Acórdão Nº 5002273-42.2019.8.24.0005 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 22-09-2020

Número do processo5002273-42.2019.8.24.0005
Data22 Setembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5002273-42.2019.8.24.0005/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: BANCO BMG SA (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478) APELADO: APARECIDO DONIZETE GOMES (AUTOR) ADVOGADO: FAGNER FERNANDS FARIAS (OAB SC035932)


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Banco BMG SA contra sentença de procedência (evento 18) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:
Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE a presente Ação Declaratória de Nulidade de contrato e indenização por Danos Morais proposta por APARECIDO DONIZETE GOMES em face de BANCO BMG SA para declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, em consequência:
a) condenar o réu a restituir em favor da parte autora, na forma simples, os descontos indevidamente promovidos do benefício previdenciário do mutuário, acrescidos de juros moratórios de 1% do trânsito em julgado (efeito ex nunc da anulabilidade - art. 177 do Código Civil) e de correção monetária pelo INPC/IBGE a partir de cada desconto (pagamento/desembolso);
b) condenar o réu ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais em favor da parte autora, acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação (ilícito contratual) e correção monetária pelo INPC/IBGE a partir da data desta sentença (súmula 362 do STJ);
c) determinar à parte autora a restituição ao réu dos valores sacados e/ou utilizados do limite do cartão de crédito, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês da data do trânsito em julgado (efeito ex nunc da anulabilidade - art. 177 do Código Civil) e correção monetária pelo INPC/IBGE da data do saque ou utilização do crédito;
d) autorizar a compensação na forma do art. 368 do Código Civil;
e) condenar a instituição financeira ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios à razão de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação - montante dos valores descontados da parte autora e do dano moral, forte no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Em suas razões recursais (evento 22), a casa bancária sustenta, primeiramente, a ocorrência de prescrição. No mais, alega, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que o apelado teria sido levado a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, o recorrido já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Aduz a inexistência de termo final a caracterizar em dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, na data do vencimento da fatura, constitui liberalidade do autor. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores, razão pela qual não há falar em nulidade. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.
Não foram apresentadas contrarrazões (evento 36).
Este é o relatório

VOTO


Insurge-se a instituição financeira contra sentença de procedência da ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais.
Os pontos atacados no apelo serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Prescrição (irresignação da ré)
Como prejudicial de mérito, a recorrente afirma a prescrição da pretensão autoral de indenização dos danos morais e materiais, alegando que a pretensão da parte recorrida, visando indenização por danos morais e materiais, encontra-se prescrita, conforme regra disposta no art. 206, § 3º, V, do Código Civil.
Enuncia referido dispositivo: "Art. 206. Prescreve: [...] § 3º. Em três anos: [...] V - a pretensão de reparação civil; [...]".
Sem razão, a apelante.
Conforme tem se manifestado este Órgão Fracionário, "a pretensão da demandante tem natureza dúplice, qual seja, declaratória, que visa a nulidade do contrato em razão de abusividades e condenatória, que almeja o ressarcimento pelos descontos indevidos, bem como a indenização por danos morais. Contudo, sob qualquer ótica, seja quanto a pretensão declaratória ou, ainda, a condenatória, não há falar em prescrição" (Apelação Cível n. 0302134-35.2019.8.24.0092, rel. Des. Rejane Andersen, j. em 24/9/2019), porquanto em se tratando de relação de trato sucessivo, no qual, a cada desconto indevido, surge uma nova lesão, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data do última dedução realizada no benefício previdenciário da autora.
Nesse sentido:
É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido (STJ,AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019) (sem grifos no original)
E:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o entendimento desta Corte, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. No tocante ao termo inicial do prazo prescricional, o Tribunal de origem entendeu sendo a data do último desconto realizado no benefício previdenciário da agravante, o que está em harmonia com o posicionamento do STJ sobre o tema: nas hipóteses de ação de repetição de indébito, "o termo inicial para o cômputo do prazo prescricional corresponde à data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento" (AgInt no AREsp n. 1056534/MS, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 20/4/2017, DJe 3/5/2017). Incidência, no ponto, da Súmula 83/STJ. 3. Ademais, para alterar a conclusão do acórdão hostilizado acerca da ocorrência da prescrição seria imprescindível o reexame do acervo fático-probatório, vedado nesta instância, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 1372834/MS, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 29/3/2019) (sem grifos no original)
Dessarte, ainda que aplicada a contagem do prazo prescricional de três anos insculpido no art. 206, § 3º, do Código Civil, respectivo lapso no mínimo teve seu curso iniciado em 10/7/2019 (evento 10, outros 4), uma vez que a última fatura noticiada aos autos detém esta data de dedução, podem vir a existir outras datadas posteriormente.
Portanto, rejeita-se a rebeldia, no ponto.
Contratação via cartão de crédito consignado
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
Consta do petitório inicial o relato a seguir reproduzido:
Ocorre que, por longo tempo esta sendo descontado de sua folha a parcela de rubrica "RMC", contudo, ao contrário dos demais empréstimos, neste não há previsão de quitação, observe-se que sequer há a referência da parcela que está sendo quitada pela parte. Ao exigir informações diretamente da instituição bancária, foi-lhe informado que o desconto de rubrica "RMC" se refere a reserva de margem consignável (RMC), para pagamento parcial de cartão de crédito! Isto é, o valor que está sendo descontado da margem consignável da parte autora serve apenas para pagar parte dos juros do mês, em nada amortizando o pagamento da dívida originária.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária do autor, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência do demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.
Pois bem.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente"...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT