Acórdão Nº 5003060-97.2021.8.24.0103 do Primeira Câmara Criminal, 21-06-2022

Número do processo5003060-97.2021.8.24.0103
Data21 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5003060-97.2021.8.24.0103/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: ALISON LUIZ COELHO (ACUSADO) RECORRIDO: OSNI FRANCISCO COELHO (ACUSADO)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de ARAQUARI em face de Alison Luiz Coelho e Osni Francisco Coelho, dando-os como incursos nas sanções do art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, por 9 vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

Os denunciados, na condição de sócios-administradores de 'GMC INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PLÁSTICOS LTDA. ME', CNPJ n. 14.113.235/0001-02 e Inscrição Estadual n. 25.649.005-8, estabelecida na Rodovia SC 495, s/n, Km 7, em Balneário Barra do Sul, deixaram de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 26.782,20 (vinte e seis mil setecentos e oitenta e dois reais e vinte centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante esse tipo de apropriação de valores em prejuízo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação em DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de fevereiro, março, abril, maio, junho, agosto, outubro, novembro e dezembro de 2019, documentos geradores da Dívida Ativa n. 200002217026, inscrita em 07/05/2020 (evento 1, eproc1G, em 27-8-2021).

Decisão: a juíza de direito Shirley Tamara Colombo de Siqueira Woncce julgou rejeitou a denúncia por ausência de justa causa para o exercício da ação penal, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal (evento 7, eproc1G, em 3-9-2021).

Recurso do Ministério Público: a acusação interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou que não há falar em atipicidade da conduta, uma vez que, por ora, há elementos denotativos da materialidade, autoria e tipicidade delitivas, devendo o feito prosseguir até seus ulteriores termos, em especial porque os acusados deixaram, deliberadamente, de repassar ao fisco estadual imposto embutido no preço da mercadoria/serviço cobrado do consumidor, atuando, ainda, com dolo apropriativo e de maneira contumaz, no que se insere, em tese, a ação típica prevista no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, a fim de que o processamento do feito tenha regular seguimento e os denunciados sejam submetidos a julgamento exauriente perante o juízo a quo (evento 10, eproc1G, em 20-9-2021).

Juízo de retratação: a Magistrada a quo manteve a decisão terminativa por seus próprios fundamentos (evento 13, eproc1G, em 22-9-2021).

Contrarrazões de Osni Francisco Coelho: a defesa impugnou as razões recursais, ao argumento de que não resultou demonstrada a tipicidade delitiva, ante a falta de comprovação da contumácia delitiva.

Requereu o conhecimento e desprovimento do recurso (evento 35/SG - em 20-5-2022.

Contrarrazões de Alison Luiz Coelho: a defesa impugnou as razões recursais, aduzindo que não foram demonstrados os requisitos configuradores do tipo.

Requereu o conhecimento e desprovimento do recurso, sem prejuízo da fixação de verba honorária devida ao defensor nomeado (evento 48/SG - em 10-6-2022).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Jorge Orofino da Luz Fontes opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 55/SG - em 15-6-2022).

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Do mérito

A acusação logrou derruir a convicção formada pela Juíza a quo, a qual proferiu sentença rejeitando a denúncia que imputou aos recorridos a suposta prática do delito descrito no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, por nove vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal, face ao reconhecimento da atipicidade da conduta.

Eis o fundamento terminativo:

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público, na qual se atribui aos acusados a prática do delito previsto no art. art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, por 9 (nove) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, porque deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 26.782,20 (vinte e seis mil setecentos e oitenta e dois reais e vinte centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS.

Para receber a denúncia, ao magistrado compete analisar o preenchimento dos requisitos do art. 41, bem como se não configura hipótese do art. 395, ambos do Código de Processo Penal.

Com relação ao previsto no art. 41, do CPP, verifico que a denúncia preenche, suficientemente os requisitos lá elencados, porque contém a exposição do fato descrito como criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo e a classificação do crime.

