Acórdão Nº 5002826-32.2019.8.24.0024 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 17-12-2020

Número do processo5002826-32.2019.8.24.0024
Data17 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5002826-32.2019.8.24.0024/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: NELSON BATISTA FERREIRA (AUTOR) ADVOGADO: NERIANE OGNIBENE (OAB SC036127) APELADO: BANCO BMG SA (RÉU) ADVOGADO: ANDRÉ LUIS SONNTAG (OAB SC017910)

RELATÓRIO

Nelson Batista Ferreira interpôs recurso de apelação cível (evento 20 autos da origem) em face da sentença (evento 16 autos da origem), que, proferida pelo juízo da 1ª Vara da Comarca de Fraiburgo, julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de repetição de indébito cumulada com indenização por danos morais por ele ajuizada em face da instituição financeira apelada, Banco Bmg SA.

Cuida-se, na origem, de ação de repetição de indébito cumulada com indenização por danos morais aforada por Nelson Batista Ferreira, na qual pede o reconhecimento da inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, e a condenação ao pagamento de danos morais, em razão da inexistência de contratação de reserva de margem consignada em seu benefício previdenciário, para contratação de cartão de crédito não solicitado.

Devidamente citado, o BANCO BMG SA apresentou contestação (evento 9, CONT1, autos da origem), na qual defendeu, inicialmente, a regularidade da contratação realizada entre as partes. Afirmou, neste sentido, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito. Argumentou que, inexistindo irregularidades no contrato, ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável. Pugnou pela improcedência da demanda. Juntou o contrato firmado com a parte autora, cópia do demonstrativo de transferência dos valores contratados e as faturas relativas ao cartão de crédito em discussão.

Manifestação à contestação no evento 14 dos autos da origem, na qual o autor, rebatendo os argumentos da parte adversa, reitera os termos da inicial, pugnando pela procedência da demanda.

Sobreveio sentença de mérito prolatada em 18-02-2020 pelo magistrado Rômulo Vinícius Finato, da 1ª Vara da Comarca de Fraiburgo, que julgou improcedentes os pedidos formulados pelo autor, o que se deu nos seguintes termos (evento 16, autos da origem):

DISPOSITIVO

Diante do exposto, sentencio com resolução de mérito, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes últimos arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

A exigibilidade da verba sucumbencial ficará suspensa por 05 (cinco) anos, diante da gratuidade judicial concedida (CPC, art. 98, § 3º).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Caso haja a apresentação de apelação por qualquer uma das partes e considerando que não há exame de admissibilidade de recurso pelo Juízo de Primeiro Grau, desde já determino a intimação do recorrido para contrarrazoar, em 15 (quinze) dias úteis. Após, encaminhem-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina (artigo 1.013 do Código de Processo Civil).

Oportunamente, arquivem-se os autos.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação (evento 20, autos da origem), em que sustenta, em suma: (a) a invalidade do contrato firmado entre as partes. Neste sentido, informa que foi ludibriado pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, operação com natureza e sujeita a encargos diversos, e superiores, aos do empréstimo pretendido. Alega que, diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada, tendo em vista que apenas pretendia a contratação de empréstimo e não fornecimento de cartão. Pugna, assim, pelo cancelamento da operação com a suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução da quantia que entende indevidamente cobrada. Defende, (b) a condenação da parte demandada ao pagamento de danos morais decorrentes do abalo sofrido em relação à suposta atitude fraudulenta e aos descontos irregulares perpetrados pela casa bancária. Pugna, por fim, (c) seja reconhecida a abusividade da taxa de custo efetivo total prevista no ajuste firmado entre as partes. Requer o provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada.

Em contrarrazões (evento 26, autos da origem), a parte apelada reiterou os argumentos expostos em primeiro grau, defendendo, assim, a manutenção da decisão guerreada e o respectivo desprovimento do recurso.

Vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

1. Do exame de admissibilidade do recurso

Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Dito isto, tem-se que o recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.

2. Da fundamentação

2.1 Do custo efetivo total

Neste ponto, argumenta o apelante que a taxa de custo efetivo total prevista no ajuste em discussão é abusiva, motivo pelo qual deve ser reconhecida a sua abusividade.

No entretanto, referida tese foi trazida à baila somente em sede de apelação, pois não foi suscitada quando do ajuizamento da ação subjacente.

Logo, por não ter sido submetida ao contraditório e tampouco à apreciação do juiz do primeiro grau de jurisdição, importa em flagrante inovação recursal e em afronta ao princípio da dialeticidade, razão porque não pode ser conhecida em sede recursal, sob pena de supressão de instância e transgressão do princípio constitucional do duplo grau de jurisdição.

Sobre o tema, dispõe o Diploma Processual Civil, em seu art. 1.010, II e III, que "A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: [...] II - a exposição do fato e de direito; III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade".

Neste tocante, importa dar à lume o magistério de Cássio Scarpinella Bueno:

O recurso tem de combater a decisão jurisdicional naquilo que ela o prejudica, naquilo que ela lhe nega pedido ou posição de vantagem processual, demonstrando o seu desacerto, do ponto de vista procedimental (error in procedendo) ou do ponto de vista do próprio julgamento (error in judicando). Não atende ao princípio aqui examinado o recurso que se limita a afirmar a sua posição jurídica como a mais correta. Na perspectiva recursal, é a decisão que deve ser confrontada [...] (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, 5: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 62, grifou-se).

De acordo com a lição de Humberto Theodoro Júnior, "pelo princípio da dialeticidade exige-se, portanto, que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste sua inconformidade com o ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer novo julgamento da questão nele cogitada, sujeitando-se ao debate da parte contrária" (Curso de direito processual civil. Vol. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 962).

Ainda, a propósito do tema em foco, asseveram Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa que "as questões não suscitadas e não debatidas em 1º grau não podem ser apreciadas pelo Tribunal na esfera de seu conhecimento recursal, pois, se o fizesse, ofenderia frontalmente o princípio do duplo grau de jurisdição". (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 42 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 629).

De acordo com o disposto no art. 1.013 do CPC, "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada".

Segue daí que, consequência do efeito devolutivo, a apelação devolve ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, desde que tenha sido arguida e submetida ao contraditório no primeiro grau de jurisdição, exceto se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior. Inadmitida, pois, inovação em sede recursal por afrontar o princípio da dialeticidade (art. 1.010, III, do CPC/15), razão por que não pode ser conhecida a matéria sob pena de supressão de instância e transgressão do princípio constitucional do duplo grau de jurisdição, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Assim, este relator resta impossibilitado de se pronunciar sobre o assunto, sob pena de violação do princípio do duplo grau de jurisdição e de incorrer em supressão de instância.

A propósito, é da jurisprudência desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS C/C TUTELA ANTECIPADA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. ALEGADA TESE DE PEDIDO GENÉRICO DA EXORDIAL. TESES NÃO LEVANTADAS PERANTE O JUÍZO A QUO. INOVAÇÃO RECURSAL. ANÁLISE INVIABILIZADA, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO NESSE ASPECTO.

As matérias não suscitadas pela parte, e não apreciadas pela decisão atacada, não podem ser objeto de análise pelo juízo ad quem, sob pena de supressão de instância e violação ao princípio do duplo grau de jurisdição. [...] (Apelação Cível n. 2014.079181-2, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, j. 14-12-2015). [grifou-se]

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING). ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. BENESSE...

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