Acórdão Nº 5002210-82.2020.8.24.0166 do Terceira Câmara Criminal, 31-08-2021

Número do processo5002210-82.2020.8.24.0166
Data31 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5002210-82.2020.8.24.0166/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: JOÃO VITOR DA VEIGA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Forquilhinha, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra João Vitor Veiga, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:

No dia 6 de outubro de 2020, por volta das 16h30min, na Rua João Mezzari, s/n, Santa Cruz, neste município e Comarca de Forquilhinha/SC, o denunciado JOÃO VITOR DA VEIGA transportava em seu veículo, para fins de comercialização, uma pequena porção de maconha, bem como mantinha em depósito e guardava no interior na sua residência, também com finalidade mercantil, uma porção pequena e um torrão maior de maconha, com massa total de 106,06g (cento e seis gramas e seis centigramas), além de dezessete pinos de cocaína, com peso de 13,08g (treze gramas e oito centigramas), e uma porção de cocaína com massa de 15,06g (quinze gramas e seis centigramas), tudo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Segundo se apurou, uma guarnição da Polícia Militar fazia rondas no bairro Santa Cruz, em local conhecido pelo tráfico de drogas, quando os policiais militares avistaram o denunciado na condução do veículo VW/Parati Crossover, de placa HCO-1G71. Diante da conduta suspeita do denunciado, que demostrou nervosismo ao avistar a viatura, os policiais resolveram proceder à sua abordagem, o que ocorreu em frente à casa de João Vítor após este estacionar o veículo que dirigia.

Realizada a revista pessoal e veicular, os policiais militares lograram êxito em apreender uma pequena porção de maconha no assoalho do carro, escondida embaixo do tapete do motorista.

Ato contínuo, em razão do denunciado ter franqueado a entrada na sua residência, os policiais entraram no imóvel e de imediato encontraram em cima da mesa os dezessete pinos de cocaína prontos para venda, uma pequena porção de maconha, uma porção maior de cocaína, além de balança de precisão, embalagens de pinos vazias e uma sacola plástica contendo um faca, um esmurrugador, saquinhos plásticos e uma tesoura, tudo ligado ao comércio espúrio.

Além disso, acionado o canil para fazer buscas no local, foram encontradas dentro do encosto do sofá um torrão de maconha e um simulacro de arma de fogo.

Registra-se ainda que fora apreendido a quantia de R$50,00 (cinquenta reais) em dinheiro (ev. 01).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado às penas de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, em seu mínimo legal, por infração ao disposto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06. Foi-lhe negado o direito de apelar em liberdade (ev. 68).

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual suscitou, em preliminar, a nulidade da prova produzida em razão da invasão de domicílio, como ainda a falta de fundamentação sobre a materialidade quando da sentença proferida. No mérito, alegou "sua inocência quanto aos atos falsamente imputados previstos no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006". Ainda requereu a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, na fração máxima de 2/3 (dois terços). Por fim, pugnou pela concessão do direito de recorrer em liberdade (ev. 78).

Juntadas as contrarrazões (ev. 84), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto (ev. 09).

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por João Vitor Veiga contra decisão que julgou procedente a denúncia e o condenou à sanção prevista no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06.

O apelo é de ser conhecido, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Persegue a defesa a nulidade da prova produzida em razão da invasão de domicílio. Ainda requereu a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, na fração máxima de 2/3 (dois terços). Por fim, pugnou pela concessão do direito de recorrer em liberdade.

Da preliminar de ilicitude da prova

Busca a defesa ver declarada a nulidade da prova produzida em razão da invasão de domicílio. Argumenta a ausência de fundamentação na sentença sobre investida da polícia em propriedade particular do apelante. Aduz que, dentro da casa ou em sua propriedade, a validade e regularidade da ação policial depende da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão.

A preliminar suscitada não merece prosperar.

Ao contrário do que sustentou a defesa, a sentença enfrentou a preliminar de nulidade da prova, e assim rechaçou-a:

A jurisprudência orienta-se no sentido de que a invasão domiciliar (art. 5°, XI, da CF) por autoridades policiais sujeita-se ao controle jurisdicional subsequente, condicionando-se a validade da medida à demonstração de que havia prévias suspeitas da prática de crime no local, ainda que em flagrante permanente. A higidez do ato não é ditada exclusivamente pelo sucesso da diligência (cf. STF. RE n. 603616).

No caso, contudo, tal orientação está preservada.

