Acórdão Nº 5002351-15.2021.8.24.0054 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 15-09-2022

Número do processo5002351-15.2021.8.24.0054
Data15 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5002351-15.2021.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: FRANCISCO FLORENCIO (AUTOR) APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

FRANCISCO FLORENCIO interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Giancarlo Rossi, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL, em curso perante o juízo da Vara Regional de Direito Bancário da Comarca de Rio do Sul, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

FRANCISCO FLORENCIO propôs Ação Anulatória de Contrato c/c Obrigação de Fazer contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL, ambos qualificados na inicial. Aduziu que celebrou contrato de empréstimo com a parte ré, o qual restou efetivado em modalidade diversa da pretendida, pois desejava firmar empréstimo consignado, que restou pactuado na modalidade cartão de crédito consignado com RMC (Reserva de Margem Consignável). Sustentou a existência de falha na informação ao consumidor e de conduta abusiva da instituição financeira ré, consistente na venda casada de cartão de crédito, o que gerou o desvirtuamento do contrato firmado pelas partes, ensejando sua nulidade. Pugnou pela declaração da inexistência da contratação de "empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável", com a repetição do indébito, bem como indenização por danos morais em razão de suposta fraude contratual. Requereu a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova, a concessão dos benefícios da justiça gratuita, valorou a causa e juntou documentos.

Houve a inversão do ônus da prova e o deferimento dos benefícios da justiça gratuita à parte autora (evento 4).

Citada, a parte ré apresentou resposta por meio de contestação (evento 11). No mérito, sustentou que o contrato celebrado observou a legislação vigente e a vontade das partes. Esclareceu as características e condições da operação de crédito contratada, defendendo sua legalidade. Requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Réplica no evento 15.

É o breve relato.

Decido.

I- A causa comporta julgamento antecipado, porque embora a matéria seja de direito e de fato, não há necessidade de produção de outras provas além das já apresentadas nos autos (CPC, art. 355, inciso I).

II- A aplicação da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) aos contratos bancários é questão pacificada, conforme o enunciado sumular n. 297 do Superior Tribunal de Justiça. Contudo, apesar de se tratar de relação de consumo submetida aos ditames do CODECON, a procedência do pedido inicial reclama a demonstração de abusividade praticada pela instituição financeira, com desvantagem exagerada suportada pelo consumidor, ou ilicitude contratual, caso contrário, deve prevalecer a avença livremente firmada.

O contrato pactuado entre as partes, denominado TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO INSS - AUTORIZAÇÃO PARA CONSIGNAÇÃO, repousa nos autos (evento 11, outros 6), devidamente assinado pela parte autora e acompanhado dos documentos pessoais do devedor.

Sobre a veracidade dos documentos colacionados, não houve qualquer impugnação idônea, razão pela qual, na forma do art. 374, III, do CPC, reputo incontroversa a contratação. Além disso, quando se impugna autenticidade ou se suscita falsidade documental, o questionamento precisa estar baseado em argumentação específica, não se admitindo insurgências genéricas (CPC, art. 436, II e III, parágrafo único).

Ressalto, desde logo, que "as declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em relação ao signatário" (CPC, art. 408). Trata-se de presunção legal. Como tal, em sede de relação de consumo submetida à Lei n. 8.078/1990, subsistirá caso não evidenciada abusividade manifesta, assim entendida como desvantagem exagerada suportada pelo consumidor.

Infere-se que a modalidade de contratação questionada - cujo devedor, agora, meses após a contratação, entende abusiva - encontra expresso respaldo legal, conforme disposto na Lei n. 10.820/2003:

Art. 6° Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)[...] § 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (sublinhei e destaquei).

Como visto, a legislação de regência criou a possibilidade de SAQUE POR MEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO OU AMORTIZAÇÃO DE DESPESAS CONTRAÍDAS POR MEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO. Portanto, não restam dúvidas acerca da legalidade do contrato questionado.

