Acórdão Nº 5002649-85.2021.8.24.0028 do Quinta Câmara Criminal, 11-05-2023

Número do processo5002649-85.2021.8.24.0028
Data11 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 5002649-85.2021.8.24.0028/SC



RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: FABRICIO RODRIGUES FERNANDES (ACUSADO)


RELATÓRIO


O Ministério Público de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Fabrício Rodrigues Fernandes, imputando-lhe a prática do crime do artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990, por 44 (quarenta e quatro) vezes, na forma do artigo 71 do Código Penal, conforme fatos narrados na exordial acusatória (evento 1, DENUNCIA1, da ação penal):
O denunciado Fabrício Rodrigues Fernandes, na condição de proprietário administrador da empresa BVF Transportes Eireli1 , inscrita no CNPJ sob n. 18.461.862/0001-87 e Inscrição Estadual n. 25.708.668-4, estabelecida na Rodovia BR 101, n.º 285, Km 380, sala 5, bairro Vila Nova, Içara/SC, em datas de 22 de fevereiro de 2016, 21 de março de 2016, 20 de abril de 2016, 20 de maio de 2016, 20 de junho de 2016, 20 de julho de 2016, 22 de agosto de 2016, 20 de setembro de 2016, 20 de outubro de 2016, 21 de novembro de 2016, 20 de dezembro de 2016, 20 de janeiro de 2017, 20 de fevereiro de 2017, 20 de março de 2017, 20 de abril de 2017, 22 de maio de 2017, 20 de junho de 2017, 20 de julho de 2017, 21 de agosto de 2017, 20 de setembro de 2017, 20 de outubro de 2017, 20 de novembro de 2017, 20 de dezembro de 2017, 22 de janeiro de 2018, 20 de fevereiro de 2018, 20 de março de 2018, 20 de abril de 2018, 21 de maio de 2018, 20 de junho de 2018, 20 de julho de 2018, 20 de agosto de 2018, 20 de setembro de 2018, 22 de outubro de 2018, 20 de novembro de 2018, 20 de dezembro de 2018, 21 de janeiro de 2019, 20 de fevereiro de 2019, 20 de março de 2019, 22 de abril de 2019, 20 de maio de 2019, 21 de junho de 2019, 22 de julho de 2019, 20 de agosto de 2019, 20 de setembro de 2019, 21 de outubro de 2019, 20 de novembro de 2019 e 20 de dezembro de 2019, deixou de efetuar o recolhimento de R$ 395.226,23 (trezentos e noventa e cinco mil, duzentos e vinte e seis reais e vinte e três centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores finais, o que fez com o intuito de obter vantagens ilícitas mediante a apropriação de tais valores e em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo próprio denunciado no meses de janeiro a dezembro de 2016, janeiro a dezembro de 2017, janeiro a dezembro de 2018, e janeiro a dezembro de 2019, através do Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional - Declaratório (PGDAS-D).
Ressalte-se que o PGDAS-D2 é um aplicativo colocado à disposição dos contribuintes no Portal do Simples Nacional, através do qual estes efetuam o cálculo dos tributos devidos mensalmente na forma do Simples Nacional, declaram o valor devido e imprimem o respectivo documento de arrecadação (DAS). A apuração no PGDA's deve ser realizada e transmitida mensalmente, até o dia 20 (vinte) de cada mês, ou seja, até o vencimento do prazo para pagamento dos tributos devidos no SIMPLES NACIONAL, relativamente aos fatos geradores ocorridos no mês anterior.
Portanto, no caso sub examen, o denunciado não efetuou os recolhimentos do ICMS por ocasião da entrega das PGDA's, sendo então emitidos os respectivos Termos de Inscrição em Dívida Ativa.
II DAS DÍVIDAS ATIVAS NRS. 19045889458 e 200003460927
Por tal motivo foram emitidas as Dívidas Ativas n. 19045889458 (fls. 2-3) e 200003460927 (fl. 18-19), as quais, computando-se o imposto apropriado e os acréscimos de multa e juros, alcançaram o montante histórico de R$ 126.624,60 (cento e vinte e seis mil, seiscentos e vinte e quatro reais e sessenta centavos).sendo que o valor atualizado perfaz o total de R$ 105.043,74 (cento e cinco mil, quarenta e três reais e setenta e quatro centavos).
Registre-se que o denunciado apresenta longo histórico de apropriação ilícita do imposto ICMS, eis que por 44 vezes/meses apresentou suas declarações mensais ao órgão fazendário, mas, no entanto, não efetuou os devidos recolhimentos do tributo.
E, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, "O contribuinte que deixa de recolher o valor de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90." (Habeas Corpus n. 163334).
Registre-se, ainda, que "A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva."
III DOS PARCELAMENTOS
Os débitos tributários decorrentes dos lançamentos fiscais acima mencionados foram submetidos a parcelamentos, conforme tabela a seguir, ressaltando-se que todos restaram cancelados em virtude de inadimplência, e que "É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a jurídica jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída em regime de parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal".
Registre-se, ainda, que "A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
Nr. Dívida AtivaNr. ParcelamentoData Início do ParcelamentoCancelamento do Parcelamento190458894589110022858917/09/201929/03/202120000346092720110014530306/08/202018/03/2021
A denúncia foi recebida em 04 de maio de 2021 (evento 3 da ação penal), o réu foi citado (evento 7 da ação penal) e apresentou resposta à acusação (evento 9 da ação penal).
A defesa foi recebida e, na sequência, sobreveio a sentença de absolvição sumária (evento 17 da ação penal) com o seguinte dispositivo:
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia e, por consequência, ABSOLVO SUMARIAMENTE o acusado FABRICIO RODRIGUES FERNANDES, já qualificado, da imputação que lhe foi feita no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, c/c artigo 71, caput, do Código Penal, por 44 vezes, diante da atipicidade da conduta, o que faço com fulcro no art. 397, III, do Código de Processo Penal.
Inconformado, o representante do Ministério Público interpôs recurso de apelação (evento 22 da ação penal), pleiteando a reforma da decisão com o intuito de reconhecimento da tipicidade formal do delito previsto pelo art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990 e determinação do prosseguimento regular da ação penal com o ingresso na fase de instrução probatória (evento 29 da ação penal).
O acusado apresentou as contrarrazões (evento 33 da ação penal) e os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira manifestando-se pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 8).
Este é o relatório

