Acórdão Nº 5002176-82.2019.8.24.0024 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 13-04-2023

Número do processo5002176-82.2019.8.24.0024
Data13 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5002176-82.2019.8.24.0024/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: CONSEST PRE-MOLDADOS LTDA (EMBARGANTE) APELANTE: RONALDO REGALIN (EMBARGANTE) APELANTE: COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO PARQUE DAS ARAUCARIAS - SICREDI PARQUE DAS ARAUCARIAS PR/SC/SP (EMBARGADO) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Os embargantes CONSEST PRE-MOLDADOS LTDA, RONALDO REGALIN e RONALDO REGALIN e a embargada COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO PARQUE DAS ARAUCARIAS - SICREDI PARQUE DAS ARAUCARIAS PR/SC/SP interpuseram recursos de apelação contra a sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara da Comarca de Fraiburgo, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:
RELATÓRIO
Consest Pré-Moldados LTDA e Ronaldo Regalin, por meio de procurador habilitado, opuseram embargos à execução de título extrajudicial promovida por Cooperativa de Crédito, Poupança e Investimento Parque das Araucárias - Sicredi Parque das Araucárias PR/SC/SP, ambos já qualificados.
A parte embargante sustentou, em síntese: a) que a cédula de crédito bancário executada prevê inúmeros encargos abusivos, como a cobrança de juros acima da média do mercado, a cumulação de juros remuneratórios e moratórios após o vencimento das parcelas, a incidência de remuneração acumulada dos Certificados de Depósito Interfinanceiro - CDI, a incidência de multa sobre juros e atualização, e a cobrança de juros abusivos após o vencimento do título; b) a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, com a consequente inversão do ônus da prova; c) a existência de excesso de execução em razão de lançamentos de valores a maior no cálculo, bem como em razão da abusividade dos juros; d) a nulidade da cláusula de vencimento antecipado da dívida; e) a descaracterização da mora; f) que o prejuízo pela demora do ajuizamento da execução deve ser mitigado, de modo que os juros de mora devem incidir apenas a partir da citação; g) que houve comportamento contraditório da parte embargada, pois gerou um boleto para quitação integral da dívida pelo valor de R$ 6.680,00 (seis mil seiscentos e oitenta reais) na esfera extrajudicial e, posteriormente, ajuizou ação pelo valor de R$ 239.301,84 (duzentos e trinta e nove mil trezentos e um reais e oitenta e quatro centavos); h) que tem direito à repetição do indébito; i) que há possibilidade de compensar o valor das quotas sociais da empresa integralizadas juntos à cooperativa com o valor original da dívida; j) que a parte embargada deve anexar documentos aos autos, consistentes nos extratos das contas bancárias mantidas pela empresa embargante junto à cooperativa, bem como no extrato da posição das quotas de integralização de capital realizadas pelos embargantes; k) que efetuaram o pagamento das 13 (treze) primeiras parcelas da dívida, bem como o pagamento parcial da 14ª (décima quarta); l) que o valor da dívida é de apenas R$ 5.951,94 (cinco mil novecentos e cinquenta e um reais e noventa e quatro centavos); m) que faz jus à concessão da gratuidade judicial. Finalizou requerendo a declaração de nulidade das cláusulas abusivas, nos termos da fundamentação da petição inicial (evento 01, doc. 02).
Juntou documentos (evento 01, docs. 03-21).
A gratuidade judicial foi indeferida no que diz respeito à empresa embargante. Quanto ao embargante Ronaldo Regalin, foi determinada a sua intimação para comprovar a hipossuficiência econômica (evento 03).
A parte embargante limitou-se à alegação de que não há recolhimento de custas inicias em embargos à execução (evento 08), motivo pelo qual o benefício foi indeferido também em relação à pessoa física (evento 11).
Os embargos foram recebidos sem efeito suspensivo (evento 11).
Instada, a parte embargada sustentou, em síntese: a) que é vedado ao julgador reconhecer de ofício a abusividades das cláusulas; b) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso; c) que a cédula de crédito bancário constitui título líquido, certo e exigível; d) a legalidade dos encargos contratuais; e) a impossibilidade de descaracterização da mora. Impugnou os documentos apresentados pela parte embargante e requereu a improcedência dos embargos à execução (evento 21).
Em seguida os autos vieram conclusos.
É o relatório necessário.
FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de ação ajuizada por Consest Pré-Moldados LTDA e Ronaldo Regalin em desfavor de Cooperativa de Crédito, Poupança e Investimento Parque das Araucárias - Sicredi Parque das Araucárias PR/SC/SP, ambos qualificados nos autos.
1. Do julgamento antecipado
De início, alerte-se que é cabível o julgamento antecipado da lide, pois, na hipótese, a questão controvertida, conquanto de fato e de direito, dispensa outras provas, permitindo a incidência dos art. 355, I, e 920, II, do Código de Processo Civil.
