Acórdão Nº 5002225-62.2021.8.24.0054 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 09-06-2022

Número do processo5002225-62.2021.8.24.0054
Data09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5002225-62.2021.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: INGO NEUBER (AUTOR) APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.

RELATÓRIO

Ingo Neuber interpôs recurso de apelação cível (evento 21 autos do 1º grau) em face da sentença, que, proferida pelo juízo da Vara Regional de Direito Bancário da Comarca de Rio do Sul, julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência de relação jurídica cumulada com indenização por danos morais por ele ajuizada em face da instituição financeira apelada, Banco Bonsucesso S/A, incorporado pelo Banco Santander S.A, nos seguintes termos (evento 17, autos do 1º grau):

INGO NEUBER propôs Ação Anulatória de Contrato c/c Obrigação de Fazer contra BANCO SANTANDER BRASIL S.A., ambos qualificados na inicial. Aduziu que celebrou contrato de empréstimo com a parte ré, o qual restou efetivado em modalidade diversa da pretendida, pois desejava firmar empréstimo consignado, que restou pactuado na modalidade cartão de crédito consignado com RMC (Reserva de Margem Consignável). Sustentou a existência de falha na informação ao consumidor e de conduta abusiva da instituição financeira ré, consistente na venda casada de cartão de crédito, o que gerou o desvirtuamento do contrato firmado pelas partes, ensejando sua nulidade. Pugnou pela declaração da inexistência da contratação de "empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável", com a repetição do indébito, bem como indenização por danos morais em razão de suposta fraude contratual. Requereu a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova, a concessão dos benefícios da justiça gratuita, valorou a causa e juntou documentos.

Houve a inversão do ônus da prova, o deferimento dos benefícios da justiça gratuita à parte autora e o reconhecimento da conexão com os autos n. 5002224-77.2021.8.24.0054 (evento 4).

Citada, a parte ré apresentou resposta por meio de contestação (evento 12). Preliminarmente, pugnou pela retificação do polo passivo. Como prejudicial de mérito defendeu a decadência da pretensão autoral. No mérito, sustentou que o contrato celebrado observou a legislação vigente e a vontade das partes. Esclareceu as características e condições da operação de crédito contratada, defendendo sua legalidade. Requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Réplica no evento 15.

É o breve relato.

Decido.

I- A causa comporta julgamento antecipado, porque embora a matéria seja de direito e de fato, não há necessidade de produção de outras provas além das já apresentadas nos autos (CPC, art. 355, inciso I).

Alega o réu, em prejudicial de mérito, a decadência da pretensão, pois passados mais de 4 anos desde o primeiro desconto no benefício da parte autora. Ocorre que, trata-se de obrigação de prestação continuada, motivo pelo qual não procede a tese deduzida.

II- A aplicação da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) aos contratos bancários é questão pacificada, conforme o enunciado sumular n. 297 do Superior Tribunal de Justiça. Contudo, apesar de se tratar de relação de consumo submetida aos ditames do CODECON, a procedência do pedido inicial reclama a demonstração de abusividade praticada pela instituição financeira, com desvantagem exagerada suportada pelo consumidor, ou ilicitude contratual, caso contrário, deve prevalecer a avença livremente firmada.

O contrato pactuado entre as partes, denominado TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO BONSUCESSO, repousa nos autos (evento 12, contrato 4), devidamente assinado pela parte autora e acompanhado dos documentos pessoais do devedor.

Sobre a veracidade dos documentos colacionados, não houve qualquer impugnação idônea, razão pela qual, na forma do art. 374, III, do CPC, reputo incontroversa a contratação. Além disso, quando se impugna autenticidade ou se suscita falsidade documental, o questionamento precisa estar baseado em argumentação específica, não se admitindo insurgências genéricas (CPC, art. 436, II e III, parágrafo único).

Ressalto, desde logo, que "as declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em relação ao signatário" (CPC, art. 408). Trata-se de presunção legal. Como tal, em sede de relação de consumo submetida à Lei n. 8.078/1990, subsistirá caso não evidenciada abusividade manifesta, assim entendida como desvantagem exagerada suportada pelo consumidor.

