instituição financeira discutir e rever suas cláusulas, mas tão-somente aquiescer com seu conteúdo, ou seja, "o elemento volitivo nos contratos de adesão, erige-se de maneira limitada, pois a autonomia da vontade somente é plena no ato de aceitação, sendo restrita quanto à discussão das cláusulas contratuais" (AC n. 2006.039440-4, de Criciúma, rel. Des. Robson Luz Varella, j. 23-2-2009).

O princípio da força obrigatória dos contratos ou Pacta Sunt Servanda, por sua vez, determina que havendo a manifestação de vontade positiva e voluntária, de contratar a certos termos, estes devem ser cumpridos, independentemente de qualquer circunstância. À vista disso, acontecimentos supervenientes extraordinários e imprevistos não são considerados, devendo o pactuado ser mantido de maneira hígida, com o desiderato de manter a segurança nas relações negociais e limitar o grau de interferência judicial na esfera privada.

Embora se deva respeitar os princípios supracitados em todas as relações contratuais, com o advento da Lei consumerista, passou-se a admitir a mitigação dos mesmos, atendendo-se não somente ao conteúdo econômico do contrato, mas principalmente seu conteúdo social, sempre de acordo com o caso concreto.

A doutrina moderna amplamente difundida e aceita pelos Tribunais entende que se deve considerar o avençado, mas nunca de maneira absoluta, de modo que situações posteriores à origem contratual devam ser analisadas em consonância com a realidade vivenciada pelas partes.

Nesse rumo, tem-se o entendimento sedimentado desta Câmara judicante. Vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO C/C REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO - VEÍCULO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ. 1 - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS PACTUADAS. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA. SÚMULA 297 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO DESPROVIDO NO PONTO. "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras." (Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça). Estando a relação negocial salvaguardada pelos ditames desta norma, mitiga-se a aplicabilidade do princípio do pacta sunt servanda, viabilizando a revisão dos termos pactuados, uma vez que a alteração das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, ou até mesmo as que se tornem excessivamente onerosas em decorrência de fato superveniente à assinatura do instrumento, configura direito básico do consumidor, nos moldes do inc. V do art. 6º da Lei n. 8.078/1990" (Apelação Cível n. 0006689-35.2013.8.24.0075, de Tubarão, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 13-12-2016). [...] (Apelação Cível n. 0007449-25.2012.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Dinart Francisco Machado, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 28-5-2019).

Assim, possível a revisão contratual na forma pleiteada na exordial, razão pela qual nega-se provimento a insurgência.

1.2 Juros remuneratórios

Sustenta a parte recorrente a legalidade da taxa de juros remuneratórios pactuada entre as partes na cédula de crédito bancário objeto dos autos.

A irresignação, todavia, não merece prosperar.

Construiu-se o entendimento de que os juros remuneratórios não possuem caráter abusivo desde que não ultrapassada a taxa média de mercado vigente à época do contrato, devendo ser tomada como base a lista divulgada pelo Banco Central do Brasil, a qual dispõe sobre as taxas médias de juros cobradas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Esse posicionamento, aliás, está positivado no Enunciado nº I do Grupo de Câmaras de Direito Comercial, aprovado na sessão ordinária de 13 de dezembro de 2006:

Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12% (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil.

Assim, à luz da posição jurisprudencial que vem sendo adotada, a revisão dos contratos bancários, no que concerne aos juros remuneratórios, tem como base para aferição de sua abusividade a média de juros praticados pelo mercado financeiro à época da contratação.

Não obstante, o colendo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento ao Recurso Especial Repetitivo n. 1061.530/RS, estabeleceu, quanto aos juros remuneratórios, o seguinte:

I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações...

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