Acórdão Nº 5002240-40.2021.8.24.0051 do Quarta Câmara de Direito Civil, 30-03-2023

Número do processo5002240-40.2021.8.24.0051
Data30 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5002240-40.2021.8.24.0051/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002240-40.2021.8.24.0051/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO


APELANTE: LEONOR MENEZES (REQUERENTE) APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. (REQUERIDO)


RELATÓRIO


Leonor Menezes (requerente) interpôs recurso de apelação contra sentença (Evento 19, SENT1 dos autos de origem) que, na ação declaratória de inexistência de débito e com pleito de restituição em dobro e cumulada com compensação por danos morais, aforada em desfavor do Banco Santander (Brasil) S.A. (substituto do Banco Olé Bonsucesso Consignado S.A - requerido), julgou improcedentes os pedidos exordiais.
Em atenção aos princípios relacionados à economia e à celeridade processual, adota-se para o relatório e esclarecimento dos fatos àquele redigido pelo Magistrado de Origem na sentença (Evento 19), porquanto retrata a questão em litígio e a tramitação da demanda a ser julgada.
Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c repetição de indébito e indenização por dano moral ingressada por Leonor Menezes em face do Banco Santander (Brasil) S.A.
Em apertada síntese, aduz o autor que teve conhecimento de que estavam sendo descontados valores da sua conta bancária, referentes a empréstimos consignados em seu benefício previdenciário.
O autor alega que não contratou os empréstimos ou assinou qualquer documento junto ao banco réu.
Em decisão de Evento 5, foi deferida a inversão do ônus da prova, assim como o benefício da justiça gratuita requerido pelo autor. Ainda, foi deferida a tutela provisória, para obstar que o requerido promovesse novos descontos.
Em contestação (Evento 11), o réu sustentou a regularidade dos descontos, diante da existência de contratação do empréstimo por parte do autor.
O autor aportou réplica (Evento 15, RÉPLICA1).
(Grifos no original.)
Sentenciando, o Togado de primeiro grau julgou a lide nos seguintes termos:
Ante o exposto, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial.
Revogo a tutela provisória deferida no ev. 5.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes últimos arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85 do Código de Processo Civil.
Observe-se o benefício da gratuidade judiciária concedida à parte autora.
Ainda, condeno a parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé, esta fixada em 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art 86, caput, do CPC.
Inconformada com a prestação jurisdicional, a demandante apela e apresenta suas razões recursais (Evento 23, APELAÇÃO1, p. 1-20), por meio da quais, após explanação fática, sustenta em suma sua contrariedade ao reconhecimento de validade do contrato digital, ante o fato de que "o empréstimo foi fraudulento" (p. 3). Afirma "que a operação digital confirmada pela selfie não é suficiente pra configurar uma declaração de vontade, nos termos do art. 107 do Codigo Civil" (p. 5), devendo ser observada a situação de hipossuficiência e vulnerabilidade da parte, que reafirma não ter anuído com o contrato.
Aduz, ainda, que "como se não bastasse a instituição financeira ter se utilizado do meio digital paga oferecer empréstimo consignado a pessoa idosa, este, em sua contestação não trouxe aos autos outros documentos que corroborassem coma declaração de vontade da parte autora para com a contratação, como mensagens de texto, ou e-mails, que demonstrassem a realização de tratativas previas entre as partes, o que acusa que a parte ré nada de preocupou com a vontade da pessoa do outro lado da tela" (p. 9).
Genericamente, sustenta cerceada a defesa ao não ter sido determinado ao banco a juntada de mais documentos, e reafirma os pleitos iniciais, no sentido de fazer jus à compensação por danos morais e repetição do indébito em dobro.
Intimado, o réu apresentou contrarrazões, requerendo o desprovimento do apelo (Evento 29, CONTRAZAP1, p. 1-5).
Distribuídos os autos, então, vieram conclusos.
Este é o relatório