VOTO


Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
Como sumariado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo representante do Ministério Público contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Içara, que absolveu sumariamente Fabrício Rodrigues Fernandes por atipicidade da conduta, por entender que, sob o aspecto formal (atipicidade formal), a conduta não se ajusta adequadamente às elementares do tipo penal definido no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990 (evento 17 da ação penal).
Nas suas razões, pugna o Parquet pelo processamento regular do processo criminal, sustentando, em síntese, que a conduta é típica uma vez que o apelado na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária deixou de recolher os valores correspondentes ao tributo (ICMS) de produtos fornecidos e devidamente cobrados dos consumidores finais. Além isso, argumenta que "a conduta penal em exame se fundamenta no verbo apropriar-se, cujo elemento constitutivo está intrínseco na impossibilidade de tomar posse do que não é seu"(evento 29 da ação penal).
Adianta-se que razão lhe assiste.
No caso em comento não se discute a autoria e materialidade do crime, mas sim a existência dos elementos do tipo, pois segundo o entendimento do Magistrado sentenciante "tenho que a falta de recolhimento do ICMS, oportunamente declarado nas guias adequadas e relativo à dívida por operações próprias do contribuinte, como é o caso do presente feito, não configura o crime previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8137/90, que somente ocorre quando presente a figura do terceiro (diga-se, também, contribuinte), ausente na espécie." (evento 17 da ação penal).
Nas contrarrazões o apelado sustenta a tese de inadimplemento, por se tratar de contribuinte adepto ao Simples Nacional que não precifica o ICMS do seu produto e repassa ao cliente. Sustenta ser caso de débito de ICMS regularmente declarado e não pago, sem envolvimento em operação com terceiro (evento 33 da ação penal).
A decisão que absolveu sumariamente o acusado, foi assim fundamentada (evento 17 da ação penal - grifos no original):
Não bastasse, equiparar o consumidor a contribuinte para, sob esse pretexto, colocar o empresário na posição de substituto tributário, revela-se, a meu ver, subversão à ordem jurídica e possui como exclusiva finalidade a arrecadação coativa de tributos, servindo-se o Estado, diga-se o Fisco, do Ministério Público e do Judiciário como longa manus na cobrança de tributos.
Nessa esteira, colhe-se da jurisprudência:
"CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. IMPUTAÇÃO DA CONDUTA PREVISTA NO ART. 2.º, II, DA LEI N. 8.137/90. TRIBUTO (ICMS) NÃO RECOLHIDO AO ERÁRIO. DECLARAÇÃO DO VALOR DEVIDO EM GIAs. LEGISLAÇÃO QUE REVELA DUVIDOSA RELEVÂNCIA PENAL, SERVINDO NÃO À REPRESSÃO E PUNIÇÃO DE DELITOS DE ORDEM TRIBUTÁRIA, MAS À COBRANÇA COATIVA DE TRIBUTOS, TOLHENDO POR VIA REFLEXA, A PERSECUÇÃO PENAL ESTATAL, REDUZINDO O MINISTÉRIO PÚBLICO E O JUDICIÁRIO À CONDIÇÃO DE LONGA MANUS DA FAZENDA NA COBRANÇA DE TRIBUTOS. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EX OFFICIO. SENTENÇA MANTIDA, COM FUNDAMENTO DIVERSO. (5ª...

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