No entanto, em que pese a descrição da conduta, em tese, praticada pelos denunciados, verifica-se a ausência de justa causa para o exercício da ação penal, ferindo, assim, o art. 395, inciso III, do CPP.

Isso porque, sobre o tipo penal em apreço há entendimento firmado do STF, como definido no RHC nº 163.334, julgado em 18.12.2019, em que foi fixada a seguinte tese: "O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990".

O julgado recebeu a seguinte ementa:

Ementa: Direito penal. Recurso em Habeas Corpus. Não recolhimento do valor de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço. Tipicidade. 1. O contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990. 2. Em primeiro lugar, uma interpretação semântica e sistemática da regra penal indica a adequação típica da conduta, pois a lei não faz diferenciação entre as espécies de sujeitos passivos tributários, exigindo apenas a cobrança do valor do tributo seguida da falta de seu recolhimento aos cofres públicos. 3. Em segundo lugar, uma interpretação histórica, a partir dos trabalhos legislativos, demonstra a intenção do Congresso Nacional de tipificar a conduta. De igual modo, do ponto de vista do direito comparado, constata-se não se tratar de excentricidade brasileira, pois se encontram tipos penais assemelhados em países como Itália, Portugal e EUA. 4. Em terceiro lugar, uma interpretação teleológica voltada à proteção da ordem tributária e uma interpretação atenta às consequências da decisão conduzem ao reconhecimento da tipicidade da conduta. Por um lado, a apropriação indébita do ICMS, o tributo mais sonegado do País, gera graves danos ao erário e à livre concorrência. Por outro lado, é virtualmente impossível que alguém seja preso por esse delito. 5. Impõe-se, porém, uma interpretação restritiva do tipo, de modo que somente se considera criminosa a inadimplência sistemática, contumaz, verdadeiro modus operandi do empresário, seja para enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades. 6. A caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, tais como o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de "laranjas" no quadro societário, a falta de tentativa de regularização dos débitos, o encerramento irregular das suas atividades, a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado etc. 7. Recurso desprovido. 8. Fixação da seguinte tese: O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990. (RHC 163334, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-271 DIVULG 12-11-2020 PUBLIC 13-11-2020)

Com efeito, para o STF não é necessária a ocorrência de fraude para a tipicidade da conduta (caso em que o enquadramento se daria no artigo 1º da mesma lei, com pena mais grave), mas é necessário que o não recolhimento do tributo ocorra de forma contumaz e com dolo de apropriação.

Quanto ao dolo de apropriação, constou do julgado do STF que "o dolo da apropriação deve ser apurado na instrução criminal, pelo juiz natural da causa, a partir de circunstâncias objetivas e factuais, tais como a inadimplência reiterada, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de 'laranjas', a falta de tentativa de regularização de situação fiscal, o encerramento irregular de atividades com aberturas de outras empresas".

Nota-se que com exceção da falta de tentativa de regularização da situação fiscal, nenhuma outra circunstância foi demonstrada ou sequer mencionada nos documentos que instruem a denúncia. Registra-se que não há requerimento de prova oral por parte da acusação e, por isso, é cediço que a prova limitar-se-á aos documentos juntados com a peça acusatória.

No tocante à contumácia, a Lei Estadual n. 17.878/2019, conferiu nova redação ao art. 111-B, I, da Lei nº 3.938/1966, modificando o entendimento e interpretação do conceito de devedor contumaz, estabelecendo que:

Art. 111-B. Será declarado devedor contumaz o contribuinte do ICMS que: I - relativamente a qualquer de seus estabelecimentos localizados no Estado, deixar de recolher, no prazo regulamentar, o imposto declarado relativo a 8 (oito) períodos de apuração, sucessivos ou não, nos últimos 12 (doze) meses, em valor superior ao fixado em regulamento; ou

Com escopo de suprir a lacuna existente, em 23/01/2020, através do Decreto nº 434 de 2020, o Governador do Estado de Santa Catarina alterou o regulamento do ICMS do Estado...

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