Acórdão Nº 5002424-18.2022.8.24.0000 do Órgão Especial, 17-08-2022

Número do processo5002424-18.2022.8.24.0000
Data17 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5002424-18.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

AUTOR: PROCURADOR-GERAL - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - FLORIANÓPOLIS ADVOGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA RÉU: CÂMARA MUNICIPAL DE CRICIÚMA MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERESSADO: MUNICÍPIO DE CRICIÚMA/SC

RELATÓRIO

O Procurador-Geral de Justiça, representado pelo Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade (CECCON) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei n. 7.942, de 4 de agosto de 2021, do Município de Criciúma que "garante aos estudantes do município de Criciúma, o direito ao aprendizado da língua portuguesa [...]", nos seguintes termos:

"Lei n. 7.942, de 4 de agosto de 2021. Garante aos estudantes do município de Criciúma, o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino, na forma que menciona. O PREFEITO MUNICIPAL DE CRICIÚMA, Faço saber a todos os habitantes deste Município, que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a presente Lei: Art. 1°. É garantido aos estudantes do Município de Criciúma, o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Art. 2°. O disposto no artigo anterior aplica-se a toda a Educação Básica no Município de Criciúma, nos termos da Lei Federal n° 9.394/96, assim como ao Ensino Superior e aos Concursos Públicos para acesso aos cargos e funções públicas do município. Art. 3°. Fica expressamente proibida a denominada 'linguagem neutra' na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas, assim como em editais de concursos públicos. Art. 4°. A violação do direito do estudante estabelecido no artigo 1° desta Lei, acarretará sanções administrativas às instituições de ensino público e privado e aos profissionais de educação que concorrerem em ministrar conteúdos adversos aos estudantes, prejudicando direta ou indiretamente seu aprendizado à língua portuguesa culta.Art. 5º. A Secretaria responsável pelo ensino do município, deverá empreender todos os meios necessários para valorização da língua portuguesa culta em suas políticas educacionais, fomentando iniciativas de defesa aos estudantes na aplicação de qualquer aprendizado destoante das normas e orientações legais de ensino. Art. 6°. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação" (evento 1, outros 3).

Para tanto, narrou que a lei "proibiu, no âmbito municipal, a utilização da denominada 'linguagem neutra' na grade curricular e no material didático de instituições públicas e privadas, bem como em editais de concursos públicos, e impôs sanções pelo seu descumprimento, violando o disposto no artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República, incorporado pelo artigo 4º, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina" (evento 1, petição inicial, fl. 2).

Assegurou que "ao estabelecer normas sobre diretrizes e bases da educação, a norma municipal agora questionada, invadiu a competência privativa da União (CRFB/88, art. 22, inciso XXIV)" (evento 1, fl. 4). Destacou que o "artigo 4º, caput, da Constituição de Santa Catarina, determina que sejam observados, em âmbito estadual, os princípios da Constituição da República Federativa", motivo pelo qual, a remissão à Constituição Federal permite o controle abstrato de constitucionalidade pelos Tribunais Estaduais.

Alegou que há inconstitucionalidade formal por usupação da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação, inclusive reprisado na Lei n. 9.394/96, que disciplinou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDBN), segundo o qual a União exerce a função normativa sobre as demais instâncias educacionais.

Afirmou que "ao proibir a utilização da chamada 'linguagem neutra' na grade curricular e em materiais didáticos, a lei municipal não suplementa a legislação federal, mas invade a seara privativa da União, regulando a matéria em sentido oposto à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96)" (evento 1, petição inicial 1, fl. 8).

Prosseguiu relatando que o STF concedeu medida cautelar no bojo da ADI n. 7.019/RO, que discute os efeitos de norma análoga.

Requereu, em sede de tutela cautelar, a imediata suspensão dos efeitos da lei questionada, sob a justificativa de que há perigo de dano, visto que "a lei municipal prevê de forma clara e explícita a possibilidade de sanções administrativas contra instituições de ensino e profissionais da educação que ministrarem os conteúdos nela proibidos (art. 4º da norma guerreada)" (evento 1, petição inicial 1, fl. 17).

