Acórdão Nº 5002426-27.2021.8.24.0063 do Segunda Câmara Criminal, 13-12-2022

Número do processo5002426-27.2021.8.24.0063
Data13 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5002426-27.2021.8.24.0063/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

RECORRENTE: LINCOLN ANTUNES DOS SANTOS (ACUSADO) ADVOGADO: ARIEL GARCIA LEITE (OAB RS125264) ADVOGADO: RANIER CASSETTARI FONTANELLA (OAB SC051343) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de São Joaquim, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Lincoln Antunes dos Santos, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, §2º, incisos II e IV, c/c art. 61, inciso II, alínea "j", ambos do Código Penal, em razão dos fatos assim descritos (Evento 1 dos autos de origem):

[...] No dia 19 de outubro de 2021, por volta das 13h45min, na Estrada Geral do Cedro, nº 987, bairro Cedro, Urupema/SC, o denunciado, com consciência, vontade e manifesta intenção de matar, desferiu um golpe de arma branca contundente contra o pescoço da Jonatan da Silva Ribeiro, causando-lhe a lesão descrita no laudo pericial cadavérico do evento 35, a qual foi causa eficiente da sua morte.

Soma-se que o delito foi cometido em razão de motivo fútil, uma vez que o denunciado ceifou a vida de Jonatan sem qualquer motivação anterior, agindo de inopino contra a vítima que, minutos antes, estava junto com o agressor fumando cigarros.

É de se ressaltar ainda que o delito foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, haja vista a superioridade de armas, uma vez que se valeu de arma branca contra pessoa desarmada, atacou a vítima pelas costas e de inopino, bem como a surpreendeu, haja vista que não teria motivos para esperar tal conduta homicida.

Por fim, o crime foi praticado por ocasião de calamidade pública, em decorrência da pandemia do COVID-19. [...]

Encerrada a instrução preliminar, foi julgado admissível o pleito formulado na exordial acusatória e, com fundamento no art. 413 do Código de Processo Penal, o Magistrado a quo pronunciou Lincoln Antunes dos Santos, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, §2º, inciso II e IV, c/c art. 61, inciso II, alínea "j", ambos do Código Penal (Evento 197 dos autos de origem).

Inconformada, a Defesa interpôs Recurso em Sentido Estrito (Evento 246 dos autos de origem), no qual postula, em sede preliminar: a) o reconhecimento de nulidade da decisão de pronúncia, por utilizar parte de interrogatório considerado nulo; b) nulidade do interrogatório judicial, em razão de não ter sido garantido ao Recorrente o direito ao silêncio; c) nulidade do feito pela perda da chance probatória; e d) quebra da cadeia de custódia da prova.

No mérito, pleiteia a despronúncia ou a absolvição sumária do Recorrente em razão da insuficiência probatória.

Almeja, ainda, o afastamento das qualificadoras também por entender que não há comprovação acerca do motivo fútil e do recurso que impossibilitou a defesa do ofendido, bem como da agravante descrita no art. 61, inciso II, alínea "j", do Código Penal.

Por fim, requer a revogação da prisão preventiva por ausência dos requisitos para manutenção da segregação.

Apresentadas as Contrarrazões (Evento 258 dos autos de origem) e mantida a Decisão por seus próprios fundamentos, nos moldes do art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 260 dos autos de origem), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil, manifestou-se pelo conhecimento e parcial provimento da insurgência, "com acolhimento da preliminar suscitada (item 3.1 do reclamo)." (Evento n. 17 - autos em Segundo Grau).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser parcialmente conhecido, por próprio e tempestivo.

Das preliminares

1) Da nulidade da decisão de pronúncia

O Recorrente pugna pela decretação de nulidade da decisão de pronúncia, por utilizar parte de interrogatório considerado nulo.

O pleito, porém, não deve ser conhecido.

Isso porque, a tese em questão já foi objeto de análise por esta Câmara quando do julgamento do Habeas Corpus de n. 5052345-43.2022.8.24.0000, impetrado em favor do Recorrente, de modo que, inexistindo alteração no contexto fático-jurídico apresentado, mostra-se desnecessário o reexame da matéria. Transcreve-se, trecho do voto (evento 16, daqueles autos):

[...] Isso porque, embora a defesa argumente que em razão da decisão proferida por esta Câmara, no Habeas Corpus n. 5040859-61.2022.8.24.0000, o interrogatório e, por consequência, todos os atos posteriores seriam nulos, verifica-se que o Colegiado, por maioria, reconheceu apenas a nulidade parcial daquele ato.

Neste sentido, destaca-se trecho do Voto Vencedor do Excelentíssimo Desembargador Sérgio Rizelo:

[...] De fato, a Autoridade Impetrada alertou o Paciente sobre seu direito de permanecer em silêncio. Não obstante, o Doutor Juiz de Direito concedeu a palavra ao Excelentíssimo Promotor de Justiça, que formulou os seguintes questionamentos ao Acusado:

A tua ideia de esclarecer é a falar a verdade do que aconteceu, correto?