Sobre o tema, aliás, em que pese a divergência jurisprudencial, vejamos precedentes do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO NA MODALIDADE DE DESCONTO DA RESERVA DA MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. AVENTADA ILEGALIDADE DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM CARTÃO DE CRÉDITO, POR AUSÊNCIA DE EXPRESSO CONSENTIMENTO COM A REALIZAÇÃO DAQUELE TIPO DE OPERAÇÃO. TESE REJEITADA. NOVO ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA ACERCA DO TEMA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNÁVEL COM SAQUE EM CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) AUTORIZADO PELO ART. 6º, §5º, II, DA LEI N. 10.820/2003 E DO ART. 3º, §1º DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DO INSS N. 28/2008. CASO CONCRETO EM QUE A PARTE TEVE CIÊNCIA DA NATUREZA DAQUELA OPERAÇÃO, JÁ QUE, À ÉPOCA DA CELEBRAÇÃO DA AVENÇA, NÃO POSSUÍA MARGEM CONSIGNÁVEL DISPONÍVEL (30%), VALENDO-SE, ENTÃO, DO LIMITE ADICIONAL DE 5% (CINCO POR CENTO), DISPONIBILIZADO PARA USO DO CARTÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5012386-68.2020.8.24.0054, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Mariano do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 08-07-2021).

Por fim:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA CONSUMIDORA. CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). PACTUAÇÃO DE MÚTUO INCONTROVERSA. DEBATE QUE SE RESTRINGE À MODALIDADE EFETIVAMENTE CONTRATADA. CONTRATO ACOMPANHADO DO TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO, CONFORME ART. 21-A DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DO INSS 28/2008. DEVER DE INFORMAÇÃO CUMPRIDO PELO BANCO. CONSUMIDORA QUE TINHA PLENA CIÊNCIA SOBRE A OPERAÇÃO CONTRATADA. AUSÊNCIA DE NULIDADE NA PACTUAÇÃO. IMPERATIVA MANUTENÇÃO DA IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5003178-82.2020.8.24.0079, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Torres Marques, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 06-07-2021).

No mesmo sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao pontuar que "1. Não há provas da falha na prestação do serviço da demandada, pois demonstrada a regularidade dos descontos mensais efetuados no benefício previdenciário do autor, sob a rubrica "RMC". 2. Considerando que a autora concordou expressamente com a realização dos descontos a título de reserva de margem consignável, procedimento autorizado pela instrução normativa nº 28/2008 do INSS, não há falar em ilegalidade dos descontos e, por conseguinte, em má-fé, restituição de valores e dano moral" (Apelação Cível, Nº 70083447714, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, Julgado em: 06-02-2020).

O Tribunal de Justiça de São Paulo também vem enfrentando casos similares ao presente, posicionando-se da seguinte forma:

Apelação - Ação declaratória cumulada com pedido indenizatório - Ausência de cerceamento de defesa - Relação de consumo - Empréstimo realizado via cartão de crédito, com reserva de margem consignável (RMC) - Comprovação, pela instituição financeira, da regularidade de sua contratação - Recurso a que se nega provimento. (TJSP; Apelação Cível 1001498-37.2019.8.26.0168; Relator (a): Mauro Conti Machado; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro de Dracena - 3ª Vara; Data do Julgamento: 02/03/2020; Data de Registro: 02/03/2020)

REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DANO MORAL. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. Descontos em benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável para cartão de crédito - RMC. Contratação demonstrada pelo banco. Autorização para desconto em benefício previdenciário comprovada. Utilização do produto. Descontos pertinentes. Não ocorrência de dano moral. Sentença mantida. Apelação não provida. (TJSP; Apelação Cível 1007207-35.2019.8.26.0077; Relator (a): JAIRO BRAZIL FONTES OLIVEIRA; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Birigui - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/03/2020; Data de Registro: 02/03/2020)

"APELAÇÃO - ação declaratória de NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL c.c. repetição de indébito c.c. indenização por danos morais - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - VÍCIO DE...

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