Acórdão Nº 5003071-35.2021.8.24.0004 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 29-09-2022

Número do processo5003071-35.2021.8.24.0004
Data29 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003071-35.2021.8.24.0004/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: ANDREA DIENE ROCHA (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

ANDREA DIENE ROCHA interpôs recurso de apelação da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Araranguá, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO BMG S.A, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

I- RELATÓRIO

ANDREA DIENE ROCHA ingressou com ação em desfavor de BANCO BMG S.A alegando que pretendia a contratação de empréstimo consignado, mas que lhe foi fornecido, de forma indevida, um contrato de cartão de crédito, com condições mais gravosas, de forma que o contrato deve ser anulado, com restituição dos valores. Sustentou ter experimentado danos morais em razão da atitude abusiva. Pediu a declaração de nulidade do contrato, a repetição dos valores e indenização por danos morais.

Deferida a gratuidade da justiça e ordenada a citação (evento 6).

Petição indicando o endereço da parte ré (evento 13).

Em sede de contestação, a parte ré arguiu, a prescrição da pretensão e a decadência. No mérito, alegou que o contrato apontava claramente que se tratava de contratação de cartão de crédito, em razão do que a autora tinha plena ciência do negócio, reputando legal a contração. Enfatizou que a autora utilizou o crédito, não devendo ser acolhido o pleito de repetição. Asseverou inexistir ato ilícito a justificar a condenação por danos morais. Afirmou que o ônus da prova é da parte autora (evento 17). Juntou documentos.

Houve manifestação à contestação (evento 22).

Vieram os autos conclusos.

Este, em escorço suficiente, é o Relatório. Passo, pois, a decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

Julgo antecipadamente os pedidos, que independem da produção de outras provas, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil

Afasto a alegação de prescrição, eis que '"a pretensão da demandante tem natureza dúplice, qual seja, declaratória, que visa a nulidade do contrato em razão de abusividades e condenatória, que almeja o ressarcimento pelos descontos indevidos, bem como a indenização por danos morais. Contudo, sob qualquer ótica, seja quanto a pretensão declaratória ou, ainda, a condenatória, não há falar em prescrição" (Apelação Cível n. 0302134-35.2019.8.24.0092, rel. Des. Rejane Andersen, j. em 24/9/2019), porquanto em se tratando de relação de trato sucessivo, no qual, a cada desconto indevido, surge uma nova lesão, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data do última dedução realizada no benefício previdenciário da autora." (Apelação Cível n. 0301812-15.2019.8.24.0092, rel. Des. Robson Luz Varella, j. em 15.10.2019).

De se registrar que o STJ assentou que o termo inicial da prescrição em casos como o dos autos é a data do último desconto, com incidência do prazo prescricional quinquenal, previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes. 3. O entendimento adotado pelo acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 1.412.088/MS, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. em 27.8.2019). (grifei)

Como o prazo flui do pagamento da última prestação (01/07/2021, evento 17/doc.5), tem-se que o lapso não transcorreu quando considerada a data do ajuizamento da ação, de forma que deve ser afastada a tese.

Afasto a alegação de decurso de prazo decadencial pois a suposta ilegalidade envolve negócio de trato sucessivo que se renova mensalmente e, portanto, tendo ocorrido a última cobrança em 01/07/2021, não há falar em prazo de 4 anos decorrido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO NA MODALIDADE DE DESCONTO DA RESERVA DA MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. (...) ALEGADA DECADÊNCIA DA PRETENSÃO DA AUTORA, PORQUANTO PASSADOS MAIS DE 4 (QUATRO) ANOS DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO. PRAZO DECADENCIAL REFERENTE À NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO POR VÍCIO DE CONSENTIMENTO. INSUBSISTÊNCIA. PRESTAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO. ILEGALIDADE QUE SE RENOVA MENSALMENTE. INOCORRÊNCIA. (...) (TJSC, Apelação n. 5001207-96.2020.8.24.0003, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Mariano do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 15-04-2021).

Analiso o mérito.

A parte ré trouxe aos autos a documentação que dá lastro aos descontos procedidos, conforme se verifica do contrato e das faturas (evento 17/docs. 4, 5).

A parte autora, apesar de ciente da juntada dos documentos, não apresentou qualquer alegação de falsidade, especialmente quanto ao contrato devidamente assinado por ela, com a explícita descrição de que se tratava de adesão a "cartão de crédito" (evento 17/doc. 4).

