Acórdão Nº 5002961-66.2022.8.24.0015 do Quinta Câmara Criminal, 01-12-2022

Número do processo5002961-66.2022.8.24.0015
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5002961-66.2022.8.24.0015/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: CRISTIAN DA SILVA MARTINS (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de CRISTIAN DA SILVA MARTINS, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 33, caput, c/c artigo 40, inciso VI, ambos da Lei n. 11.343/2006, na forma do artigo 69, do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento 1 da ação penal):

No dia 23 de abril de 2022, por volta das 21 horas e 30 minutos, na Rua Wendelin Metzger, s/n, no Município de Canoinhas/SC, CRISTIAN DA SILVA MARTINS guardou, manteve em depósito e vendeu drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, ao adolescente S. G. V.

Na ocasião, a guarnição policial do Serviço de Inteligência da Polícia Militar realizava o monitoramento da residência do denunciado, em razão de conhecimento prévio acerca da prática do crime de tráfico de drogas no local, ocasião em que os policiais visualizaram S. G. V. deixando o imóvel em um veículo Fiat/Uno, placa QHJ1J32. Realizada a abordagem deste, encontraram, dentro de uma pochete que estava com o adolescente, 45 (quarenta e cinco) pedras de material semelhante à substância vulgarmente conhecida como crack e 1 (um) grama de material semelhante à substância vulgarmente conhecida como maconha e, diante do relato de que teria negociado a droga com o denunciado, os agentes públicos resolveram adentrar à residência.

Chegando próximo ao local, foram percebidos por Lindomar Carvalho, o qual gritou: "Cris, os vermes estão na rua, Cris, os vermes estão chegando a pé", momento em que os policiais militares correram até a residência do denunciado, o qual estava saindo do banheiro e o sistema de descarga estava acionado, provavelmente dispensando a droga que armazenava na residência, prática comum entre os traficantes, conforme informação da Polícia Militar.

Registra-se que, conforme consta do Auto de Prisão em Flagrante, CRISTIAN DA SILVA MARTINS ocultava as drogas em residências vizinhas, contadores de energia aos arredores de sua casa e também em área de mata, conforme consta em outras ocorrências envolvendo o denunciado e mencionadas no boletim de ocorrência.

A denúncia foi recebida (evento 4 da ação penal), o réu foi citado (evento 13 da ação penal) e apresentou defesa (evento 23 da ação penal).

A defesa foi recebida e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento 30 da ação penal).

Na instrução foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, bem como o réu foi interrogado (eventos 74 e 141 da ação penal).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais (eventos 152 e 158 da ação penal), sobreveio a sentença (evento 160 da ação penal) com o seguinte dispositivo:

Em razão do exposto, na forma do art. 387, do CPP, julgo procedente a pretensão acusatória, pelo que condeno o réu CRISTIAN DA SILVA MARTINS às penas 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 933 dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, pela prática do delito descrito no artigo 33, caput, c/c art. 40, VI, ambos da Lei n. 11.343/2006, devendo a reclusão ser cumprida em regime inicial fechado.

Inconformado o réu interpôs recurso de apelação (evento 169 da ação penal). Em suas razões (evento 176 da ação penal) alega, em sede preliminar, nulidade do feito pela violação do domicílio; nulidade das provas contidas no processo porque a suposta droga aprendida foi apresentada ao perito sem as devidas observações que devem ser feitas. No mérito, sustenta insuficiência de provas para manter o decreto condenatório, razão pela qual pugna por sua absolvição. Subsidiariamente, requer revisão da pena aplicada, eis que ela seria excessiva e desproporcional.

Apresentadas as contrarrazões (evento 179 da ação penal), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 11).

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Como sumariado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo réu Cristian da Silva Martins, o qual busca a reforma da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Canoinhas, que condenou-o ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 933 (novecentos e trinta e três) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, pela prática do delito descrito no artigo 33, caput, c/c art. 40, VI, ambos da Lei n. 11.343/2006.

1 - Preliminares

1.1 - Nulidade pela violação do domicílio

Aduz apelante, em sede preliminar, que a prova colhida por ocasião de sua prisão é manifestamente ilícita, isso porque, as buscas realizadas no interior da residência, deixaram de observar a previsão legal.

A preambular foi afastada pelo magistrado a quo nestes termos (evento 160 da ação penal):

A defesa alegou nulidade consistente em reconhecimento da ilicitude da prova colhida na residência do acusado, em razão da ausência de autorização para ingresso, o que contaminaria toda a prova derivada.

O delito de tráfico de drogas é crime permanente, de modo que legitimado o ingresso em domicílio, independentemente de ordem judicial, quando houver suspeita fundada da ocorrência de crime em seu interior. Tanto havia fundada suspeita que a residência era monitorada pela Polícia.

Na hipótese, estavam presentes os elementos necessários à adoção da medida de busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial, tanto que, da própria narrativa da inicial, o adolescente abordado pelos policiais teria saído-da residência do acusado na posse de substâncias ilícitas, circunstâncias que serão examinadas por ocasião da análise de mérito.

Não há falar em nulidade da prova.

Em que pese a crítica doutrinária a respeito do tema e alguns julgados no mesmo caminho, permanece íntegro o entendimento perante as Cortes Superiores acerca do caráter permanente do crime de tráfico de drogas.

Essa característica, como sabido, reduz o postulado preconizado pelo art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

Como se vê, a regra da Carta Política, dita em outras palavras, é de que não há exigência de mandado judicial para adentrar em casa, sem consentimento do morador, sendo caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro.

Não se deve olvidar que o crime de tráfico de drogas é delito permanente, sendo que, em casos de flagrante, não há que se falar em invasão de domicílio ou nulidade do flagrante pela ausência de determinação judicial prévia.

Nesta senda, oportuno trazer à baila o escólio de Guilherme de Souza Nucci:

Desnecessidade de mandado em caso de flagrante: é indiscutível que a ocorrência de um delito no interior do domicílio autoriza a sua invasão, a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo sem o mandado, o que, aliás, não teria mesmo sentido exigir fosse expedido. Assim, a polícia pode ingressar em casa alheia para intervir num flagrante delito, prendendo o agente e buscando salvar, quando for o caso, a vítima. Em caso de crimes permanentes (aqueles cuja consumação se prolonga no tempo), como é o caso de tráfico de entorpecentes, na modalidade 'ter em depósito' ou 'trazer consigo', pode o policial penetrar no domicílio efetuando a prisão cabível. (Código de Processo Penal comentado, 8ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, p. 530/531).

Destaco acerca do assunto, o julgamento em recurso representativo da controvérsia, em que o Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido da possibilidade de busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente, desde que amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito. Veja-se:

Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se...

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