Acórdão Nº 5002185-53.2020.8.24.0139 do Quinta Câmara Criminal, 01-12-2022

Número do processo5002185-53.2020.8.24.0139
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5002185-53.2020.8.24.0139/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: ARLINDO LEMES (ACUSADO) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

O Ministério Público de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Arlindo Lemes, imputando-lhe a prática do delito disposto no artigo 121, § 2º, incisos II, III, e VI, do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento 1 da ação penal):

Conforme consta do procedimento, o denunciado ARLINDO e a vítima Iraci Saturnina da Silva conviviam maritalmente há cerca de 21 (vinte e um) anos, entretanto não estavam residindo juntos nos últimos anos. O denunciado desde o dia 11 de junho de 2019 estava na casa de Iraci, com o objetivo de passar o dia dos namorados.

Assim foi que, no dia 17 de junho de 2019, por volta das 8h, na Rua Walmor Voltolini, n. 85, Sertão de Santa Luzia, Porto Belo/SC, o denunciado ARLINDO, no âmbito doméstico e familiar, já que companheiro da vítima, matou Iraci Saturnina da Silva, por motivo fútil e com emprego de meio cruel.

É que, nas condições de tempo e local acima citadas, por volta das 6h da manhã, teve início uma discussão familiar. Como confirmado pela perícia (fl. 47-53), o denunciado agrediu violentamente a vítima Iraci no quarto do casal, onde foram verificadas marcas de sangue e grande desalinho do cômodo. Os fortes barulhos e os gritos de Iraci foram ouvidos por uma vizinha adolescente. Mais especificamente entre a cama e os móveis do quarto, averiguou-se que a ofendida foi subjugada e atacada de forma violenta por ARLINDO, que agiu com evidente animus necandi.

O denunciado ARLINDO desferiu contra a vítima diversas facadas principalmente na região do crânio, atingindo a face, o couro cabeludo e a orelha direita, que chegaram a fraturar sua calota craniana causando hemorragia, aliada a fraturas no crânio e traumatismo cranioencefálico grave, o que foi a causa de seu óbito, conforme exame cadavérico de fl. 39-44.

Desse modo, averiguou-se que ARLINDO matou Iraci por motivo fútil, em razão da discussão anteriormente mencionada, decorrente do fato de o denunciado ser bastante ciumento.

A forma como o denunciado ceifou a vida da ofendida foi cruel, porquanto proporcionou muita dor e sofrimento a Iraci até que, de fato, fosse a óbito, já que após ser atingida com as inúmeras facadas, a vítima ainda conseguiu sair para buscar ajuda, chegando a uma escadaria, foi vista por uma vizinha e levada para o hospital, onde, então, faleceu.

Após o delito, o denunciado evadiu-se do local, tendo saído da residência e, depois disso, não mais foi encontrado.

A denúncia foi recebida em 29 de maio de 2020 (evento 3 da ação penal), o réu foi citado (evento 23 da ação penal) e apresentou resposta à acusação (evento 31 da ação penal).

Recebida a defesa e, não sendo caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento 34 da ação penal).

Na instrução foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, bem como interrogado o acusado (eventos 95 e 158 da ação penal).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais pelo Ministério Público (evento 163 da ação penal) e pela defesa (evento 167 da ação penal), sobreveio a sentença de pronúncia determinando que o réu fosse submetido ao crivo do Tribunal do Júri (evento 171 da ação penal).

Em desfavor do referido decisum, o acusado interpôs recurso em sentido estrito, o qual foi conhecido e desprovido (evento 19 deste procedimento).

Diante da conclusão do Conselho de Sentença, sobreveio a sentença (evento 454 da ação penal) com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, com base no julgamento proferido pelo Conselho de Sentença, CONDENO ARLINDO LEMES, brasileiro, viúvo, aposentado, nascido em 30.04.1941, atualmente com 81 anos de idade, natural de Marau/SC, filho de Zelina Rocha Lemes e João Lemes, atualmente recolhido em prisão domiciliar, a pena de 15 anos de reclusão em regime fechado pela prática do crime previsto no artigo 121, parágrafo 2º, incisos II, III, IV e VI, do Código Penal.

Irresignado, o acusado interpôs recurso de apelação. Nas suas razões, pugna pela sua submissão a novo julgamento, uma vez que a decisão do Tribunal do Júri é nula por ser contrária a prova dos autos. Subsidiariamente, requer o afastamento da qualificadora do motivo fútil (artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal) e, por consequência, a redução da pena (evento 462 da ação penal).

As contrarrazões foram apresentadas (evento 468 da ação penal) e os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Genivaldo da Silva, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto (evento 39 deste procedimento).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos legais, o presente recurso é conhecido.

