Acórdão Nº 5002985-08.2023.8.24.0000 do Primeira Câmara Criminal, 01-06-2023

Número do processo5002985-08.2023.8.24.0000
Data01 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Habeas Corpus Criminal Nº 5002985-08.2023.8.24.0000/



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


PACIENTE/IMPETRANTE: EDVALDO LUIZ DE ANDRADE (Paciente do H.C) ADVOGADO(A): THIAGO BURLANI NEVES (DPE) PACIENTE/IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da Vara de Execuções Penais da Comarca de Criciúma


RELATÓRIO


Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública de Santa Catarina em favor de Edvaldo Luiz de Andrade, contra ato do Juízo da Vara de Execuções Penais da comarca de Criciúma.
Alegou, em síntese, que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal em decorrência do entendimento adotado pelo Juízo a quo quando da análise da retroatividade da Lei 13.964/2019.
Requereu a concessão da ordem para determinar "que seja analisada a retroatividade da Lei n. 13.964/2019 isoladamente por condenação/delito, afastando-se a aplicação dos dispositivos mais gravosos aos fatos praticados anteriormente à vigência da lei" (evento 1/SG, em 31-1-2023).
A decisão monocrática da lavra deste relator negou seguimento ao presente habeas corpus, por ser manifestamente inadmissível (evento 6/SG, em 1-2-2023).
Interposto agravo regimental (evento 11/SG, em 8-2-2023), a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do procurador de justiça Gilberto Callado de Oliveira, opinou pelo desprovimento do recurso (evento 20/SG, em 16-2-2023).
Esta Primeira Câmara Criminal, em voto da lavra deste relator, acompanhado dos votos dos Desembargadores Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva e Ana Lia Moura Lisboa Carneiro, decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimento (evento 28/SG, em 22-3-2023).
Após a certificação do trânsito em julgado do referido acórdão, em 14-4-2023 (evento 39), sobreveio notícia da decisão monocrática terminativa oriunda do Superior Tribunal de Justiça, proferida pelo Ministro Antonio Saldanha Palheiro negou provimento, em 3-5-2023, por meio da qual se concedeu habeas corpus"para determinar que o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina aprecie o mérito do habeas corpus originário como entender de direito"
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do procurador de justiça Gilberto Callado de Oliveira, opinou pela denegação da ordem (evento 47/eproc2G, em 10-5-2023).
Este é o relatório

