Acórdão Nº 5002430-23.2021.8.24.0012 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 19-10-2021

Número do processo5002430-23.2021.8.24.0012
Data19 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5002430-23.2021.8.24.0012/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: DARCY DE LIMA (AUTOR)

RELATÓRIO

Banco BMG S.A. interpôs Recurso de Apelação (Evento 31, Apelação 1) contra a sentença prolatada nos autos da "ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c restituição de valores, e indenização por danos morais" ajuizada por Darcy de Lima em face do Recorrente, na qual o Juiz de Direito oficiante na 1ª Vara Cível da Comarca de Caçador julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na exordial, cuja parte dispositiva restou vazada nos seguintes termos:

Pelo exposto, nos termos do art. 487, I do CPC/2015, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para:

a) RECONHECER a ilegalidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, por conseguinte, determinar a sua adequação para contrato de empréstimo consignado, no valor obtido pela parte autora através do saque pelo cartão, aplicando-se os encargos pela taxa média de mercado divulgados pelo Banco Central à época da contratação (29/09/2015), ou seja, 28,12% ao ano e 2,09% ao mês (Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS - Códigos 20746 e 25468), com a devida compensação, na forma simples, dos valores descontados indevidamente pela instituição financeira a título de RMC, atualizados monetariamente pela variação do índice INPC/IBGE a contar de cada desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação (17/05/2021 - Evento 13). Na hipótese de excesso de margem consignável, o pagamento ficará suspenso até a liberação de margem para a inserção de seu desconto na folha de pagamento, nos termos da fundamentação.

b) DETERMINAR a repetição do indébito em favor da parte autora, na forma simples (correção monetária pela variação do índice INPC/IBGE a contar de cada desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação), acaso verificado em liquidação ou cumprimento de sentença que os valores objeto do empréstimo foram integralmente quitados, restando crédito em favor da parte consumidora. Restando débito da parte autora para com a instituição financeira demandada, deverá esta readequar os descontos nos termos desta decisão.

c) CONDENAR a parte ré ao pagamento do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de indenização por danos morais, corrigido monetariamente pela variação do INPC-IBGE desde a data da publicação desta sentença e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir do momento em que ocorreu o ato ilícito, nos termos da fundamentação acima (Súmula 54 do STJ).

Considerando a sucumbência mínima da parte autora, condeno o banco réu ao pagamento integral das despesas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, consistente no importe de 15% do valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do CPC.

Transitada em julgado e, nada sendo requerido, arquivem-se.

P.R.I.

(Evento 22).

No Recurso o Banco aduziu, em resumo, que: (a) "não há que se falar em inexistência de termo final, ou ainda em dívida infindável, dívida impagável, uma vez que o mesmo se processa na data de vencimento da fatura, sendo o débito extinto com o pagamento integral do débito, que constitui liberalidade do autor, não sendo crível este requerido ser punido por ato que não compete a ele"; (b) "não restam dúvidas que a declaração de nulidade/inexistência contratual não é a medida cabível, diante da legalidade e validade da contratação, e mediante a realização dos saques e ausência de pagamento do débito, os descontos devem ser mantidos"; (c) "Em pese a não comprovação dos alegados danos morais, por serem inexistentes no caso vertente, em reverência ao princípio da eventualidade, acaso se cogite eventual indenização por danos morais, não se pode desconsiderar que esta deve se ater a dados limites, notadamente a extensão e repercussão da ofensa alegada e a situação econômica das partes"; (d) "a restituição em dobro disposta no artigo 42 do Código de defesa do consumidor não é cabível porque não se afigura hipótese de engano justificável e muito menos de má-fé da instituição financeira, uma vez que os descontos são decorrentes de contratação legal e válida"; e (e) "na eventualidade de haver qualquer condenação, o que se cogita hipoteticamente, os valores recebidos pela parte recorrida através dos referidos saques, compras e dispêndios devem ser devolvidos, corrigidos monetariamente, pois, se Vossa Excelência entender que inexiste o cartão de crédito contratado, não há também razões para que o banco requerido liberasse recursos para a parte recorrida".

Empós, com o oferecimento das contrarrazões (Evento 37), ascenderam os autos a este grau de jurisdição.

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente gizo que, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em junho de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Do pleito de legalidade do pacto firmado

Aduz o Réu, em síntese, que a sentença deve ser reformada para julgar improcedentes os pleitos vertidos na exordial.

O Requerente ajuizou "ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c restituição de valores, e indenização por danos morais" em face de Banco BMG S.A., argumentando que a Instituição de Crédito impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

O Magistrado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos articulados na peça vestibular (Evento 22).

Exsurge do caderno processual ser incontroverso que as Partes firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto o Autor sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que o Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a contratação de contrato de cartão de crédito consignado (Evento 14, Contrato 1).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Enfatizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Observo que foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário do Autor do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade do Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que...

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