Acórdão Nº 5002911-85.2022.8.24.0000 do Segunda Câmara Criminal, 15-02-2022

Número do processo5002911-85.2022.8.24.0000
Data15 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal Nº 5002911-85.2022.8.24.0000/SC

RELATORA: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO

PACIENTE/IMPETRANTE: LUCAS SALDANHA ORTIZ (Paciente do H.C) ADVOGADO: JEAN RAFAEL CANANI (OAB SC026002) ADVOGADO: MATHEUS CHAVES CANANI (OAB SC042051) ADVOGADO: ELIZEO MARCON JUNIOR (OAB SC027876) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: ELIZEO MARCON JUNIOR (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Lages MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus impetrado pelo advogado Elizeo Marcon Junior (OAB/SC n. 27.876), em favor de Lucas Saldanha Ortiz, contra a decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Lages, que, nos autos da ação penal n. 0004942-27.2014.8.24.0039, recebeu a denúncia e indeferiu a aplicação do acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal.

Nas razões do writ, o Impetrante sustentou a nulidade do recebimento da denúncia, uma vez que foi considerado como impeditivo para a propositura do pretendido acordo, cerceando, assim, o direito de defesa do paciente.

Quanto ao ponto, destacou que, embora o fato seja anterior a vigência da Lei n. 13.964/19, a denúncia foi oferecida em 21.2.2020, ou seja, já na vigência da nova lei, razão pela qual, após recusa em oferecer o acordo, deveria o Magistrado ter oportunizado ao acusado sua manifestação acerca de eventual encaminhamento à Procuradoria Geral de Justiça, afim de propiciar as garantias constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, isso, antes de receber a denúncia, tornando-a, portanto, nula.

Outrossim, inferiu que a decisão do Magistrado a quo, que indeferiu a aplicação do acordo, está eivada de ilegalidade e configura manifesto cerceamento de defesa, sobretudo diante da ausência de remessa dos autos ao órgão superior do Ministério Público, na forma do §14 do art. 28-A, do Código de Processo Penal.

Gizou que "o fato de o juiz singular entender impertinente a medida despenalizadora não pode tolher do Paciente o direito de ter o seu pleito apreciado pela instancia recursal do órgão acusatório, o titular da ação penal."

Por fim, arguiu que "a remessa dos autos ao Procurador Geral de Justiça para a reapreciação do pedido formulado é um verdadeiro e incontroverso direito inafastável do Paciente."

Assim sendo, formulou pedido para que seja concedida a medida liminar da ordem de Habeas Corpus, determinando-se a imediata declaração de nulidade da decisão que recebeu a denúncia e, alternativamente, seja remetido os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, na forma do art. 28 e art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal.

No mérito, requereu a concessão da ordem de habeas corpus com a confirmação do pedido liminar.

O pleito liminar foi indeferido (Evento 8).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes, que opinou pelo conhecimento e parcial concessão da ordem, tão somente para que seja determinada a remessa de cópias dos autos ao órgão de revisão do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, nos termos do art. 28-A do CPP, para que decida quanto a possibilidade de oferecimento, ou não, do ANPP (Evento 12).

É o breve relatório.

VOTO

Cuida-se de Habeas Corpus impetrado por Elizeo Marcon Junior (OAB/SC n. 27.876), em favor de Lucas Saldanha Ortiz, contra a decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Lages, que, nos autos da ação penal n. 0004942-27.2014.8.24.0039, recebeu a denúncia e indeferiu a aplicação do acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal.

Depreende-se dos autos que o Ministério Público ofereceu denúncia contra o paciente em 21.2.2020, dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, § 3º (negligência) e § 4º (inobservância de regra técnica de profissão), do Código Penal, pois, em 1.8.2012, na qualidade de médico, de forma negligente, supostamente teria deixado de utilizar-se de todos os meios disponíveis de diagnóstico, prescrevendo tratamento inadequado à enfermidade da vítima, que acabou vindo a óbito (Ev. 195 dos autos originários).

