Acórdão Nº 5002305-76.2020.8.24.0081 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 29-06-2021

Número do processo5002305-76.2020.8.24.0081
Data29 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5002305-76.2020.8.24.0081/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: CATARINA DE DEUS (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867) ADVOGADO: ADRIANA DONHAUSER APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Banco BMG S.A e Catarina de Deus contra sentença de parcial procedência (evento 26) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:
ANTE O EXPOSTO, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para o fim de:
a) DECLARAR a nulidade do contrato de adesão a cartão de crédito firmado pela parte autora;
b) DECLARAR, em face da necessidade de devolução da quantia recebida por meio de operação de saque via cartão, que os montantes sacados deveriam ter sido adimplidos em 60 parcelas mensais fixas de R$ 73,11 (setenta e três reais e onze centavos), já incluídos juros de 2,14% ao mês (setembro/2008), que é a taxa média de mercado aplicada aos empréstimos consignados concedidos à aposentados/pensionistas do Regime Geral de Previdência Social na data do saque; e
c) CONDENAR a ré ao pagamento de indenização por danos morais em favor da autora no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescida de correção monetária pelo INPC a partir do arbitramento (STJ, Súmula 362) e de juros de mora de 1% ao mês, a contar do evento danoso.
Os valores que já foram descontados diretamente dos proventos de aposentadoria da parte autora servirão de crédito para abatimento da dívida. Sobre o cálculo do débito da parte autora não poderão ser computados os encargos relativos às tarifas de emissão de cartão de crédito e juros moratórios, uma vez que a incidência se deu em razão da forma ilícita da contratação e deverá ser utilizado o valor fixado em danos morais para fins de quitação do saldo devedor. Quanto a eventual saldo devedor remanescente, fica autorizada a manutenção da reserva da margem consignável dos proventos do consumidor até a integral quitação do débito. Caso verificado que os descontos já superaram o saldo devedor, deve o réu proceder à restituição simples dos valores excedentes, acrescidos de correção monetária pelo INPC a partir do desembolso, e de juros de mora, à taxa de 12% ao ano, a partir da citação.
Outrossim, na forma dos art. 296 c/c o art. 300, ambos do CPC, DEFIRO a tutela de urgência para determinar a imediata cessação dos descontos que estão sendo feitos no benefício previdenciário da autora.
Em razão da sucumbência, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, devidamente atualizado (CPC, art. 85, § 2.º).
P.R.I. Transitada em julgado e não havendo pendências, arquive-se.
Em suas razões recursais (evento 34), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Aduz a inexistência de termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, na data do vencimento da fatura, constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores, razão pela qual não há falar em nulidade. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.
A demandante, por sua vez (evento 41), pleiteia a majoração do valor indenizatório.
Foram apresentadas contrarrazões (evento 45).
Este é o relatório

VOTO


Insurge-se a instituição financeira contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais.
Os pontos atacados no apelo serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Prescrição
Como prejudicial de mérito, a recorrente afirma a prescrição da pretensão autoral de indenização dos danos morais e materiais, alegando que a pretensão da parte recorrida, visando indenização por danos morais e materiais, encontra-se prescrita, conforme regra disposta no art. 206, § 3º, V, do Código Civil.
Enuncia referido dispositivo: "Art. 206. Prescreve: [...] § 3º. Em três anos: [...] V - a pretensão de reparação civil; [...]".
Sem razão, a apelante.
Conforme tem se manifestado este Órgão Fracionário, "a pretensão da demandante tem natureza dúplice, qual seja, declaratória, que visa a nulidade do contrato em razão de abusividades e condenatória, que almeja o ressarcimento pelos descontos indevidos, bem como a indenização por danos morais. Contudo, sob qualquer ótica, seja quanto a pretensão declaratória ou, ainda, a condenatória, não há falar em prescrição" (Apelação Cível n. 0302134-35.2019.8.24.0092, rel. Des. Rejane Andersen, j. em 24/9/2019), porquanto em se tratando de relação de trato sucessivo, no qual, a cada desconto indevido, surge uma nova lesão, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data do última dedução realizada no benefício previdenciário da autora.
Nesse sentido:
É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido (STJ,AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019) (sem grifos no original)
E:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o entendimento desta Corte, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. No tocante ao termo inicial do prazo prescricional, o Tribunal de origem entendeu sendo a data do último desconto realizado no benefício previdenciário da agravante, o que está em harmonia com o posicionamento do STJ sobre o tema: nas hipóteses de ação de repetição de indébito, "o termo inicial para o cômputo do prazo prescricional corresponde à data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento" (AgInt no AREsp n. 1056534/MS, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 20/4/2017, DJe 3/5/2017). Incidência, no ponto, da Súmula 83/STJ. 3. Ademais, para alterar a conclusão do acórdão hostilizado acerca da ocorrência da prescrição seria imprescindível o reexame do acervo fático-probatório, vedado nesta instância, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 1372834/MS, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 29/3/2019) (sem grifos no original)
Dessarte, ainda que aplicada a contagem do prazo prescricional de três anos insculpido no art. 206, § 3º, do Código Civil, respectivo lapso sequer teve seu curso iniciado pois, na data do ajuizamento da presente demanda (05/08/2020), o dano discutido sequer havia cessado.
Portanto, rejeita-se a rebeldia, no ponto.
Contratação via cartão de crédito consignado
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando sua conversão aos parâmetros usualmente adotados em empréstimos consignados.
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.
Pois bem.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).
Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo"...

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