Acórdão Nº 5002635-95.2021.8.24.0030 do Segunda Câmara Criminal, 22-03-2022

Número do processo5002635-95.2021.8.24.0030
Data22 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5002635-95.2021.8.24.0030/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: ADIEL FARIAS MENDES (RÉU) ADVOGADO: ALESSANDRO MARCELO DE SOUSA (OAB SC016856) ADVOGADO: HENRIQUE ROSA DE FARIAS MENDES (OAB SC034873) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Imbituba, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra A. F. M., imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 129, § 9º, e 129, § 1º, III, c/c § 10º, do Código Penal, 12 e 15, da Lei 10.826/03 e 33, caput, da Lei 11.343/06, nos seguintes termos:

Fatos 1 e 2

No dia 5 de junho de 2021, em horário a ser melhor esclarecido na instrução processual, na residência localizada na Rua [...] neste Município, o denunciado A. F. M., no âmbito de relação íntima de afeto, ofendeu a integridade física de sua companheira, D. S. da S., mediante golpe com cabo da arma de fogo, causando-lhe lesão na parte de trás da cabeça, consistente em edema na região occipital direita.

Na mesma oportunidade, o denunciado A. F. M. de forma livre e consciente, efetuou pelo menos um disparo de arma de fogo, na residência do casal, local que era habitado por eles, exercendo com isso violência psicológica contra a vítima, com quem convivia há aproximadamente um ano e quatro meses.

Fato 3

No dia 7 de junho de 2021, por volta das 10h, na residência localizada na Rua [...] neste Município, o denunciado A. F. M., no âmbito de relação íntima de afeto, ofendeu a integridade física de sua companheira, D. S. da S., mediante um soco na boca, que machucou os lábios da vítima e quebrou três dentes frontais na arcada superior, implicando a redução da capacidade mastigatória e ocasionando debilidade permanente da função de mastigação e de fala.

No mesmo contexto, de forma que será melhor esclarecida na instrução processual, o denunciado agrediu a vítima, causando-lhe lesões consistentes em arranhaduras no pescoço e antebraço direito, além de edema no joelho direito.

Fatos 4 e 5

A partir de data a ser precisada durante a instrução processual, mas até o dia 7 de junho de 2021, por volta das 10h, na residência localizada na Rua [...] neste Município, o denunciado A. F. M. tinha em depósito, com a finalidade de traficância, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar, aproximadamente 2.682kg (dois quilos, seiscentos e oitenta e dois centigramas gramas) de substância ilícita conhecida como maconha, acondicionados em três tabletes grandes, envoltos em embalagem plástica, além de uma porção acondicionada dentro de uma sacola plástica.

Nas mesmas condições de tempo e local, o denunciado A. F. M. possuía, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência, 1 (um) revólver calibre .38, marca Rossi, modelo Special, número de série C818, além de seis munições de calibre 38.

Segundo consta, os policiais militares foram acionados para atender uma ocorrência de violência doméstica, conforme descrito anteriormente (fato 3). Durante o atendimento da ocorrência, em posse da informação de que em dias anteriores o denunciado havia usado uma arma para agredir sua companheira e de que ele era envolvido com o tráfico de drogas, foram efetuadas buscas na residência, oportunidade em que foi localizada a maconha e a arma de fogo.

Também foi encontrado na residência do denunciado quatro balanças, um aparelho celular, oito balões usados para embalar a droga e duas facas com resquícios de maconha. Em posse do denunciado também foi localizada a quantia de R$ 7.301,00 (sete mil, trezentos e um reais).

A substância apreendida (maconha) possui a capacidade de provocar dependência física e/ou psíquica, sendo o comércio e uso dela proscrito em todo o Território Nacional, nos termos da Portaria n. 344/98, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (Evento 1).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito Welton Rubenich julgou parcialmente procedente a exordial acusatória e condenou A. F. M. à pena de 8 anos e 2 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e 603 dias-multa, pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 129, § 9º, do Código Penal, duas vezes, 12 e 15 da Lei 10.826/03 e 33, caput, da Lei 11.343/06 (Evento 89).

Insatisfeito, A. F. M. deflagrou recurso de apelação.