"No tocante à produção de prova pericial para aferição da existência de abusividades contratuais, esta deve ser reputada desnecessária, na hipótese, por constar nos autos cópia da cédula de crédito bancário em execução, o que se mostra suficiente para o julgamento" (TJSC, Apelação Cível n. 0500103-05.2012.8.24.0189, de Santa Rosa do Sul, rel. Des. Tulio Pinheiro, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 22-11-2018).
Quanto ao mais, indefiro o pedido de intimação da parte embargada para apresentação dos extratos da conta bancária da parte embargante junto à cooperativa (evento 01, doc. 02, fl. 23), sobretudo porque tais documentos são comuns às partes e poderiam ter sido anexados aos autos pela própria embargante, se fosse o caso.
Demais disso, convém salientar que tais documentos são desnecessários para o deslinde da lide, mormente porque, apesar de o contrato ter estabelecido o pagamento das parcelas por meio de débito em conta (evento 01, doc. 08, do apenso), não há alegação de ausência de amortização de quaisquer das parcelas ditas como pagas (evento 01, doc. 02, fls. 23-24), até mesmo porque, da simples análise do cálculo juntado ao processo executivo, verifica-se que os pagamentos foram, de fato, deduzidos (evento 01, doc. 09, do apenso).
2. Do mérito
2.1 Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do consumidor tem origem constitucional (Constituição Federal, arts. 5º, XXXII, e 170, V; ADCT, art. 48), constituindo-se de normas de ordem pública e de interesse social.
Aplicando-se o CDC aos contratos bancários, o princípio do pacta sunt servanda (força obrigatória dos contratos) possui, na relação de consumo, caráter relativo. Isso quer dizer que a autonomia da vontade tem seu alcance reduzido, permitindo a modificação da relação contratual se presentes cláusulas abusivas.
Com efeito, o princípio do pacta sunt servanda não é óbice à revisão de contrato, até porque é direito básico do consumidor pleitear a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, a teor do art. 6º, V, do CDC.
Portanto, o consumidor pode pleitear a revisão contratual com base em dois fundamentos alternativos: a) prestações desproporcionais; b) prestações excessivamente onerosas em razão de fatos supervenientes.
A revisão, no presente caso, é amparada pela primeira parte do inciso V do art. 6º do CDC, ou seja, a parte embargante postula a modificação das cláusulas contratuais que, no seu entender, estabelecem prestações desproporcionais, independentemente da existência de fatos superveniente, motivo pelo qual o contrato é passível de revisão.
É bom lembrar que o entendimento do STJ vai no sentido de que é impossível proceder à revisão, ex officio, das cláusulas contratuais (Súmula n. 381; REsp 1.061.530/RS, rela. Mina. Nancy Andrighi, Segunda Seção, j. 22.10.2008).
Assim, a revisão ficará restrita às cláusulas especificamente indicadas como abusivas pela parte embargante.
2.2 Da limitação da taxa de juros remuneratórios
O Supremo Tribunal Federal, no uso de suas prerrogativas constitucionais, editou Súmula Vinculante n. 7, a qual dispõe que: "A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela emenda constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar".
Dita lei nunca foi editada, razão pela qual a jurisprudência entendeu pela possibilidade de juros superiores ao referido percentual, desde que expressamente pactuados e limitados à taxa média de mercado divulgada pelo Bacen:
JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO EM 12% AO ANO. INAPLICABILIDADE DO ART. 192, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXEGESE DA SÚMULA VINCULANTE 7 DO STF. UTILIZAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO COMO PARÂMETRO PARA AFERIÇÃO DA ABUSIVIDADE (TJSC, AC n. 2012.085491-2, rel. Des. Altamiro de Oliveira, j. 19.3.13);
JUROS REMUNERATÓRIOS. PRETENDIDA LIMITAÇÃO EM 12% AO ANO. IMPOSSIBILIDADE. LEI DE USURA INAPLICÁVEL EM RELAÇÃO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. AFERIÇÃO DA ABUSIVIDADE, POR SUA VEZ, QUE DEVE SE PAUTAR PELA MÉDIA PRATICADA PELO MERCADO, ADMITIDA ALGUMA VARIAÇÃO, DESDE QUE NÃO ABUSIVA, A FIM DE NÃO SE DESCONSTITUIR A ESSÊNCIA DO ENCARGO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CÂMARA (TJSC, AC n. 2012.055337-1, rel. Des. Tulio Pinheiro, j. 14.3.13).
A ideia é empregar o que medianamente se cobrava à época do contrato, razão pela qual, tendo a SELIC fim diverso, este não pode ser o parâmetro adotado.
No caso em apreço, a taxa de juros remuneratórios prevista no contrato foi de 5% ao mês e de 79,585633% ao ano (evento 01, doc. 08, do processo em apenso).
Em pesquisa ao site do Banco Central do Brasil (http://www.bcb.gov.br/?TXCREDMES), constata-se que a taxa média de juros nas operações da mesma espécie (pessoas jurídicas - capital de giro com prazo superior a 365 dias), à época do pacto (junho de 2015), era de 1,77% ao mês e de 23,41% ao ano.
A taxa de juros estipulada, como se vê, ultrapassa a taxa média de...

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