Se o senhor vai falar só a verdade, por que as minhas perguntas poderiam lhe prejudicar? Por que que o senhor não quer respondê-las?

Se o senhor só quer esclarecer prestando a verdade do que aconteceu, como é que o senhor acredita que as minhas perguntas podem lhe prejudicar? Por que que o senhor não quer respondê-las?

Sobre essa questão de procurar a justiça desde o início do caso, por que que antes de procurar a justiça, por que que antes de ir até a delegacia o senhor foi para casa lavar roupa?

Os três rapazes? Mas o John já não estava esfaqueado?

Mas o John já não estava esfaqueado nessa hora? O senhor disse que estava com medo inclusive do John, mas o John já não estava esfaqueado nessa hora? O senhor falou que estava com medo de os três aparecerem na sua casa. O senhor não sabe?

Então o que o senhor foi fazer na delegacia se o senhor não sabe nem o que tinha acontecido com o John até aquele momento?

Se eu pedir pro senhor contar a história inteira de forma livre, o senhor contaria? Tá, a minha pergunta é a seguinte, se eu perguntar agora para o senhor, para contar a história inteira do que aconteceu, do início ao fim, o senhor vai contar pra mim? Ou não?

Tá, se eu perguntar o senhor não vai esclarecer, é isso? (Evento 179, doc1).

Algumas das perguntas foram efetivamente respondidas; para outras, a réplica consistiu na renovação do desejo de exercer o direito ao silêncio (seletivo, é bem verdade). E de tempo em tempo, a Autoridade Impetrada relembrava o Paciente de que ele tinha direito a permanecer calado, e poderia negar-se a responder as perguntas.

Diante disso, penso que a ordem deve ser concedida em parte.

O interrogatório, além de meio de defesa, é meio de prova; são as respostas do interrogado que contêm valor probatório. Não as perguntas, e muito menos os motivos que levam o indivíduo a manter-se em silêncio. Qualquer um desses fatores não tem lugar adequado no silogismo tendente a apurar a ocorrência ou a autoria de uma conduta criminosa.

Assim, se o denunciado já adiantou que pretende permanecer em silêncio, a insistência em indagar-lhe a respeito dos fatos (ou dos motivos pelos quais pretende calar) acaba por ter apenas dois objetivos: a) incitar o réu, que já manifestou seu interesse em permanecer mudo, a retroceder e responder algum questionamento (contrariando sua já externada intenção, e fazendo-o abrir mão de um direito potestativo que já havia exercido); ou b) utilizar a ausência de resposta a determinada pergunta como elemento de convicção em desfavor do acusado (prática vedada pelo parágrafo único do art. 186 do Código de Processo Penal, mas amiúde utilizada em procedimentos de competência do Tribunal do Júri).

Não é por acaso que prosseguir no interrogatório de indivíduo que já manifestou sua intenção de permanecer em silêncio é conduta criminalmente tipificada (Lei 13.869/19, art. 15, parágrafo único, I), tampouco é coincidência que essa tipificação tenha sido feita na Lei que define os crimes de abuso de autoridade. A posição processual do acusado é de submissão, tendo o Estado (e todo o aparato que lhe é inerente) como seu oponente em uma demanda que usualmente pretende privá-lo de sua liberdade. O acusado se vê diante de Excelências, e sua participação direta no ato limita-se a dar explicações. O pouco que lhe é assegurado é o direito de permanecer em silêncio, direito este que é esvaziado de sentido se submetido a prova a todo instante por sujeito que ocupa a posição de autoridade na relação travada com o interrogado.

Não se sugere aqui que algum dos participantes da audiência teria cometido algum delito; o registro é feito apenas para ressaltar que, ao contrário do que possa parecer, a insistência de formular perguntas ao réu que pretende permanecer calado não é um comportamento indiferente, e que a relevância é relacionada precisamente à posição ocupada pelos sujeitos envolvidos no ato.

De todo modo, essa conclusão não deve ocasionar a renovação do interrogatório. A providência seria inútil, considerando o já evidenciado desejo do Paciente de exercer o direito ao silêncio seletivo. E como as questões formuladas pelo Defensor do Paciente foram por ele respondidas, de acordo com seu desígnio inicial, a finalidade do ato foi alcançada, de modo que seu refazimento não serve a nenhum propósito (exceto alongar o procedimento em Primeira Instância).

Por outro lado, como dito, é desnecessário (e, na minha compreensão, ilegal) testar a tenacidade do acusado e aferir o quanto ele efetivamente pretende ficar calado. Por conta disso, voto no sentido de conceder parcialmente a ordem, e declarar nula a parcela do interrogatório do Paciente em que foram formuladas perguntas pelo Excelentíssimo Promotor de Justiça (autos 50024262720218240063, Evento 179, doc1, 25min-28min10s) (grifou-se).

Assim, tem-se que a ordem declarou nula apenas parcela do interrogatório do Paciente, entre os minutos 25 e 28:10, atingindo as perguntas formuladas pelo Órgão Ministerial e eventuais respostas, não alcançando a integralidade do interrogatório e muito...

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