Como sumariado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Arlindo Lemes contra sentença proferida pela MM.ª Juíza de Direito da 2ª Vara da Comarca de Porto Belo, que o condenou à pena de 15 (quinze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime previsto no artigo 121, parágrafo 2º, incisos II, III, IV e VI, do Código Penal (evento 154 da ação penal).

Nas suas razões, sustenta, em síntese, que a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária à prova dos autos, eis que fora baseada nos "testemunhos prestados na fase extrajudicial, sem confirmação a partir da colheita dos mesmos em juízo" (evento 462, fl. 7, da ação penal). Subsidiariamente, requer o afastamento da qualificadora do motivo fútil (artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal).

Adianta-se que razão não lhe assiste.

Inicialmente, convém lembrar que a valoração da prova em processos relacionados a crime doloso contra à vida, de competência do Tribunal do Júri, cabe de forma exclusiva aos integrantes do Conselho de Sentença.

Somente a eles compete avaliar a veracidade das teses e argumentos apresentados nos autos, podendo se valer de todo e qualquer elemento que estiver contido nesse para decidir, tendo a prerrogativa, inclusive, de fazê-lo pela convicção íntima, sem estar preso a critérios técnicos.

Haveria a possibilidade de se anular o julgamento pelo Tribunal de Justiça para que outro fosse realizado somente se a decisão do Conselho de Sentença fosse inteiramente dissociada das provas apresentadas aos autos, ou seja, se não houvesse qualquer prova nos autos ou se esta indicasse resultado totalmente diverso do julgamento feito pelos Jurados.

Assim, se a tese não se apresenta comprovada de forma plena e indiscutível e, usando da autonomia que lhe é peculiar, os jurados optaram pela interpretação que entendeu mais verossímil nos autos, esta deve prevalecer, em cumprimento ao princípio da soberania da decisão do Tribunal do Júri.

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.HOMICÍDIO QUALIFICADO. ART. 121, § 2º, IV, DO CÓDIGO PENAL ? CP. CARANDIRU. [...] 2) VIOLAÇÃO AO ART. 593, III, "D", DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE DETERMINOU NOVO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS NÃO CONSTATADA. REVALORAÇÃO JURÍDICA DE FATOS INCONTROVERSOS. NÃO INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. 3) VIOLAÇÃO AO ART. 29 DO CP. TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE CONCLUIU POR AUSÊNCIA DE LIAME SUBJETIVO ENTRE OS CONDENADOS. QUESTÃO QUE FOI DIRIMIDA PELOS JURADOS. 4) VIOLAÇÃO AO ARTIGO 167 DO CPP. TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE CONCLUIU POR NECESSIDADE DE PERÍCIA. EXAME DE CONFRONTO BALÍSTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO. 5) AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 2. "Admite-se a anulação do julgamento do Tribunal do Júri, com fundamento no art. 593, III, d, do CPP, apenas quando a decisão dos jurados for absolutamente divorciada das provas dos autos. Optando os jurados por uma das versões apresentadas, que imputa ao apelante a autoria do crime de homicídio qualificado, a qual encontra lastro no conjunto probatório, deve ser preservado o julgamento realizado pelo Tribunal Popular" (AgRg no AREsp 1478300/ES, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 10/9/2019). 2.1. "Consoante a doutrina e a jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, "o recurso de apelação interposto pelo art. 593, inciso III, alínea "d", do CPP, não autoriza a Corte de Justiça a promover a anulação do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, simplesmente por discordar do juízo de valor resultado da interpretação das provas, como ocorrera na espécie" (AgRg no HC 506.975/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/06/2019, DJe 27/06/2019). Precedentes" (AgRg no REsp 1814315/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 17/9/2019). 2.2. No caso concreto, o Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso de apelação, ao apreciar a prova dos autos, concluiu por existência de decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, em cotejo de provas que corroboram tanto a tese defensiva quanto a tese acusatória, sem apontar prova cabal a respeito do acontecido. Assim, mediante leitura dos atos decisórios, constatou-se violação ao art. 593, III, "d", do CPP, sem esbarrar no óbice do revolvimento fático-probatório, vedado conforme Súmula n. 7 desta Corte. [...] 5. Agravo regimental desprovido.(AgRg no REsp 1895572/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 10/08/2021, DJe 16/08/2021 - grifou-se).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. QUALIFICADORAS. CONDENAÇÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. NÃO OCORRÊNCIA. SOBERANIA DOS VEREDITOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Somente se admite a cassação do veredicto se flagrantemente desprovido de elementos mínimos de...

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