Acórdão Nº 5002572-14.2019.8.24.0039 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 13-05-2021

Número do processo5002572-14.2019.8.24.0039
Data13 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5002572-14.2019.8.24.0039/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: VALFRIDES VIEIRA DA SILVA (AUTOR) ADVOGADO: RAFAEL BASTOS CORREA (OAB SC049031) ADVOGADO: ROGERIO NAPOLEAO (OAB SC039643) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)


RELATÓRIO


Valfrides Vieira da Silva interpôs recurso de apelação cível em face da sentença, que, proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Lages, julgou improcedentes os pedidos formulados na "ação de conhecimento pelo procedimento comum".
Cuida-se, na origem, de "ação de conhecimento pelo procedimento comum" aforada por Valfrides Vieira da Silva contra Banco Pan S/A, afirmando que é funcionária público estadual e celebrou contrato com o réu, em relação ao qual requer o reconhecimento da nulidade contratação (empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito) - ou, alternativamente, a conversão do crédito contratado em operação de empréstimo pessoal consignado -, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu contracheque, e a condenação ao pagamento de danos morais (evento 1/1G).
Pela decisão do evento 3/1G foi determinada a emenda da petição inicial, o que foi cumprido no evento 7/1G.
Ao receber a petição inicial (evento 9/1G), o juiz da causa concedeu a gratuidade da justiça ao autor e indeferiu a tutela provisória de urgência.
Contra tal decisão, o autor interpôs agravo de instrumento (n. 5004618-93.2019.8.24.0000), o qual foi conhecido e desprovido.
Citado, o réu apresentou contestação (evento 14/1G, petição 1), impugnando, preliminarmente, a gratuidade da justiça concedida ao demandante. No mérito, argumentou, em síntese: (a) a regularidade da contratação realizada entre as partes, na medida em que o autor tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, que se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato; (b) a parte autora não tinha a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, sendo esta modalidade de crédito, que não constitui venda casada, a única operação viável para a concessão do valor perseguido; (c) a operação de saque via cartão de crédito com margem consignável e o empréstimo pessoal consignado tratam-se de operaçãos distintas, sendo incabível a conversão da operação em crédito pessoal consignado; (d) o contrato deve ser mantido na forma em que pactuado, sem revisão de qualquer das cláusulas; (e) ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável; (f) a parte autora deve devolver ao banco os valores a ela disponibilizados. Ao final, juntou o contrato firmado entre as partes, comprovante de disponibilização do valor sacado do cartão de crédito, bem como as faturas emitidas em relação ao referido cartão.
Réplica (evento 20/1G).
Sobreveio sentença de mérito, prolatada em 12-2-2020, pelo magistrado Joarez Rusch, que julgou improcedentes os pedidos formulados pelo autor, o que se deu nos seguintes termos (evento 24/1G):
Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na inicial, no que condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º do CPC, observada a suspensão de exigibilidade do crédito, em razão da concessão dos benefícios da Justiça Gratuita.
Comunique-se imediatamente ao D. Relator do Agravo de Instrumento n. 5004618-93.2019.8.24.0000 acerca do presente julgamento.
P. R. I.
Transitado em julgado, arquive-se.
Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação (evento 33/1G), sustentando, em suma: (a) o contrato é inválido, pois foi ludibriado pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, pois não recebeu, tampouco utilizou o cartão de crédito; (b) a forma como o desconto é realizado, torna o valor recebido impagável, na medida em que apenas da conta dos encargos incidentes, não representando efetiva amortização; (c) diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada; (d) a operação deve ser cancelada, com a respectiva suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução da quantia indevidamente cobrada, ou, alternativamente, a conversão do crédito contrato em operação de empréstimo pessoal consignado; (e) o banco deve ser condenado ao pagamento de danos morais. Requer o provimento do recurso com a reforma da sentença objurgada.
Contrarrazões (evento 37/1G), nas quais o réu impugna a gratuidade da justiça concedida ao autor e, no mais, requer a manutenção da sentença.
Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça e foram distribuídos por prevenção a este relator.
Este é o relatório

VOTO



1. Do exame de admissibilidade do recurso
Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
Dito isto, tem-se que o recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.
2. Da preliminar em contrarrazões
Em suas contrarrazões, o banco réu impugnou a gratuidade da justiça concedida ao autor.
Com efeito, o art. 100, do CPC, determina:
Art. 100. Deferido o pedido, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias, nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso.Parágrafo único. Revogado o benefício, a parte arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa.
A respeito do tema, Daniel Amorim Assumpção Neves, ensina:
A forma procedimental de impugnação à decisão concessiva da gratuidade de justiça dependerá da forma como o pedido foi elaborado: pedido na petição inicial, impugnação na contestação; pedido na contestação, impugnação na réplica; pedido no recurso, impugnação nas contrarrazões; pedido superveniente por mera petição ou elaborado por terceiro, por petição simples no prazo de quinze dias.Embora o momento de impugnação dependa do momento do pedido deferido, a reação da parte contrária é preclusiva, de modo que, não havendo a devida impugnação dentro do prazo legal, não caberá mais a impugnação.[...].Por outro lado, se a decisão sobre a gratuidade for capítulo de sentença, o recurso cabível será a apelação. (Novo Código de Processo Civil - Leis 13.105/2015 e 13.256/2016 / Daniel Amorim Assumpção Neves. - 3. ed. rev., atual. e ampl., - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 107).
No caso concreto, a gratuidade da justiça foi concedida ao autor na decisão que recebeu a petição inicial, proferida em 8-10-2019 (evento 9/1G), logo, a impugnação à benesse deveria ocorrer na contestação, conforme realizado pela parte ré.
Na sentença, o juiz da causa rejeitoua impugnação e manteve a gratuidade anteriormente concedida, portanto, o meio adequado para se insurgir quanto à matéria decicida pelo juiz de primeiro grau, seria a apelação cível.
A ausência de recurso de apelação contra o capítulo da sentença que rejeitou a gratuidade da justiça demonstra que com ela a parte impugnante se conformou, não podendo impugná-la nas contrarrazões.
Desse modo, este não é o meio adequado para impugnar a benesse concedida ao demandante, o que obsta o conhecimento da matéria.
3. Da (ir)regularidade da operação contratada entre as partes
Sustenta o autor, inicialmente em seu recurso, a invalidade da operação pactuada com a casa bancária, na medida em que teria sido por ela ludibriado, pois pretendia contratar unicamente empréstimo pessoal consignado, e não saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada.
Analisados os autos, verifica-se, todavia, que sem razão a parte demandante.
A princípio, necessário destacar que o próprio autor, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), inclusive, confirma o autor que efetuou dois saques complementares.
As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável aos servidores públicos civis e militares da administração direta, autárquica e fundacional do Estado de Santa Catarina econtram-se prevista no Decreto Lei n. 80, de 11-3-2011, que assim determina:
Art. 1º As consignações em folha de pagamento dos servidores públicos civis e militares, ativos, inativos e pensionistas da administração direta, autárquica e fundacional, são classificadas em: I - compulsórias; eII - facultativas.
[...];
Art. 2o Considera-se, para fins deste Decreto:I - consignatária: pessoa jurídica de direito público ou privado, destinatária dos créditos resultantes das consignações facultativas, em decorrência de relação jurídica estabelecida com o consignado;II - consignante: órgão ou entidade da administração direta, autárquica e fundacional que procede a descontos relativos às consignações facultativas na folha de pagamento do servidor público civil ou militar, ativo, inativo ou beneficiário de pensão previdenciária do IPREV, em favor de consignatária; eIII - consignado: servidor público civil ou...

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