As faturas comprovam a utilização do crédito (evento 17/doc. 5).

O contrato firmado pela parte autora é explícito acerca do que se tratava, pois no próprio corpo é trazida a informação em letras garrafais de que a parte autora estava aderindo a "Cartão de Crédito", observado que as taxas de juros foram devidamente inseridas na avença.

Portanto, não pode a parte autora alegar que não sabia que estava contratando "cartão de crédito" ao revés de empréstimo consignado.

Percebe-se que a anulação apenas após a utilização do crédito demonstra que enquanto lhe era conveniente, a parte autora utilizava o crédito e, quando experimentou o ônus, quis alterar as regras contratuais.

Sobre o assunto já se manifestou o E. TJSC:

" (...) ALEGADA CIÊNCIA DA AUTORA ACERCA DA CONTRATAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO E NÃO APENAS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. TESE ACOLHIDA. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA PARA DESCONTO DA RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. DEMONSTRAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO. FATURAS NOS AUTOS QUE COMPROVAM A OCORRÊNCIA DE PAGAMENTOS DE COMPRAS E DE SERVIÇOS EFETUADOS PELA AUTORA MEDIANTE O USO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. EXISTENTE PROVA, NO PRESENTE CASO, QUANTO A FATO EXTINTIVO, MODIFICATIVO OU IMPEDITIVO DO DIREITO ALEGADO PELA AUTORA, EVIDENCIANDO QUE O SERVIÇO FOI LIVREMENTE CONTRATADO E, INCLUSIVE, UTILIZADO. AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DO DIREITO INVOCADO PELA AUTORA E DE PERIGO DE DANO. REQUISITOS DO ARTIGO 300 DO CPC NÃO PREENCHIDOS. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DESACERTADO. REFORMA DA DECISÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO" (Agravo de Instrumento n. 4016081-02.2018.8.24.0900, da Capital, rel. Des. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 08-11-2018).

Não havendo ilegalidade praticada pela ré, não há que se falar em conversão do contrato, repetição de indébito ou indenização por danos morais.

Tollitur quaestio.

III- DISPOSITIVO

Diante do exposto, resolvo o mérito na forma do art. 487, I, do CPC, e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% sobre o valor da causa, cuja cobrança fica suspensa pelo prazo legal em face de litigar ao abrigo do benefício da Justiça Gratuita.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo a interposição de recurso, intime-se a parte apelada para apresentar contrarrazões no prazo legal e, observando-se o disposto no art. 1.010, §3º, do CPC, ascendam os autos ao E. Tribunal de Justiça, com as anotações de estilo.

Transitada em julgado, e cumpridas as formalidades, arquivem-se. (Evento 26 - eproc 1g)

Nas razões recursais, a parte demandante sustentou que (a) a instituição bancária simulou uma contratação de empréstimo consignado normal, que na verdade transfigurou-se em contrato de cartão de crédito consignado, sendo que os descontos realizados em sua folha de pagamento abatem apenas os encargos deste cartão e nunca do saldo devedor, apenas cobrindo os juros e encargos mensais, ou seja, a modalidade de empréstimo realizado se tornou impagável, é eterna, sendo um excelente negócio para a instituição financeira em detrimento da parte recorrente, hipossuficiente tanto técnica quanto economicamente frente ao banco recorrido.; (b) o termo de adesão descreve de forma clara um contrato de CARTÃO DE CRÉDITO e não de um CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO com RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA. A forma como o contrato está redigido, se é que a apelante colocou os olhos no referido documento, foi o que levou a autora a pensar que estaria contratando um EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NORMAL; (c) o banco nem mesmo provou que enviou o suposto cartão para a autora, nem que ela teria debloqueado o plástico, e nem mesmo fez prova de que a apelante teria utilizado o cartão para o fim que ele é intencionado; (d) resta claro que a prática do banco caracteriza má fé, pois além de ser ilegal, já que se utilizou de subterfúgio (falta de informação) para ludibriar a consumidora, violando direitos básicos previstos no Código de Defesa do Consumidor, inerentes ao dever de informação clara e adequada sobre os serviços, conforme dispõe o artigo 6º, inciso III; (e) deve ser aplicada a sanção do parágrafo único do art. 42 do CDC e a aplicação da correção pelo INPC em cada desconto sendo os mesmos acrescidos de...

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