VOTO


Trata-se de recurso de apelação combatendo sentença proferida em ação declaratória de inexistência de débitos cumulada com pleito de devolução em dobro e indenização por danos morais, demanda na qual se discute a validade de instrumento contratual de crédito, porquanto alega a apelante não tê-lo pactuado, eis que não teria manifesto desejo no empréstimo consignado que foi indevidamente contratado de forma digital.
De início, prudente destacar que a sentença foi proferida na vigência do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, por incidência do princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
O apelo é cabível, tempestivo, e a parte postulante está dispensada do pagamento de preparo, porque litiga sob a concessão do benefício da Gratuidade de Justiça (Evento 5, DESPADEC1), razão pelas quais admite-se a análise e o processamento.
Adianta-se que o recurso deve ser acolhido, culminando na necessidade de reforma da sentença e novo julgamento, no sentido da parcial procedência, nos termos da fundamentação abaixo.
I - Da apreciação segundo normas protetivas estabelecida no CDC:
Ab initio, consigna-se que a relação estabelecida entre as partes é de consumo, razão pela qual incidem na hipótese as normas protetivas previstas no Código de Defesa do Consumidor, o que inclusive foi reconhecido nos autos de origem sem oposição do apelado.
Cediço que nas relações de consumo consumidor é à pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final e de fornecedor a "toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços" (artigos 2° e 3° do Legislação Consumerista).
Desse modo, a legislação consumerista, por sua natureza protetiva, preconiza a responsabilidade civil objetiva relativa aos danos causados, fundamentada pela teoria do risco (artigo 927, parágrafo único, do Código Civil e artigos 12, 14 e 17 do CDC), ao passo que a demonstração da culpa do fornecedor de serviços, salvo exceção legal, é prescindível.
Com efeito, conforme a orientação da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".
Sobre o tema, Sérgio Cavalieri Filho leciona que:
[...] todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos. (Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 544).
Excepciona-se a responsabilidade do fornecedor apenas quando comprovada alguma situação que ocasione a ruptura do nexo de causalidade, na exegese do art. 14, § 3°, II e III do CDC, o que não se vislumbra na hipótese em análise, porquanto não foi comprovado nos autos qualquer atitude temerária por parte da consumidora para facilitação de suposta fraude ou de entrega de seus dados para terceiro para uso no meio virtual (aplicativo de acesso restrito), o que será melhor debatido no mérito.
Ainda, considerando a inversão do ônus probatório - art. 6º, VIII, do CDC - , importante registrar, desde logo, que incumbia ao banco recorrente comprovar documentalmente a regularidade da contratação e manifestação de aceite por parte da contratante.
Por fim, há que se lembrar, em que pese a aplicação das benesses da lei consumerista, que nesse tipo de relação de consumo o Grupo de Câmaras de Direito Civil deste Sodalício pacificou o entendimento de que "a inversão do ônus da prova não exime o consumidor de trazer aos autos indícios mínimos do direito alegado na inicial quando a prova lhe diga respeito" (Súmula n. 55 deste Tribunal).
Por tais diretrizes, passa-se à análise da teses recursais.
II - Da arguição de ausência de aceite da autora ao contrato digital e nulidade da avença:
Em análise aos autos, verifica-se que desde o início da demanda a tese primordial da recorrente foi no sentido de não ter contratado o empréstimo consignado relativamente ao pacto n. 225346013, que indevidamente lhe liberou o crédito de R$ 4.664,49 (quatro mil seiscentos e sessenta e quatro reais e quarenta e nove centavos), para pagamento em 84 (oitenta e quatro) prestações de R$ 113,00 (cento e treze reais), que seriam descontadas diretamente em seu benefício previdenciário a partir de 08/2021.
Após a contestação, o apelado afirmou a legalidade, e que a dívida em questão, relacionada ao contrato acima numerado, referia-se à Cédula de Crédito Bancário contratada por meio digital, e juntou o pacto e suposta assinatura eletrônica (Evento 11, DOCUMENTACAO).
Em réplica, embora a apelante não tenha questionado haver registro de seu telefone e sua foto em suposta transação, aduziu que teria sido ludibriada, em verdadeira fraude, pois "nem propriamente foi quem tirou a fotografia tida como a assinatura do contrato conforme colhe-se do...

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