Acórdão Nº 5002321-02.2019.8.24.0037 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 01-11-2022

Número do processo5002321-02.2019.8.24.0037
Data01 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5002321-02.2019.8.24.0037/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: BANCO PAN S.A. (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478) APELADO: LEILA DA SILVA ABRAAO (AUTOR) ADVOGADO: RAFAEL DUTRA DACROCE (OAB SC044558)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por BANCO PAN S.A. e LEILA DA SILVA ABRAAO contra sentença de parcial procedência (evento 64) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por LEILA DA SILVA ABRAÃO em face de do BANCO PAN S.A., com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:

a) declarar a nulidade das contratações dos cartões de crédito com Reserva de Margem Consignável - RMC e, por consequência, determinar o cancelamento do cartão de crédito contratado;

b) determinar a adequação do contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo consignado, nos valores obtidos pela parte autora através dos saques, tendo por base os encargos definidos pelo Banco Central do Brasil para tal modalidade de empréstimo (pessoal consignado), na data da contratação, com abatimento das parcelas já adimplidas mediante descontos a título de Reserva de Margem Consignável, o que deverá ser oportunamente apurado na fase de cumprimento de sentença. Em eventual hipótese de remanescer saldo devedor, eventuais futuros descontos poderão ser efetuados na folha de pagamento da parte autora, sendo que no caso de não dispor de margem consignável, os descontos deverão ser suspensos até que haja margem consignável disponível;

c) em caso de se apurar crédito em favor da parte autora, determinar a repetição do indébito na forma simples, incidindo sobre tais valores correção monetária pelo INPC/IBGE a contar de cada desembolso, além de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação.

Ante a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais na proporção de 50% para a parte autora e 50% para a parte ré. Fixo honorários advocatícios em 10% valor atualizado da causa, na forma do art. 85, § 2º, do CPC, a serem rateados na mesma proporção das custas.

Fica suspensa a exigibilidade de tais verbas para a parte autora, tendo em vista a concessão do benefício da gratuidade da justiça.

P.R.I.

Com o trânsito em julgado, arquive-se.

Em suas razões recursais (evento 92), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, a autora (evento 73) requer a condenação da casa bancária ré ao pagamento de indenização por danos morais, haja vista o ilícito praticado por esta, e, ao final, redistribuição dos ônus sucumbenciais.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 84 e 99).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Prescrição (irresignação da ré)

Como prejudicial de mérito, a recorrente afirma a prescrição da pretensão autoral de indenização dos danos morais e materiais, alegando que a pretensão da parte recorrida, visando indenização por danos morais e materiais, encontra-se prescrita, conforme regra disposta no art. 206, § 3º, V, do Código Civil.

Enuncia referido dispositivo: "Art. 206. Prescreve: [...] § 3º. Em três anos: [...] V - a pretensão de reparação civil; [...]".

Sem razão, a apelante.

Conforme tem se manifestado este Órgão Fracionário, "a pretensão da demandante tem natureza dúplice, qual seja, declaratória, que visa a nulidade do contrato em razão de abusividades e condenatória, que almeja o ressarcimento pelos descontos indevidos, bem como a indenização por danos morais. Contudo, sob qualquer ótica, seja quanto a pretensão declaratória ou, ainda, a condenatória, não há falar em prescrição" (Apelação Cível n. 0302134-35.2019.8.24.0092, rel. Des. Rejane Andersen, j. em 24/9/2019), porquanto em se tratando de relação de trato sucessivo, no qual, a cada desconto indevido, surge uma nova lesão, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data do última dedução realizada no benefício previdenciário da autora.

Nesse sentido:

É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido (STJ,AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019) (sem grifos no original)

E:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o entendimento desta Corte, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. No tocante ao termo inicial do prazo prescricional, o Tribunal de origem entendeu sendo a data do último desconto realizado no benefício previdenciário da agravante, o que está em harmonia com o posicionamento do STJ sobre o tema: nas hipóteses de ação de repetição de indébito, "o termo inicial para o cômputo do prazo prescricional corresponde à data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento" (AgInt no AREsp n. 1056534/MS, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 20/4/2017, DJe 3/5/2017). Incidência, no ponto, da Súmula 83/STJ. 3. Ademais, para alterar a conclusão do acórdão hostilizado acerca da ocorrência da prescrição seria imprescindível o reexame do acervo fático-probatório, vedado nesta instância, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 1372834/MS, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 29/3/2019) (sem grifos no original)

Dessarte, ainda que aplicada a contagem do prazo prescricional de três anos insculpido no art. 206, § 3º, do Código Civil, respectivo lapso sequer teve seu curso iniciado pois, na data do ajuizamento da presente demanda (05/11/2019), o dano discutido sequer havia cessado, conforme se evidencia dos extratos anexods aos autos, que apontam dedução à título de "pagamento débito em folha" em novembro de 2019 (evento 24, fatura 6, p.43).

Portanto, rejeita-se a rebeldia, no ponto.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando "a adequação do contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo consignado, nos valores obtidos pela parte autora através dos saques, tendo por base os encargos definidos pelo Banco Central do Brasil para tal modalidade de empréstimo (pessoal consignado), na data da contratação, com abatimento das parcelas já adimplidas mediante descontos a título de Reserva de Margem Consignável, o que deverá ser oportunamente apurado na fase de cumprimento de sentença" (evento 64).

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT