Acórdão Nº 5002250-40.2022.8.24.0022 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 22-09-2022

Número do processo5002250-40.2022.8.24.0022
Data22 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5002250-40.2022.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: SEBASTIAO ALVES PEREIRA (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

SEBASTIAO ALVES PEREIRA interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Elton Vitor Zuquelo, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO BMG S.A, em curso perante o juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Curitibanos, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

Sebastião Alves Pereira qualificado, ajuizou AÇÃO DECLARATÓRIA, c/c INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS E OBRIGAÇÃO DE FAZER contra Banco BMG S.A. também qualificado, ao argumento de que percebe benefício previdenciário de pensão por morte, NB: 135.208.949-9 e, nesta condição realizou contratos de empréstimos consignados em vários Bancos, inclusive junto ao Réu. Relata que acreditava estar realizando mais um empréstimo nesta modalidade, sendo informado que o pagamento seria realizado com os descontos mensais diretamente do seu benefício, conforme sistemática de pagamento dos empréstimos consignados. Entretanto, informa que foi surpreendido com o desconto de Reserva de Margem Consignável de Cartão de Crédito - RMC, dedução muito diferente do empréstimo consignado almejado. Afirma que nunca recebeu o cartão de crédito, tão pouco utilizou-se dele para algo, e mesmo assim estão ocorrendo descontos em seu benefício. Esclarece que os serviços em momento algum foram solicitados ou, contratados, já que apenas requereu e autorizou empréstimo consignado e não via cartão de crédito. Aduz que a modalidade de empréstimo via cartão, na prática, é impagável, pois, ao realizar a reserva da margem de 5% e efetuar o desconto do valor mínimo diretamente nos proventos da parte autora, debita-se mensalmente apenas os juros e encargos de refinanciamento do valor total da dívida. Postula a tutela de urgência. Apresenta sua fundamentação jurídica e demais argumentos a seu favor. Junta documentos. Pede a procedência.

Citado, o banco Réu contesta arguindo inépcia da inicial e falta de interesse de agir. Levantou prejudicial de mérito pela prescrição. Meritualmente, defende a legalidade da contratação. Aduz que houve solicitação para emissão do cartão de crédito, cuja pactuação se deu através de contrato escrito, e que o valor foi liberado na modalidade de antecipação do crédito diretamente na conta do autor, e de uso dos valores mediante saques. Disse que essas condições foram previamente esclarecidas ao postulante, que as aceitou e utilizou regularmente os serviços fornecidos pela parte acionada. A alegação de desconhecimento nesses casos é inadmissível, pois o negócio jurídico é legal, houve cumprimento do dever de informação e uso dos serviços, sendo impositiva a improcedência dos pedidos iniciais. Juntou documentos.

Houve réplica.

DECISÃO:

Prescindível a colheita de outras provas, visto como as questões postas são eminentemente de direito.

Inocorre inépcia da inicial na forma do art. 330, §2 do CPC, visto que o pleito autoral pretende o reconhecimento da ilegalidade da contratação e afastamento da RMC em seu benefício previdenciário, inexistindo requerimento acerca de revisão de cláusulas contratuais.

Rechaça-se a prefacial de falta de interesse de agir, pois, delineada a causa de pedir e deduzido pedido consentâneo, reconhece-se o interesse de agir, sendo cabível decisão meritual.

Suscita o réu ocorrência de prescrição com relação à restituição dos valores indevidos, alegando ser de três anos o prazo prescricional nos termos do art.206, §3º do Código Civil. Contudo, razão não lhe assiste.

No caso dos autos, configura-se relação de consumo, sendo o prazo prescricional regulado pelo art. 27 do CDC, que estabelece cinco anos para prescrição em decorrência de defeito do produto ou do serviço. Conta-se o prazo a partir da data do desconto indevido, o qual, no caso concreto, dá-se mês a mês e por isso não há prescrição a ser declarada. O precedente confirma:

"É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido" (STJ,AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019). (TJSC/ AC n. 0300058-31.2019.8.24.0060. Rel.: Des. Robson Luz Varella. Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Comercial. Julgado em: 03/12/2019).

Atendendo a relação de consumo entre as partes, aplica-se ao julgamento desta ação o Código de Defesa ao Consumidor.

Meritualmente, sabe-se que a modalidade de contratação de empréstimos via reserva de margem consignável foi autorizada pela medida provisória nº 681/2015, que foi convertida na lei nº 13.172/2015.