No mérito, requereu a procedência do pedido, a fim que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 7.942/2021 do Município de Criciúma, por violação ao artigo 4º, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina e artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República (evento 1, petição inicial 1).

Vieram a mim distribuídos, oportunidade em que concedi a medida liminar para suspender, até o julgamento do mérito desta ação, os efeitos da Lei n. 7.942, de 4 de agosto de 2021, do Município de Criciúma (evento 2).

Notificada (evento 9, AR 1), a Presidente da Câmara Municipal de Vereadores da Municipalidade prestou informações pugnando a improcedência da presente ação direta, mantendo-se a constitucionalidade da Lei n. 7.942/2021.

Argumentou que compete ao Município legislar sobre assunto de interesse local (art. 30, I, da CRFB/88), e que "o âmago da questão é matéria de regulamentação local", prevista na Lei Orgânica Municipal, representando a possibilidade de proteção aos municípes.

Consignou inexistir óbice ao início do processo legislativo na câmara, já que a matéria não é de iniciativa reservada, nem de competência exclusiva, e tem por objeto a defesa dos direitos fundamentais, dentre eles a proteção ao patrimônio cultural da língua nacional. Discorreu que a linguagem neutra ainda não foi recepcionada pela Base Nacional Comum Curricular, e a Constituição Federal faz expressa menção que a língua portuguesa é o idioma oficial da República (art. 13 da CF/88).

Enfatizou que as regras da língua portuguesa foram internalizadas no Brasil pelo Decreto n. 6.583, de 29.09.2008, "no qual há expressa previsão no sentido de que as mudanças na linguagem ortográfica somente podem ser implementadas mediante aprovação do Congresso Nacional" (evento 10, informação 1, fl. 4). Assegurou que a lei impugnada dá concretude ao referido Decreto, "fazendo prevalecer o uso da redação oficial da língua portuguesa em documentos de natureza oficial", bem como "concretizar o princípio da impessoalidade e serguir o padrão culto da língua portuguesa" (evento 10, informação 1, fl. 4).

Destacou que a manifestação da Advocacia-Geral da União na ADI n. 6925, de Santa Catarina, foi neste mesmo sentido e ponderou que a norma assegura ao cidadão o direito à língua oficial no currículo educacional para capacitação plena na aprendizagem escolar.

Defendeu que a lei não "ultrapassa a competência legislativa dos entes federais, pois não cria novo ônus e obrigação na base curricular", a concluir que a lei "pode ser inócua", mas não inconstitucional (evento 10, informação 1, fl. 9), além de estar em consonância com a Lei n. 9.394/96, que disciplina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDBN).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do Procurador de Justiça Paulo de Tarso Brandão, opinou pela procedência do pedido (evento 17, parecer 1).

É o relatório.

VOTO

1. Da legitimidade ativa:

O art. 85, inciso III, da Constituição Estadual, na redação dada pela EC n. 45/06, reconhece a legitimidade do Procurador-Geral de Justiça para propor ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual em municipal:

"Art. 85. São partes legítimas para propor a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal contestado em face desta Constituição: (...) III - o Procurador-Geral de Justiça;".

Reconhece-se, portanto, a legitimidade ativa do Procurador-Geral de Justiça para figurar no polo ativo da ação que busca a declaração de inconstitucionalidade de lei municipal.

2. Do parâmetro de Constitucionalidade:

A pretensão veiculada na inicial é a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 7.942/2021 do Município de Criciúma, por violação ao artigo 22, inciso XXIV, da Constituição Federal que, segundo o autor, foi incorporado à Constituição do Estado de Santa Catarina pelo caput do artigo 4º, "O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte (...)".

3. Da jurisdição constitucional sobre leis municipais:

De início, necessário se faz discorrer acerca da forma, parâmetro e competência do controle de compatibilidade vertical de uma norma municipal, cuja análise pressupõe, inclusive, a delimitação das competências.

3.1. Do controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por meio da ação direta:

Ao Supremo Tribunal Federal (STF) incumbe, precipuamente, a guarda Constituição Federativa e, nessa condição, a competência para processar e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, 'a', CRFB/88):

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:I - processar e julgar...

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