Acórdão Nº 5002442-98.2021.8.24.0024 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 25-08-2022

Número do processo5002442-98.2021.8.24.0024
Data25 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5002442-98.2021.8.24.0024/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: MARIA CONCEICAO NATT (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

MARIA CONCEICAO NATT interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Felipe Nobrega Silva, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO BMG S.A, em curso perante o juízo da 1ª Vara da Comarca de Fraiburgo, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

I. RELATÓRIO

Maria Conceição Natt ajuizou ação contra Banco BMG S.A. Afirmou a parte autora, em síntese, ter sido induzida a erro, porquanto a instituição financeira lhe ofereceu empréstimo consignado, no entanto, foi surpreendida com a celebração de contrato de um cartão de crédito. Requereu a declaração de inexistência de débito, a repetição de valores indevidamente descontados em seu benefício, bem como a indenização por danos morais.

Citada, a parte requerida Banco BMG S.A apresentou contestação (evento 11). Alegou preliminares, e, no mérito, apenas afirmou que não há nenhuma irregularidade na contratação, uma vez que a parte autora estava plenamente ciente de todas as cláusulas e especificações contratuais.

Houve réplica (evento 14).

Vieram-me, então, os autos conclusos.

É o relatório. Passo a decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Do Julgamento Antecipado do Mérito

O processo comporta julgamento, independentemente de dilação probatória, na forma do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, pois não há necessidade produção de provas em audiência e as aquelas já trazidas aos autos satisfazem o convencimento do Juízo. Ademais, além das partes terem manifestado expressamente o desinteresse na produção de outras provas, a matéria controvertida é apenas de direito e não de fato.

2. Da Falta de Interesse de Agir

A parte ré alegou preliminar pela falta de interesse de agir, por não ter ocorrido tentativa de solução do conflito extrajudicialmente.

Contudo, é pacificado nos tribunais que a ausência do requerimento administrativo não caracteriza falta de interesse de agir, pois a provocação extrajudicial se mostra como uma opção ao jurisdicionado e não uma imposição, inexistindo normas que condicionem o acesso à justiça ao prévio esgotamento da via administrativa (CF - art. 5º, XXXV).

Portanto, REJEITO a preliminar.

3. Da Inépcia da Petição Inicial

A parte ré, em contestação, alegou a inépcia da petição inicial, em meio a isso, dispõe o Código de Processo Civil:

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:

I - for inepta; [...]

§ 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:

I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;

II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;

III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;

IV - contiver pedidos incompatíveis entre si.

Da simples leitura da petição inicial, observa-se que ela expõe com clareza a causa de pedir e dela se extraem os pedidos, não tendo o que se falar em narração contrária dos fatos, ademais, estão corretamente expostos acerca do que vem por meio deste impulsionar o judiciário. Não há, ademais, pedidos incompatíveis entre si.

Não contendo a petição inicial qualquer das imperfeições elencadas no art. 330 do Código de Processo Civil de 2015, com clara narrativa dos fatos e conclusão, causa de pedir e pedidos definidos, além de instruída de forma bastante, não há falar em inépcia (TJSC, Apelação Cível n. 0301295-89.2016.8.24.0035, de Ituporanga, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 23-01-2017).

Ademais:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. INÉPCIA DA INICIAL EM VIRTUDE DA NARRAÇÃO DOS FATOS NÃO DECORRER LOGICAMENTE A CONCLUSÃO. INOCORRÊNCIA. FATOS QUE, EMBORA TENHAM DADO ENFOQUE À AQUISIÇÃO DA DOENÇA E EVENTUAL ERRO MÉDICO É CLARO NO SENTIDO DE QUERER APENAS O FORNECIMENTO DE TRATAMENTO AO ENTE NÃO FORNECIDO PELO SUS. FUNDAMENTO RELATIVO AO DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE. CONGRUÊNCIA EVIDENCIADA. VÍCIO INEXISTENTE. "Somente se verifica a inépcia da petição inicial quando se fazem presentes quaisquer dos vícios enumerados no parágrafo único do art. 295 do CPC/73, isto é, quando, da exposição dos fatos e fundamentos da pretensão, assim como dos pedidos formulados, não se consegue compreender o motivo pelo qual o Estado-Juiz foi acionado. Detalhados no decorrer da exordial os fatos e o direito pretendido, bem como elaborado ao final da petição o pedido correspondente, não há falar em inépcia" (TJSC, Apelação n. 0808482-35.2013.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 14-06-2016). PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA DE PLANO TAMBÉM EM RAZÃO DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO, POR ENTENDER QUE INEXISTE RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO (ATO ILÍCITO PRATICADO) PELO FATO QUE DEU CAUSA À MOLÉSTIA QUE LHE ACOMETE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER EM QUE SE POSTULA O FORNECIMENTO DE PROCEDIMENTO MÉDICO NÃO PADRONIZADO PELO SUS EM RAZÃO DE INFECÇÃO CAUSADA APÓS PROCEDIMENTO CIRÚRGICO ESTÉTICO REALIZADO EM HOSPITAL PRIVADO. PLEITO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DA NEGATIVA DO FORNECIMENTO PELO MUNICÍPIO. AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO ENTRE OS PEDIDOS E A SENTENÇA. DECISÃO ANULADA. "'Configura-se o julgamento extra petita quando o juiz concede prestação jurisdicional diferente da que lhe foi postulada ou quando defere a prestação requerida, porém com base em fundamento não invocado como causa do pedido. (STJ, Min. João Otávio de Noronha)'"(TJSC, Apelação Cível n. 0017642-33.2009.8.24.0064, de São José, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, Primeira Câmara de Direito Público, j. 8.5.18). SENTENÇA ANULADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0300279-84.2016.8.24.0008, de Blumenau, rel. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. 21-05-2019).