Com efeito, os policiais militares relataram que o réu, ao avistar a viatura, comportou-se de forma a acelerar o veículo, demonstrando certa desconfiança, ainda mais que a localidade é conhecida por ser ponto de tráfico de drogas.

Associado a isto, antes de adentrar à residência, foi encontrada droga vulgarmente conhecida como maconha no interior do veículo conduzido pelo réu, o que, além de configurar crime, gerou ainda mais suspeita de o autor possuir outros entorpecentes em seu cômodo.

O fato foi objeto de questionamentos pela defesa durante a instrução processual. Contudo, apesar dos questionamentos, não foram produzidas provas que comprovassem a invasão domiciliar sem prévia constatação de flagrante crime, como testemunhas que poderiam ter visualizado a suposta entrada irregular dos agentes públicos.

Ademais, em havendo suspeitas acerca do narcotráfico, crime classificado como permanente, consequentemente, o momento consumativo prorroga-se no tempo, autoriza-se a invasão na residência a partir das suspeitas, em especial quando o indivíduo visualizado em atitude suspeita e na posse de entorpecente previamente ao ingresso na casa.

Nessa toada, presente a justa causa para o ingresso dos policiais militares na residência, o que por si só, autoriza a relativização do princípio da inviolabilidade de domicílio.

Diante disso, entendo que não há ilicitude na invasão do domicílio, nas provas lá obtidas e na prisão em flagrante do(s) acusado(s), pois a suspeita do crime de tráfico de drogas se confirmou com a apreensão de drogas com características que evidenciam o narcotráfico.

Destarte, a versão de que os policiais invadiram o imóvel sem fundadas suspeitas e sem consentimento não encontra respaldo nos autos.

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO PELA ILICITUDE DAS PROVAS. INEXISTÊNCIA. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTRUMENTO NOTICIADOR DE FATO ILÍCITO. FLAGRANTE. INVASÃO DE DOMICÍLIO. RESPALDO LEGAL. CRIME PERMANENTE. SÚMULA 568/STJ. RECURSO DESPROVIDO. 1. A garantia constitucional de inviolabilidade ao domicílio é excepcionada nos casos de flagrante delito, não se exigindo, em tais hipóteses, mandado judicial para ingressar na residência do agente. Todavia, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. No caso, os elementos concretos constatados na diligência iniciada a partir de uma denúncia anônima e que inclusive resultou na apreensão de razoável quantidade de cocaína legitimaram a atuação policial. 2. Incidência da Súmula 568/STJ: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema". 3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp 1308346/AM, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 04/09/2018).

Colhe-se também da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT DA LEI N. 11.343/06). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. ALEGADA A NULIDADE DA COLHEITA DE PROVAS, UMA VEZ QUE A BUSCA DOMICILIAR FOI REALIZADA SEM O RESPECTIVO MANDADO JUDICIAL E SEM INDÍCIOS DA OCORRÊNCIA DE FLAGRANTE DELITO. INOCORRÊNCIA. AUTORIZAÇÃO DO APELANTE QUE ASSINOU TERMO LAVRADO PELOS POLICIAIS MILITARES CONCORDANDO COM A ENTRADA EM SUA RESIDÊNCIA. EXISTÊNCIA DE DENÚNCIA ANÔNIMA RECEBIDA PELA GUARNIÇÃO DE QUE NA RESIDÊNCIA DO APELANTE FUNCIONAVA UM "PONTO DE VENDA E USO DE DROGAS". APREENSÃO COM O PRÓPRIO APELANTE DE PEDRAS DE CRACK, AS QUAIS CARACTERIZAM A EXISTÊNCIA DO CRIME PERMANENTE DE TRÁFICO DE DROGAS. EVIDENCIADO O FLAGRANTE DELITO QUE CHANCELA A ENTRADA DOS AGENTES PÚBLICOS NA RESIDÊNCIA DO APELANTE SEM A NECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL. PRELIMINAR RECHAÇADA. "Não resta evidenciada a nulidade da busca e apreensão domiciliar, se os autos revelam razões suficientes para a suspeita da prática de crimes, ainda mais em se tratando de crime de tráfico de entorpecentes, cuja natureza é permanente, tornando desnecessária, inclusive, a expedição de mandado de busca e apreensão para a realização da diligência [...] (Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2015.042841-7, de Itajaí, rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. 22-09-2015).

Ademais, não se pode olvidar que o STF dispõe que: "A Constituição Federal autoriza a prisão em flagrante...

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