Acórdão Nº 5003086-70.2020.8.24.0058 do Quarta Câmara Criminal, 18-05-2023

Número do processo5003086-70.2020.8.24.0058
Data18 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 5003086-70.2020.8.24.0058/SC



RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA


APELANTE: NILSON FERREIRA DE MELLO (RÉU) APELANTE: JEAN JOSE NOGUEIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na comarca de São Bento do Sul, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Nilson Ferreira de Mello e Jean José Nogueira, imputando-lhes a prática do delito capitulado no art. 2º, caput, c/c os §§ 2º e 4º, I e IV, da Lei n. 12.850/13, pois, segundo consta na inicial:
O denunciado NILSON FERREIRA DE MELLO, desde o mês de outubro de 2004, mas pelo menos até o mês de março de 2019, com cessações da permanência nesse interim, e o denunciado JEAN JOSÉ NOGUEIRA, desde 16 de março de 2018, pelo menos até o mês de março de 2019, agindo de forma consciente e voluntária, conhecedores da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, passaram a promover, integrar e financiar com valores oriundos da prática de crimes, pessoalmente, a organização criminosa denominada "Primeiro Grupo Catarinense - PGC", facção com a participação de menores de idade e emprego de armas de fogo, e que possui conexão com outras organizações criminosas independentes, dentre elas o Comando Vermelho (CV) e a Família do Norte (FDN), composta por milhares de integrantes, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, objetivando obter, direta ou indiretamente, vantagem patrimonial de qualquer natureza, por meio da prática de crimes graves, especialmente homicídio, sequestro, tortura, comércio ilícito de armas de fogo, roubo e tráfico ilícito de drogas, delitos estes cujas penas máximas são superiores a 4 (quatro) anos, além de extorsão, furto e ameaça, fazendo-os em todo o Estado de Santa Catarina, de modo que estavam associados de forma estável e permanente com diversos outros membros da facção criminosa, aderindo aos propósitos desta, visando o financiamento e a consolidação da organização perante o território catarinense.
Referida organização criminosa, criada no ano de 2003, encontra-se enraizada no sistema prisional catarinense, contando com cargos vitalícios (1º ministério), e com conselheiros (2º ministério), tesoureiros, disciplinas gerais, disciplinas de cidades e disciplinas de unidades, sintonias, além de toda a massa carcerária e de ex-detentos que, embora não possuam cargo específico no grupo, são os responsáveis pela execução do tráfico de entorpecentes, ataques contra repartições públicas, agentes públicos e ônibus, bem como pela execução, dentro e fora dos presídios, de mortes e outros castigos ordenados pelos líderes do "Primeiro Grupo Catarinense - PGC", dentre outros crimes aceitos pela organização criminosa.
Tal organização criminosa tem como objetivo a obtenção de vantagem patrimonial por meio da prática de graves crimes e, nos termos de seu "Estatuto", a liberdade de seus integrantes e o fortalecimento do crime no Estado, de modo que, visando cumprir tais "objetivos", pratica e ordena a persecução de vários crimes graves já citados. A organização conta com inúmeros integrantes por todo o Estado Catarinense, os quais se encontram dentro e fora do sistema prisional, além de se tratar de uma associação estável, permanente e perfeitamente organizada.
Durante as investigações realizadas, especialmente extraídas do bojo do Inquérito Policial n. 542.17.00019, que gerou os autos da Ação Penal n. 0003425-85.2018.8.24.0058, em que se apura um crime de homicídio tentado (cujo compartilhamento de provas foi autorizado judicialmente), foram localizadas e apreendidas duas cartas com ditames da referida organização criminosa e um caderno de anotações. Nele havia alcunhas, nomes, bairros de atuação, "padrinhos", datas de "batismo", o "artigo da lei", ou seja, qual o crime praticado pelo membro que interessa à organização criminosa na divisão de atribuições, e suas posições dentro da facção, além do controle de possíveis dívidas e do pagamento de mensalidades (dízimos) dos integrantes do Primeiro Grupo Catarinense - PGC neste Município de São Bento do Sul/SC. As fotografias do caderno citado se encontram no relatório que subsidiou a representação pela prisão preventiva dos denunciados nos autos n. 5000831-42.2020.8.24.0058, vinculado ao inquérito policial respectivo.
Os referidos documentos estavam na posse do faccionado Geovane Martins, conhecido no meio policial, respondendo perante a justiça criminal por vários delitos praticados, inclusive contra a vida. Em análise ao material, os dezoito integrantes da organização foram qualificados, sendo que ao menos dezesseis deles e um adolescente possuem identificação inequívoca no material apreendido.
Em relação aos denunciados, consta das investigações que o denunciado JEAN, vulgo "Negueba", foi admitido na citada facção em 16/3/2018, em São Bento do Sul/SC, tendo como padrinhos "XJ6" (Fábio), "Calibre" (Henrique) e "Aladim" (Alan), já o seu "artigo" é "33", em referência ao tráfico de drogas. A sua função dentro do grupo criminoso, se possuía alguma específica, será melhor apurada com a instrução processual.