Portanto, possível a legalidade do negócio jurídico, desde que estabelecido de acordo com a norma específica regencial, quer dizer, instrução normativa INSS/PRES nº 28, de 16 de maio de 2008 - Dou de 19/05/2008, que, em seu art. 15, prevê:

Art. 15. Os titulares dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão constituir RMC para utilização de cartão de crédito, de acordo com os seguintes critérios, observado no que couber o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa:

I - a constituição de RMC somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por escrito ou por meio eletrônico, sendo vedada à instituição financeira: emitir cartão de crédito adicional ou derivado; e cobrar taxa de manutenção ou anuidade;

II - a instituição financeira poderá cobrar até R$15,00 (quinze reais) de taxa pela emissão do cartão que, a critério do beneficiário, poderá ser parcelada em até três vezes.

Inobstante a previsão regencial para constituição de reserva de margem consignável, há de se atentar para a necessidade de solicitação formal firmada pelo titular do benefício para instituição da margem consignável.

Apresenta o Banco réu, contrato realizado entre as partes, no evento 12.3. O documento prevê a liberação de valor para a conta corrente titularizada pelo postulante. O contratante apôs sua assinatura e recebeu o crédito, daí que se consideram autênticas as peças.

Ademais disso, consoante histórico anexado junto ao evento n. 12.3, pg. 8, na época da negociação, não poderia o autor ter contratado empréstimo consignado comum, pois a margem destinada àquela modalidade estava ocupada em sua totalidade. Considerando o montante contratado, só poderia o consumidor usufruir dos valores utilizando a porcentagem disponível junto à RMC.

Dos demais documentos, verifica-se as faturas vinculadas ao cartão de crédito contratado com devido abatimento de saldo devedor, eventos n. 12.2, pg. 2 a 46, bem como a liberação de valores em favor do autor, evento n. 12.2, pg. 1.

Em circunstâncias assim, não se reconhece o alegado vício de consentimento, nem a fraude imputada ao réu. Pelo que se repele a tese de que o mutuário desconhecia o contrato negociado.

Outrossim, a liberação de crédito por documento hábil que não via saque junto ao próprio contrato de cartão de crédito, com envio ou não do plástico ao consumidor, não autoriza interpretação que se trata de negócio diverso, máxime quando expressamente contratada.

No contrato, dados relevantes:

TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO

VIII- AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO: 8.1. Através do presente documento o(a) ADERENTE/TITULAR autoriza a sua fonte pagadora/empregadora, de forma irrevogável e irretratável, a realizar o desconto mensal em sua remuneração/salário/benefício, em favor do BANCO BMG S.A. para o pagamento correspondente ao valor mínimo indicado na fatura mensal do cartão de crédito consignado ora contratado. 8.2. O(A) ADERENTE/TITULAR declara que está de acordo com o valor a ser averbado, conforme disposto no quadro IV.

Com efeito, os termos contratuais aos quais aderiu o autor são claros, afastando-se a alegação de vícios e falta de informação, evidenciado a natureza própria de adesão a cartão de crédito e, diante da regulação normativa específica, não há que se falar na anulação do avençado:

Certo que o contrato de empréstimo por meio de saque via cartão de crédito "RMC - RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL" tem previsão legal e regulamentar e, desde que a contratação esteja provada e o valor efetivamente liberado em favor do autor pela instituição financeira, o negócio é legítimo. (TJSC, Recurso Inominado n. 0300075-72.2017.8.24.0083, de Correia Pinto, rel. Des. Sílvio Dagoberto Orsatto, Sexta Turma de Recursos - Lages, j. 22-03-2018).

Entrementes, embora fosse viável verificar se a taxa de juros praticada atende à instrução normativa INSS/PRES nº 28, de 16 de maio de 2008 - Dou de 19/05/2008, há precedente no sentido de que essa providência só pode ser adotada em havendo pedido expresso do autor, sob pena da sentença ser considerada extra petita. Precedente:

PRONUNCIAMENTO "EX OFFICIO" NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA POR JULGAMENTO "EXTRA PETITA". CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE E DEVE SER CONSTATADA E DECLARADA, DE OFÍCIO, NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO, POR FORÇA DO EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO. INICIAL QUE NÃO CONTEMPLA FUNDAMENTAÇÃO E NEM PEDIDO PARA REVISÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS PREVISTA NO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES, MAS SE INSURGE ESSENCIALMENTE CONTRA O TIPO DE CRÉDITO E NATUREZA DA OPERAÇÃO CONTRATADA. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS QUE REPRESENTA REVISÃO CONTRATUAL PROMOVIDA DE OFÍCIO, VEDADA PELO ORDENAMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. ARTIGOS. 141 E 492 DO CPC/2015. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA QUE DEMANDA A CASSAÇÃO DA SENTENÇA NO PONTO EM QUE ESTA EXORBITA OS LIMITES OBJETIVOS DA LIDE, 2...

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