Nas razões de inconformismo, requer, em síntese, a absorção do delito de posse de arma de fogo pelo de disparo do artefato bélico.

Quanto ao crime de tráfico de drogas, almeja a redução da pena-base aplicada e o reconhecimento da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06.

Em relação aos delitos de lesão corporal no âmbito doméstico, pugna pelo reconhecimento da continuidade delitiva em detrimento do concurso material.

Por fim, requer a restituição dos valores apreendidos (Evento 7).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e parcial provimento do reclamo, "tão somente para reconhecer a continuidade delitiva entre o fato 1 e 3" (Evento 11).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Lio Marcos Marin, manifestou-se pelo parcial conhecimento do apelo, em razão da inovação recursal e da consequente supressão de instância quanto ao pedido de absorção do delito de posse de arma de fogo pelo de disparo, e por seu desprovimento (Evento 14).

VOTO

1. Não obstante a argumentação adotada na manifestação do Excelentíssimo Procurador de Justiça Lio Marcos Marin, a fim do não conhecimento de parte do recurso aviado pelo Apelante A. F. M., em razão da supressão de instância (destacando-se que, de fato, houve a inovação recursal quanto ao pedido da Defesa de absorção do delito de posse de arma de fogo pelo de disparo), entende-se que a matéria foi, ao menos indiretamente, enfrentada na sentença resistida, quando da constatação da tipicidade das condutas, combatida nas alegações finais sob a insígnia da insuficiência probatória.

Compreende-se que a matéria poderia, inclusive, ser reconhecida de ofício nesta Instância, em razão do paradigma constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da individualização da pena (art. 5º, XLVI), da possibilidade de se instrumentalizar, a qualquer tempo, revisão criminal (CPP, art. 622), e da garantia, enquanto direito fundamental, de que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença" (CF, art. 5º, LXXV).

Nesse contexto, o apenamento injusto e incorreto configura encarceramento arbitrário, a ofender, inclusive, o art. 7º, 3, da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário e cujo texto já se encontra incorporado ao ordenamento pátrio, por força do Decreto 678/92.

Bem por isso que a revisão da condenação, com a irresignação, em sede recursal, pode dar-se oficiosamente, quando houver manifesta injustiça ou impropriedade técnica, consoante reiterados precedentes desta Corte de Justiça (desta Segunda Câmara, verbi gratia, citam-se: Apelações Criminais 2014.065697-2, Rel. Des. Getúlio Corrêa, j. 21.10.14; 2014.016950-3, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 14.10.14; e 2014.024047-0, Rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 2.9.14).

De tal maneira, o pleito defensivo visa a garantir a plenitude da defesa ao jurisdicionado e deve ser integralmente conhecido, porque preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

2. O Recorrente A. F. M. requer o reconhecimento da absorção do delito de posse de arma de fogo pelo de disparo de artefato bélico.

Sem razão.

A alegação é de que "não restou demonstrando nos autos qualquer outro momento em que o Apelante tenha portado a referida arma, a não ser na exata hora do ocorrido" (Evento 7).

Contudo, está provado no feito que a arma pertencia ao Recorrente e que ele a possuía em momento anterior ao disparo, tanto que ele confessou que tinha o artefato há aproximadamente 8 anos, não lembrando de quem comprou (Evento 77).

A Vítima e companheira do Apelante D. S. da S. esclareceu, no contraditório, que "não tem conhecimento há quanto tempo o A. tinha a arma de fogo; que já tinha visto a arma algumas vezes antes do dia em que foi agredida com a coronhada pelo réu" (Evento 77).

Lembre-se de que a consunção ocorre quando um crime é meio para a prática de outro, de forma que o primeiro é absorvido pelo último, devendo o agente responder apenas pelo crime-fim.

Victor Eduardo Rios Gonçalves esclarece:

A relação de consunção ocorre quando um fato definido como crime atua como fase de preparação ou de execução, ou, ainda, como exaurimento de outro crime mais grave, ficando, portanto, absorvido por este. Difere de subsidiariedade, pois nesta enfocam-se as normas (uma é mais ou menos ampla que a outra), enquanto na consunção enfocam-se os fatos, ou seja, o agente efetivamente infringe duas normas penais, mas uma deve ser absorvida pela outra (Direito penal: parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p...

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