VOTO


Em cumprimento à decisão exarada pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do HC 814.800/SC, passa-se ao exame do pleito de aplicação retroativa da Lei 13.964/2019, não conhecido anteriormente por esta Corte de Justiça.
Eis a decisão da autoridade impetrada no particular:
Trata-se de pedido de progressão de regime formulado por EDVALDO LUIZ DE ANDRADE, com posterior manifestação ministerial, vindo os autos conclusos.
Além do requisito subjetivo de bom comportamento carcerário, o requisito objetivo para a concessão da progressão de regime está disciplinado pela atual redação do art. 112 da LEP, dada pela lei nº 13.964/2019, que entrou em vigência a partir de 23/1/2020:
[...]
Como se trata de norma recente, há que se observar o Princípio da Irretroatividade da Lex Gravior, de modo que aos delitos praticados até 22/1/2020, aplica-se a anterior redação do art. 112 da lei nº 7.210/1984 c/c o ora revogado art. 2º, § 2º, da lei nº 8.072/1990 (incluído pela lei nº 11.464/2007 ), que estabeleciam o patamar de 1/6 (um sexto) da pena, caso condenado por crime comum, ou, se for a condenação por crime hediondo perpetrado após 29/3/2007, 2/5 (dois quintos) para o apenado primário e 3/5 (três quintos) para o reincidente.
Necessário objetar ainda que, da mesma forma, o § 2º do art. 2º da lei nº 8.072/1990 (trazido pela lei nº 11.464/2007) também se trata norma mais gravosa do que aquela que vigia até então, de modo que, para todas as infrações penais anteriores a 28/3/2007 se aplica a fração de 1/6, qualquer que seja sua natureza.
Em quaisquer das situações acima, no que toca à fração ou percentual a ser adotado, de se anotar que a reincidência é condição pessoal que repercute no somatório das condenações, de modo que "Constatada a reincidência em crime doloso, aplica-se a fração mais gravosa sobre a totalidade da pena alcançada, ainda que ostentada a primariedade em alguma condenação." (Agravo de Execução Penal n. 0015415-07.2016.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 04-04-2017).
Quanto a delitos perpetrados antes de 22/1/2020, esta magistrada vinha aplicando interpretação extensiva aos incisos V e VII do art. 112 da LEP, na lacunosa redação dada pela lei 13.964/ 2019, por entender que a simples leitura gramatical era insuficiente para alcançar o verdadeiro sentido da norma.
Concluía, então, que a novatio legis não modificara o tratamento dado aos crimes hediondos no tocante à progressão de regime, de modo a bastar a reincidência genérica para continuidade da aplicação da fração de 3/5 (três quintos) ou do percentual de 60% (sessenta por cento) para progressão, como previa o revogado art. 2º, § 2º, da Lei de Crimes Hediondos - estribada em julgados do TJSC, como o Agravo de Execução Penal 0000164-22.2020.8.24.0033, julgado em 7/4/2020.
Contudo, de lá para cá, a jurisprudência catarinense tem paulatinamente rumado para sentido diverso, posicionando-se no sentido de que a nova lei, chamada de "Pacote Anticrime", em que pese o intento de recrudescer o sistema progressivo, conferiu neste ponto tratamento mais benéfico aos condenados (e, por consequência, com efeitos retroativos), pois teria passado a exigir, para incidência da fração ou percentual mais grave (3/5 ou 60%), a reincidência específica em delitos hediondos - reservando, assim, o percentual de 40% (quarenta por cento) para aqueles reincidentes genéricos.
[...]
Assim sendo, pode-se concluir que: (i) se o recluso for reincidente genérico, deverá resgatar 40% (quarenta por cento) da pena restante de crimes dotados de hediondez sem resultado morte para progredir de regime, em razão da retroatividade benéfica da lei 13.964/2019; (ii) na mesma hipótese, mas respondendo por delito hediondo com resultado morte, o requisito objetivo passa a ser de 50% (cinquenta por cento); (iii) porém, se for reincidente específico em crimes hediondos, continua incidindo a fração de 3/5 (três quintos) ou percentual de 60% (sessenta por cento) sobre a pena remanescente destes para a progressão, pois o revogado art. 2º, § 2º, da Lei de Crimes Hediondos, é equivalente à novel legislação.
Passo, pois, à análise da situação concreta.
Não se deve descurar, neste momento, do que dispõe o Código Penal:
Art. 64 - Para efeito de reincidência:
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (grifei)
Quanto a crimes hediondos, está cumprindo pena por infração ao art. 159, § 1º , do CP na data de 30/7/2018 (ação penal 0009177-55.2018.8.24.0020).
Conforme certidões de antecedentes criminais de seq. 32, teve contra si, anteriormente, apenas condenações transitadas em julgado por crimes comuns.
Portanto, é reincidente, mas não específico em crime hediondo ou equiparado. Dessarte, deve em tese retroagir a norma mais benéfica em seu favor, aplicando-se o percentual de 40% ( quarenta por cento) sobre a pena remanescente de crimes hediondos sem resultado morte.
Contudo, cediço que em conflito temporal de leis penais, não é permitido ao Estado-juiz mesclar partes das duas normas, criando assim uma lex tertia, ou seja, um terceiro regime jurídico. Dessarte, ou a norma retroage por inteiro, ou se mantém a aplicação da lei antiga.
Para ser beneficiado com a fração de 40% ou 50% a crimes hediondos, portanto, deve também ter os requisitos progressivos de crimes comuns avaliados de acordo com a nova redação do art. 112 da LEP.
Assim tem decidido o TJSC:
[...]
Portanto, aplica-se para progressão de regime:
a) 20% a delitos comuns sem violência ou grave ameaça.
b) 30% a delitos comuns com violência ou grave ameaça, pois é reincidente específico em infrações desta natureza.
São essas, pois, as alterações a serem feitas. Ocorre que, com tais mudanças, o requisito objetivo para progressão passará a ser tido por satisfeito apenas em 9/12/2035, conforme relatório de seq. 38.
Por outro lado, o relatório de seq. 39 aponta que, aplicando-se 3/5 (três quintos) aos delitos hediondos e 1/6 (um sexto) aos crimes comuns, a progressão poderá ser concedida em 12/5/2034.
Portanto, a retroatividade da lei 13.964/2019 é prejudicial ao reeducando, razão por que o pleito não pode ser deferido.
Ante o exposto, INDEFIRO a aplicação retroativa da lei 13.964/2019 em favor de EDVALDO LUIZ DE ANDRADE, por lhe ser prejudicial. (seq. 40.1, SEEU, em 21-7-2021).
A decisão não padece de ilegalidade manifesta.
A progressão de regime da pena privativa de liberdade, como se sabe, permite a transferência do condenado para um regime menos gravoso, a fim de que possa comprovar o seu senso de responsabilidade e aptidão à vida em liberdade, porquanto a finalidade da Lei de Execução Penal é a ressocialização do apenado.
O referido benefício está previsto no art. 112 da Lei de Execução Penal, que, nos termos da redação dada pela Lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003, assim previa:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
Com o advento da Lei 11.464/2007, foi admitida expressamente a progressão de regime aos condenados por crimes hediondos, determinando como critério objetivo para esses...

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