Igualmente, consta da investigação que o denunciado NILSON é membro antigo da organização criminosa, foi "batizado" em outubro de 2004, na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, haja vista que nele consta a sigla S.P.A., como "Localidade Vestimenta", ou seja, onde foi admitido pelo grupo, e o seu "artigo" também é "33", em referência ao tráfico de drogas. Verificou-se em seu histórico prisional que ele ingressou naquela penitenciária, por transferência, em 14/12/2004, confirmando-se as informações. Apurou-se, ainda, que seus "padrinhos de batismo" são "Bastião", "Jean" e "Girimia", bem como que estava pagando o "dízimo" (mensalidade) em dia, até o mês de março de 2019. Não se pode olvidar de que o crime de integrar organização criminosa é conduta de ação permanente, ou seja, é delito cuja conduta por ação se protrai no tempo até sua cessação, que ocorreu com suas prisões desde quando foi admitido pela facção. No caso, verificou-se pelo histórico prisional que o apenado obteve a prisão domiciliar em 18/9/2017, a partir daí ele tornou a pagar o dízimo e estava em dia com ele, até março de 2019, sendo novamente preso em 10/7/2019.
Importante consignar que os demais integrantes da facção criminosa que foram identificados na ocasião, Valcir Salvador da Silva, Alan Felipe Camargo, Wanderson Gomes da Silva, Pablo Correa de Farias, Henrique Leandro, Michel Huller de Ramos, Marlon Rafael Michalowicz, Anderson Luciano Patruni Júnior, Jonas Tadeu Siqueira dos Santos, Clodoaldo Ferreira dos Santos, Douglas Maike Hansen e Geovane Martins já estão presos preventivamente em decorrência do crime de organização criminosa ora investigado (PGC), tendo eles sido recentemente denunciados por tal ato delituoso na Ação Penal n. 5004358-80.2019.8.24.0058 (denúncia oferecida com base no Inquérito Policial n. 0900084-89.2019.8.24.0058). Eduardo Kaoe da Silva já foi processado e condenado em primeiro grau por integrar a organização criminosa nos autos n. 0000158-08.2018.8.24.0058 (sem trânsito em julgado até o momento), estando recluso desde 10/6/2017. Luiz Henrique da Cruz Alves Machado, igualmente, está sendo processado pelo crime em questão dentre outros delitos na Ação Penal n. 0900119-83.2018.8.24.0058 (atualmente em fase de alegações finais), estando recluso desde o dia 4/5/2018.
Dentre os demais integrantes da organização criminosa que foram identificados, está o adolescente P. M. C., vulgo "Menor 121", nascido em 2002. Sua função no grupo era de "Auxiliar DC Rigor", e foi batizado nesta cidade em 22/10/2016, ou seja, ainda quando ele tinha 14 anos de idade, demonstrando haver a participação de adolescente no grupo criminoso (causa de aumento de pena) (Evento 1, DENUNCIA1, autos originários).
Finalizada a instrução, a Magistrada a quo julgou procedente o pedido formulado na denúncia, nos seguintes termos (Evento 450, SENT1, autos originários):
a) CONDENO o réu NILSON FERREIRA DE MELO, já qualificado, à pena privativa de liberdade de 7 anos, 7 meses e 26 dias de reclusão, e 26 dias-multa, os quais fixo à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração aos delitos tipificados no art. 2º, §§ 2º e §4º, incisos I e IV, da Lei 12.850/2013. Fixo o regime inicial fechado para o cumprimento da pena, na forma da fundamentação. Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, eis que assim permaneceu durante parte da instrução processual.
b) CONDENO o réu JEAN JOSÉ NOGUEIRA, já qualificado, à pena privativa de liberdade de 5 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, e 19 dias-multa, os quais fixo à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração aos delitos tipificados no art. 2º, §§ 2º e §4º, incisos I e IV, da Lei 12.850/2013. Fixo o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena, na forma da fundamentação. Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, eis que assim permaneceu durante parte da instrução processual.
Inconformados com a prestação jurisdicional, os réus interpuseram apelações criminais.
Jean José Nogueira, em suas razões recursais, postulou a absolvição, diante da insuficiência de provas aptas para embasar a condenação. Em relação à dosimetria, requereu o afastamento das causas especiais de aumento de pena, bem como o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, I, do Código Penal, além da valoração positiva de sua primariedade (Evento 14, RAZAPELA1).
O apelante Nilson Ferreira de Melo, por sua vez, pugnou, preliminarmente, pelo reconhecimento da nulidade da sentença, tendo em vista a ausência de apreciação de teses arguidas pela defesa em alegações finais. Pleiteou o reconhecimento da nulidade absoluta, ainda, por violação ao art. 5º, LV, da Constituição Federal, e ao art. 185, § 5º, do Código de Processo Penal, uma vez que juntada...

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