Acórdão Nº 5002330-93.2019.8.24.0091 do Terceira Câmara de Direito Público, 26-01-2021

Número do processo5002330-93.2019.8.24.0091
Data26 Janeiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão










Apelação / Remessa Necessária Nº 5002330-93.2019.8.24.0091/SC



RELATOR: Desembargador PAULO RICARDO BRUSCHI


APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO) APELADO: LUCILENE CHOUPINSKI (IMPETRANTE) ADVOGADO: NÍVEA REGINA PANGRATZ DE PAULA E SILVA ANTOCHESKI (OAB SC020961) ADVOGADO: TÉRCIO PANGRATZ DE PAULA E SILVA (OAB SC019919)


RELATÓRIO


O Estado de Santa Catarina, qualificado nos autos e inconformado com a decisão proferida, interpôs Recurso de Apelação, objetivando a reforma da respeitável sentença prolatada pela MM.ª Juíza da Vara de Direito Militar da comarca de Florianópolis (Capital), no "Mandado de Segurança" n. 5002330-93.2019.8.24.0091/SC, impetrado por Lucilene Choupinski, igualmente qualificada, a qual concedeu a segurança e, em consequência, anulou as questões n. 28, 30 e 37 e, como corlário, determinou a reclassificação da impetrante no certame.
Na inicial, a impetrante relatou ter prestado o concurso aberto pelo Edital n. 042/CGCP/2019, para admissão no Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar (CFSD), insurgindo-se, no entanto, quanto ao fato de terem sido cobradas na prova objetiva questões que, a seu ver, não estavam previstas no conteúdo programático.
Justificou o pedido no argumento de que a inclusão de temas não exigidos em edital afrontaria princípios constitucionais, uma vez que a Administração, na formulação das questões de provas de concurso público, vincula-se às regras estabelecidas no instrumento convocatório.
Assim aduzindo, postulou a anulação das questões ns. 28, 30 e 37, eis que o conhecimento exigido para sua resolução não constaria do edital de abertura de inscrições do referido concurso, postulando lhe fossem atribuídos, ao final, os pontos atinentes, reclassificando-a na lista de aprovados.
Pugnou, ainda, pela concessão dos benefícios da justiça gratuita e apresentou documentos.
A liminar foi indeferida, sendo-lhe, no entanto, concedida a benesse da justiça gratuita (evento 3).
Devidamente notificada, a autoridade impetrada apresentou as informações requeridas, destacando que, em reunião extraordinária realizada com a banca do concurso, foi confirmada a validade das questões que o impetrante pretende reavaliar, anotando que, consoante decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no tema de repercussão geral n. 485, "não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade" (evento 10).
A 8.ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, em Parecer da Dra. Thais Cristina Scheffer (evento 14), opinou pela denegação da ordem.
Conclusos os autos, sobreveio sentença (evento 17), por meio da qual a segurança postulada foi concedida, nos seguintes termos, verbis:
Diante do exposto, CONCEDO a segurança pleiteada por LUCILENE CHOUPINSKI contra ato supostamente ilegal praticado pelo POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, Presidente do Colegiado Superior de Segurança Pública - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis, Presidente da Comissão de Concursos - POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis e Comandante Geral - POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis, para que sejam anuladas somente as questões de n. 28, 30 e 37. Determino a reclassificação do(a) impetrante no certame, observando-se os demais critérios editalícios, e, obtendo a aprovação em todas as etapas e estando dentro do número de vagas contidos no Edital n. 042/CGCP/2019, seja efetuada a sua convocação para o próximo Curso de Formação de Soldados.
Sem honorários, pois incabíveis na espécie (art. 25 da Lei n. 12.016/2009).
A Fazenda Pública é isenta do pagamento de custas, por força de lei.
Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 14, §1, da Lei n. 12.016/2009).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Inconformado, o Estado de Santa Catarina apresentou recurso de apelação (evento 28). Em suas razões, aduziu a inexistência de ilegalidade manifesta ou "erro material ou teratológico", salientando que a intervenção do Poder Judiciário em concursos públicos e processos seletivos, nos termos do consolidado entendimento dutrinário e jurisprudencial, se limita ao exame da legalidade, porquanto vedada qualquer outra interferência, em especial para aferir critérios de avaliação ou, de forma direta ou indireta, substituir a própria banca examinadora.
Neste contexto, salientou não extrapolarem as questões ns. 28, 30 e 37 os limites previstos no edital, porquanto sem qualquer irregularidade no processo, com o que inexistente qualquer direito líquido e certo a ser amparado, razão pela qual pugnou pela concessão de efeito suspensivo ao recurso e, por consequência, a reforma da sentença, com a rejeição dos pedidos formulados na inicial.
Com contrarrazões nas quais foi defendida a manutenção do decisum (evento 33), ascenderam os autos a esta Corte.
Recebo-os conclusos.
Este o relatório

VOTO


Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Lucilene Choupinski, contra ato acoimado de ilegal supostamente praticado pelo Comandante Geral da Polícia Militar de Santa Catarina, Coronel Carlos Alberto de Araújo Gomes Junior, consistente, segundo a impetrante, na negativa de anulação de questões da prova objetiva do concurso público aberto pelo Edital n. 042/CGCP/2019 para a admissão no Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar (CFSD), que não estariam previstas no conteúdo programático.
Em prelúdio, registre-se que, nos termos do art. 1°, da Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009, "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".
Aliás, sobre o remédio constitucional sub examine, colhe-se da lição de José Afonso da Silva, o seguinte excerto:
"[...] dispõe a Constituição no art. 5º, LXIX: conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. [...] O mandado de segurança é, assim, um remédio constitucional, com natureza de ação civil, posto à disposição de titulares de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público" (in Curso de Direito Constitucional Positivo, 25ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005).
Quanto ao procedimento a ser observado, regulado pela Lei n. 12.016/2009, leciona Paulo Hamilton Siqueira Jr. que:
"A petição, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, em especial o art. 282 do Código de Processo Civil, sendo apresentada em duas vias, e os documentos, que instruírem a primeira, deverão ser reproduzidos, por cópia, na segunda. A inicial indicará, ainda, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições (art. 6º da Lei n. 12.016/2009). Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: 1) que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de dez dias, preste as informações; 2) que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito; 3) que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica (art. 7º da Lei n. 12.016/09) (in Direito Processual Constitucional, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012).
Aliado a isso, urge se registre a inviabilidade do Poder Judiciário substituir a banca examinadora para avaliar as respostas dadas pelos candidatos, excepcionando-se a eventual hipótese de sua intervenção nos casos em que houver manifesta ilegalidade, hipótese em que poderá, sim, exercer juízo de compatibilidade entre o conteúdo das questões aplicadas e as disposições originalmente contidas no edital.
A propósito, tal entendimento restou assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, ao decidir o Tema 485, no sentido de que "Os critérios adotados por banca examinadora de um concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário".
Confira-se a ementa do precitado aresto:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. 2. CONCURSO PÚBLICO. CORREÇÃO DE PROVA.
Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido (RE n. 632853/CE, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 23/04/2015).
Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça mantém o entendimento de que ao Poder Judiciário não é dado substituir-se à banca de concurso para o fim de corrigir as provas prestadas pelos candidatos, veja-se:
"Em matéria de concurso público, a excepcional intervenção do Poder Judiciário limita-se à objetiva aferição de legalidade do certame, cujos questionamentos devem cingir-se ao conteúdo previsto no edital. Não cabe ao órgão julgador, portanto, avançar sobre ponderações de ordem subjetiva quanto ao...

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