Na mesma oportunidade, o órgão ministerial negou o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal, por entender não estarem preenchidos os requisitos necessários. Na cota ministerial, constou-se que (Ev. 195, fl. 4 dos autos originários):

"1. Deixa o Ministério Público de propor acordo de não persecução penal em favor do denunciado, porque existem elementos probatórios que indicam sua conduta criminal reiterada (Eproc n. 5010315-75.2019.8.24.0039 - crime sexual contra vulnerável)".

Em seguida, o Juízo a quo recebeu a peça exordial e determinou a citação do acusado (Ev. 197 dos autos originários).

Ato contínuo, o procurador constituído do paciente apresentou defesa prévia, no qual refutou os argumentos lançados pelo representante do Ministério Público e solicitou nova análise para a propositura do Acordo de Não Persecução Penal ou, em caráter subsidiário, a remessa dos autos ao órgão superior ministerial, na forma do artigo 28, §14 do Código de Processo Penal (Ev. 243 dos autos originários).

Em nova manifestação, o Promotor de Justiça assim consignou (Ev. 248 dos autos originários):

Mediante exame do processado, sobressai a impossibilidade de acolhimento do pleito defensivo.

Primeiramente, em virtude da superação do limite temporal, porque o oferecimento e o recebimento da denúncia atuam como óbice intransponível para o oferecimento do acordo de não persecução penal, que se esgota na fase préprocessual e tem como intuito justamente impedir o início do processo criminal.

Nesse diapasão, é o teor do Enunciado 20 do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais - GNCCRIM:

ENUNCIADO 20 (ART. 28-A) Cabe acordo de não persecução penal para fatos ocorridos antes da vigência da Lei n. 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.

Igualmente, as recentes decisões proferidas pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES, DURANTE O REPOUSO NOTURNO (ARTIGO 155, § 1º E § 4°, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL), POR 02 (DUAS) VEZES, EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 71 DO CÓDIGO PENAL). RECURSO DA DEFESA. INVOCAÇÃO DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA ATINENTE AO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO INAPLICÁVEL NOS PROCESSOS EM ANDAMENTO NOS QUAIS A DENÚNCIA JÁ RESTOU OFERECIDA E RECEBIDA [...] 1. Cabe acordo de não persecução penal, com base no art. 28-A do Código de Processo Penal, para fatos ocorridos antes da vigência da Lei n. 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia... (TJSC, Apelação Criminal n. 0139660-54.2014.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 02-12-2021) (grifos no original)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ESTELIONATO SIMPLES. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR ARGUIDA PELA PROCURADORIAGERAL DE JUSTIÇA. BAIXA DOS AUTOS EM DILIGÊNCIA PARA AVALIAR A POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CRIMINAL (ART. 28-A DO CPP). DESCABIMENTO. FATOS OCORRIDOS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 13.964/2019. BENEFÍCIO QUE PODE SER OFERTADO ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA (...) (TJSC, Apelação Criminal n. 0005280-60.2015.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 23-04-2020) (grifos no original)

Também, pelo Excelso Supremo Tribunal Federal:

Processo penal. Agravo regimental em habeas corpus. Falsidade ideológica. Uso de documento falso. Acordo de não persecução penal. Retroatividade até o recebimento da denúncia. 1. O acordo de não persecução penal (ANPP) aplicase a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (STF, HC 206113 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/11/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-237 DIVULG 30-11-2021 PUBLIC 01-12-2021)

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ART. 28-A DO CPP). RETROATIVIDADE ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA . 1. A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o acordo de não persecução penal (ANPP), é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum. 2. O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia. 3. O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente. Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. 4. Na hipótese concreta, ao tempo da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, havia sentença penal condenatória e sua confirmação em sede recursal, o que inviabiliza restaurar fase da persecução penal já encerrada para admitir-se o ANPP. 5. Agravo regimental a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: "o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia" (HC 191464 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 11/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-280 DIVULG 25-11-2020 PUBLIC 26-11-2020) (grifos no original).

Não bastasse isso, oportuno mencionar que Lucas Saldanha Ortiz possui um inquérito policial em andamento pela suposta prática de crime sexual contra vulnerável [Inquérito policial n. 76.19.00393, cadastrado no Eproc sob n. 5010315-75.2019.8.24.0039 (evento 216)], o qual inegavelmente reflete sua personalidade voltada para a prática de crimes, e faz incidir a vedação inscrita no inciso II do § 2º do...

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