Acórdão Nº 5002486-23.2021.8.24.0023 do Segunda Câmara Criminal, 19-04-2022

Número do processo5002486-23.2021.8.24.0023
Data19 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5002486-23.2021.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

APELANTE: ANDREW DO CARMO DUARTE (ACUSADO) ADVOGADO: THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS (DPE) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: JOÃO VITOR MORAES ÀVILA MARQUÊS (OFENDIDO) INTERESSADO: LUAN SOUZA DA ROSA (INTERESSADO) INTERESSADO: ROSEO LUIZ CIQUELERO (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Na Comarca da Capital, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Andrew do Carmo Duarte, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inciso II, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

Segundo consta do Inquérito Policial, no dia 29 de dezembro de 2020, por volta das 12:38 horas, no estabelecimento denominado Restaurante e Petiscaria do Zé, localizado na Rua das Gaivotas, S/N, Bairro Ingleses, Florianópolis/ SC, o denunciado ANDREW DO CARMO DUARTE com manifesto animus occidendi, por motivo fútil, munido com um pedaço de madeira, efetuou um golpe nas costas do adolescente João Vitor Moraes Ávila Marquês. Em seguida, desferiu pelo menos três golpes com arma branca (faca) contra o ofendido João Vitor Moraes Ávila Marquês, atingindo-lhe uma vez no abdômen, região vital.

Naquela ocasião, a vítima João Vitor Moraes Ávila Marquês estava trabalhando na função de garçom no Restaurante e Petiscaria do Zé quando o denunciado ANDREW DO CARMO DUARTE e seu amigo Mychel Moraes Boeira chegaram no estabelecimento e solicitaram uma mesa e alguns dos itens do cardápio. Posteriormente, logo após serem indagados pela vítima se teriam encerrado a conta do bar, o denunciado ANDREW DO CARMO DUARTE e Mychel Moraes Boeira iniciaram uma discussão com clientes e funcionários, haja vista que estavam insatisfeitos com o valor da conta, da gorjeta dos garçons e com o tamanho da porção de batata frita servida.

Durante a discussão, Mychel Moraes Boeira tentou agredir a vítima João, mas foi impedido por clientes e funcionários do estabelecimento que seguraram e agrediram Mychel. Na sequência, o denunciado ANDREW DO CARMO DUARTE se retirou do estabelecimento, buscou dentro do seu veículo uma faca, retornou no local da discussão e desferiu um golpe contra as costas de João com um pedaço de madeira. Em seguida, agora empunhando a faca, afirmando "vem que eu vou te matar", tentou, em pelo menos três oportunidades, golpear João Vitor Moraes Ávila Marquês, logrando lhe atingir uma vez no abdômen, região vital.

Importante destacar que o resultado morte somente não ocorreu por razões alheias à vontade do denunciado, cingidas ao fato de que: i) a lesão no abdômen do ofendido não foi fatal; ii) a facada em direção as costas de João não o atingiu, pois Rosnei empurrou e desequilibrou o denunciado; iii) bem como em razão da chegada de populares e da polícia militar que intercederam em favor do ofendido e o socorreram.

O crime de homicídio tentado foi cometido por motivo fútil, haja vista que o denunciado ANDREW DO CARMO DUARTE praticou o delito em razão de estar insatisfeito com o valor da conta, da gorjeta dos garçons e com o tamanho da porção de batata frita servida.

Encerrada a instrução preliminar, foi julgado admissível o pleito formulado na Exordial e, em consequência, Andrew do Carmo Duarte foi pronunciado pela prática do delito previsto no art. 121, § 2º, inciso II, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.

Submetido o réu a julgamento perante o Tribunal do Júri, a Inicial foi julgada procedente e Andrew do Carmo Duarte foi condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 09 (nove) anos, 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicial fechado, por infração ao disposto nos arts. 121, §2º, inciso II, c/c 14, inciso II, ambos do Estatuto repressivo.

Irresignada, a Defesa interpôs Recurso de Apelação, em cujas Razões pugna pela anulação da Sessão Plenária, com a submissão do réu a novo julgamento, por entender que a decisão do Conselho de Sentença é manifestamente contrária à prova dos autos. Subsidiariamente, requer o prequestionamento dos dispositivos legais federais e constitucionais que entende violados.

Apresentadas as Contrarrazões, os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Protásio Campos Neto, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do Apelo.

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Pugna, o Recorrente, pela anulação da decisão tomada pelo Conselho de Sentença, por entender que esta se deu de forma manifestamente contrária à prova dos autos, em especial no que tange ao não reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa e ao não afastamento da qualificadora do motivo fútil.

Sem razão.

Salienta-se, desde já, que, em atenção ao princípio da soberania dos vereditos (art. 5°, inciso XXXVIII, alínea "c", da CRFB/1988), e não obstante o posicionamento contrário encampado pela Defesa, não cabe a esta Instância modificar, em sede recursal, a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, mas tão somente averiguar sua legitimidade, o que ocorre por meio do exame das teses apresentadas em Plenário com o conjunto probatório produzido durante a instrução criminal.

Verificando-se, do cotejo, que a decisão dos juízes leigos foi manifestamente contrária à prova dos autos, a medida cabível é submeter o Réu a novo julgamento perante o Tribunal do Júri, conforme prevê o Código de Processo Penal em seu art. 593, § 3°, in verbis:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de cinco dias: [...] III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: [...] d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. [...] § 3° Se a apelação se fundar no n. III, letra d, deste artigo, e o Tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.

Por outro lado, existindo aderência da tese endossada pelo Conselho de Sentença com o contexto probatório, ainda que mínima, a deliberação plenária há de ser mantida, em deferência àquilo que sufragado pelo Juiz natural da causa.

Da lição de Norberto Avena, extrai-se que:

Somente é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados que se dissocia, integralmente, de todos os segmentos probatórios aceitáveis dentro do processo. Assim, se houver provas que amparem a decisão do Conselho de Sentença, não se anula o julgamento com base nesta alínea d, não importando o fato de existir número maior de elementos apoiando a tese rejeitada pelos jurados. (Processo Penal - 10ª edição - Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1239)

No mesmo sentido, leciona Renato Brasileiro de Lima:

[...] para que seja cabível apelação com base nessa alínea e, de modo a se compatibilizar sua utilização com a soberania dos veredictos, é necessário que a decisão dos jurados seja absurda, escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada do conjunto probatório constante dos autos. Portanto, decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela que não encontra nenhum apoio no conjunto probatório, é aquela que não tem apoio em nenhuma prova, é aquela que foi proferida ao arrepio de tudo que consta dos autos, enfim, é aquela que não tem qualquer prova ou elemento informativo que a suporte ou justifique, e não aquela que apenas diverge do entendimento dos juízes togados a respeito da matéria.

[...]

Assim, optando os jurados, bem ou mal, por uma das versões trazidas aos autos, não há falar em decisão inteiramente divorciada da prova existente no processo. Logo, existindo prova a sustentar a tese adotada em plenário pelos jurados, não é possível que o Tribunal ad quem desconstitua a escolha dos jurados, procedendo à interpretação que, sob sua ótica, coaduna-se melhor com a hipótese dos autos, sob pena de ferir a soberania dos veredictos. Não por outro motivo, em caso concreto no qual os acusados foram absolvidos pelo Conselho de Sentença, que reconheceu terem eles agido por erro de tipo invencível (CP, art. 20), porquanto imaginaram estar atirando em um animal em vez de nas pessoas que haviam adentrado a sua propriedade, concluiu o STJ terem os jurados optado por uma das versões conflitantes, consubstanciada nos interrogatórios, depoimentos e laudos acostados aos autos, daí por que seria inviável reconhecer a existência de decisão manifestamente contrária à prova dos autos. (Manual de processo penal: volume único - 8ª edição - Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 1824/1825)

Não destoa o posicionamento adotado pacificamente pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se observa do HC n. 470.517/SP, rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 19/03/2019:

HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. MOTIVO FÚTIL. OUTRO RECURSO QUE DIFICULTE A DEFESA DO OFENDIDO. TESES DE LEGÍTIMA DEFESA E DE QUE DECISÃO DOS JURADOS FOI MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE NA ESTREITA VIA DO HABEAS CORPUS. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. POSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO COM A AGRAVANTE. VIABILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A teor do entendimento desta Corte, não é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados que acolhe uma das versões respaldadas no conjunto probatório produzido.2. Demonstrada, pela simples leitura do acórdão impugnado, a existência evidente de duas versões, a decisão dos jurados há que ser mantida, em respeito ao princípio constitucional da soberania dos veredictos. 3. Somente nas hipóteses em que a tese acolhida pelo Conselho de Sentença não encontra mínimo lastro probatório nos autos é que se permite a anulação do julgamento, nos termos do disposto no art. 593, inciso III, do Código de Processo Penal, situação em que os jurados decidem arbitrariamente, divergindo de toda e qualquer evidência probatória, o...

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