Infere-se que a modalidade de contratação questionada - cujo devedor, agora, meses após a contratação, entende abusiva - encontra expresso respaldo legal, conforme disposto na Lei n. 10.820/2003:

Art. 6° Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)[...] § 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (sublinhei e destaquei).

Como visto, a legislação de regência criou a possibilidade de SAQUE POR MEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO OU AMORTIZAÇÃO DE DESPESAS CONTRAÍDAS POR MEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO. Portanto, não restam dúvidas acerca da legalidade do contrato questionado.

Importante ressaltar que, conforme o extrato de pagamento acostado no evento 12, contrato 4, ao tempo da contratação, a parte autora já havia comprometido sobremaneira o limite de 30% de seu benefício previdenciário para fins de empréstimo consignado convencional. Subsistia a opção de pactuar contrato na modalidade de cartão de crédito consignado, nos moldes da Instrução Normativa do INSS n. 28/2008 e da prefalada lei, e foi o que ocorreu.

Sobre o tema, aliás, em que pese a divergência jurisprudencial, vejamos precedentes do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E TERMO DE ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO COM ABATIMENTO DE "RESERVA DE MARGEM" (RMC) DIRETAMENTE NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO PELO DEMANDANTE. BANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO. DEFENDIDA A ILEGALIDADE DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM CARTÃO DE CRÉDITO, POR AUSÊNCIA DE EXPRESSO CONSENTIMENTO COM A REALIZAÇÃO DAQUELE TIPO DE OPERAÇÃO. TESE REFUTADA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNÁVEL COM SAQUE EM CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) AUTORIZADO PELO ART. 6º, § 5º, II, DA LEI N. 10.820/2003, BEM COMO O ART. 3º, § 1º DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DO INSS N. 28/2008. NOVO ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA SOBRE O TEMA. CASO CONCRETO EM QUE A PARTE AUTORA TEVE CIÊNCIA DA NATUREZA DAQUELA OPERAÇÃO, POIS, AO TEMPO DA CONTRATAÇÃO, NÃO POSSUÍA MARGEM CONSIGNÁVEL DISPONÍVEL. RENDA JÁ COMPROMETIDA EM 27,27%, NÃO RESTANDO OUTRA OPÇÃO QUE A PACTUAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO, NA FORMA DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DO INSS N. 28 DE 2008. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. DEVER DE INDENIZAR E DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. VERBA ACRESCIDA ÀQUELA JÁ FIXADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA (ART. 85, § 11, DO CPC/15). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0301915-38.2019.8.24.0022, de Curitibanos, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 20-02-2020). (Grifei)

Ainda:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO NA MODALIDADE DE DESCONTO DA RESERVA DA MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. AVENTADA ILEGALIDADE DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM CARTÃO DE CRÉDITO, POR AUSÊNCIA DE EXPRESSO CONSENTIMENTO COM A REALIZAÇÃO DAQUELE TIPO DE OPERAÇÃO. TESE REJEITADA. NOVO ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA ACERCA DO TEMA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNÁVEL COM SAQUE EM CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) AUTORIZADO PELO ART. 6º, §5º, II, DA LEI N. 10.820/2003 E DO ART. 3º, §1º DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DO INSS N. 28/2008. CASO CONCRETO EM QUE A PARTE TEVE CIÊNCIA DA NATUREZA DAQUELA OPERAÇÃO, JÁ QUE, À ÉPOCA DA CELEBRAÇÃO DA AVENÇA, NÃO POSSUÍA MARGEM CONSIGNÁVEL DISPONÍVEL (30%), VALENDO-SE, ENTÃO, DO LIMITE ADICIONAL DE 5% (CINCO POR CENTO), DISPONIBILIZADO PARA USO DO CARTÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5012386-68.2020.8.24.0054, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Mariano do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 08-07-2021).

Por fim:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA CONSUMIDORA. CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). PACTUAÇÃO DE MÚTUO INCONTROVERSA. DEBATE QUE SE RESTRINGE À MODALIDADE EFETIVAMENTE CONTRATADA. CONTRATO ACOMPANHADO DO TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO, CONFORME ART. 21-A DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DO INSS 28/2008. DEVER DE INFORMAÇÃO CUMPRIDO PELO BANCO. CONSUMIDORA QUE TINHA PLENA CIÊNCIA SOBRE A OPERAÇÃO CONTRATADA. AUSÊNCIA...

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