Questões probatórias ou a pertinência dos pedidos, de acordo com a análise do direito invocado, são matérias afetas ao mérito da demanda. A inicial, portanto, se mostra apta a produzir seus efeitos jurídicos.

Assim, REJEITO a preliminar.

4. Do Ajuizamento Reiterado de Ações

A alegação apresentada pela parte ré foge do objeto da ação. O ajuizamento de demandas diversas discutindo o mesmo tema jurídico, por si só, não indica a existência do uso predatório da jurisdição.

Não há, nesse momento, indícios de infrações penais ou ético-administrativas por parte dos procuradores. Além disso, a própria ré pode provocar o Ministério Público ou a Ordem dos Advogados do Brasil caso entenda haver indícios de infrações.

Sendo assim, REJEITO o pedido.

4. Do Mérito

A relação jurídica entre as partes se caracteriza como típica de consumo, pois, conforme prevê a Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Os direitos básicos do consumidor estão previstos no art. 6º do CDC, dispondo os seus incisos III e X sobre o direito à informação adequada e à eficaz prestação do serviço:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; [...]

Por outro lado, a lei consumerista institui as práticas vedadas ao fornecedor em seu art. 39, I, IV e V:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; [...]

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Considerando os dispositivos legais aplicáveis à espécie, é ônus da instituição financeira demonstrar que respeitou os direitos básicos do consumidor, como também que sua conduta não incidiu em nenhuma das vedações previstas em lei. Em outras palavras, deve a instituição financeira comprovar o fornecimento de todas informações necessárias ao pleno entendimento do consumidor/contratante a respeito da modalidade de serviço contratada.

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:

[...] nas ações declaratórias de inexistência de débito, o ônus de comprovar a relação contratual existente entre as partes ou a constituição em mora compete à parte contrária, em razão da dificuldade de se produzir prova negativa, conforme estabelecem o art. 333, parágrafo único, II, do CPC e o art. 6º, inciso VIII, do CDC. (TJSC, Apelação Cível n. 0003543-62.2011.8.24.0040, de Laguna, rel. Des. Sebastião César Evangelista, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 13-10-2016).

Apenas a cópia do contrato assinado pela parte autora não é o suficiente para demonstrar que recebeu todos os esclarecimentos relativos à pactuação, principalmente a de que se estava diante de um contrato de cartão de crédito em que o pagamento das faturas seria descontado em seu benefício através de reserva de margem consignável, linha de crédito mais onerosa que o pretendido empréstimo consignado.

Em que pese lícito o negócio jurídico, por se tratar de modalidade mais onerosa de disponibilização de crédito ao consumidor, ele só pode ser reputado válido quando ficar evidente que o consumidor tinha total conhecimento das características do produto que estava a contratar.

Vale registrar que o empréstimo consignado em folha de pagamento ostenta uma das menores - senão a menor - taxa de juros do mercado a pessoas físicas, pois tem risco de inadimplência baixíssimo. A seu turno, a taxa de juros do rotativo do cartão de crédito é das maiores do mercado, quiçá do mundo.

A título de exemplificação, de acordo com dados divulgados pelo Banco Central, enquanto a taxa média anual de juros para créditos consignados junto ao INSS era de 20,43%, a taxa...

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