Acórdão Nº 5002869-34.2021.8.24.0012 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 23-11-2021

Número do processo5002869-34.2021.8.24.0012
Data23 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5002869-34.2021.8.24.0012/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: LURDES CASTANHEIRA SCHAITEL (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: ALBERTO JOSÉ ZERBATO (OAB PR022208) ADVOGADO: NAYARA GARCIA DIAS (OAB PR091107) ADVOGADO: MILENA CIBELE DOS SANTOS (OAB PR103159) ADVOGADO: ELLEN APARECIDA TATAGIBA DE SA OLIVEIRA (OAB PR103660) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Banco BMG S/A e Lurdes Castanheira Schaitel contra sentença de parcial procedência (evento 17) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Pelo exposto, nos termos do art. 487, I do CPC/2015, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para:

a) RECONHECER a ilegalidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, por conseguinte, determinar a sua adequação para contrato de empréstimo consignado, no valor obtido pela parte autora através do saque pelo cartão, aplicando-se os encargos pela taxa média de mercado divulgados pelo Banco Central à época da contratação (04/08/2016), ou seja, 30,32% ao ano e 2,23% ao mês (Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS - Códigos 20746 e 25468), com a devida compensação, na forma simples, dos valores descontados indevidamente pela instituição financeira a título de RMC, atualizados monetariamente pela variação do índice INPC/IBGE a contar de cada desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação (28/04/2021 - Evento 8). Na hipótese de excesso de margem consignável, o pagamento ficará suspenso até a liberação de margem para a inserção de seu desconto na folha de pagamento, nos termos da fundamentação.

b) DETERMINAR a repetição do indébito em favor da parte autora, na forma simples (correção monetária pela variação do índice INPC/IBGE a contar de cada desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação), acaso verificado em liquidação ou cumprimento de sentença que os valores objeto do empréstimo foram integralmente quitados, restando crédito em favor da parte consumidora. Restando débito da parte autora para com a instituição financeira demandada, deverá esta readequar os descontos nos termos desta decisão.

c) CONDENAR a parte ré ao pagamento do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de indenização por danos morais, corrigido monetariamente pela variação do INPC-IBGE desde a data da publicação desta sentença e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir do momento em que ocorreu o ato ilícito, nos termos da fundamentação acima (Súmula 54 do STJ).

Considerando a sucumbência mínima da parte autora, condeno o banco réu ao pagamento integral das despesas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, consistente no importe de 15% do valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do CPC.

Transitada em julgado e, nada sendo requerido, arquivem-se.

P.R.I.

Em suas razões recursais (evento 25), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, a autora (evento 29) requer a majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 34 e 36).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela ilegalidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando sua adequação para empréstimo consignado (evento 17).

Em seu reclamo, pretende a casa bancária apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.

Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:

O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC.

Na sua folha de pagamento será descontado apenas o correspondente a 6% do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor e mais os acréscimos é enviado para pagamento sob a forma de fatura que chega mensalmente à casa do consumidor.

Se este pagar integralmente o valor da fatura, que é o próprio valor do empréstimo, estará quitada a dívida; se, entretanto, como ocorre em quase todos os casos, o pagamento se restringir ao desconto consignado no contracheque (6% apenas do total devido), sobre a diferença não paga, isto é, 94% do valor devido, incidirão juros que são duas vezes...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT