Acórdão Nº 5003109-71.2020.8.24.0072 do Terceira Câmara Criminal, 17-01-2023

Número do processo5003109-71.2020.8.24.0072
Data17 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 5003109-71.2020.8.24.0072/SC



RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN


APELANTE: ROZALBA MARIA GRIME (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na comarca de Tijucas, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Zulmar Schiestl e Rozalba Maria Grime, dando-os como incursos nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, c/c § 7º, inciso I, do Código Penal (em relação a Flávia); art. 121, § 2º, inciso IV c/c art. 14, inciso II, do Código Penal (em relação ao neonato); e nos artigos 249, caput; 242, caput, e 211, caput, todos do Código Penal, na forma do art. 69 do mesmo diploma legal, sendo Rozalba Maria Grime dada como incursa também no art. 347, parágrafo único, do mesmo Diploma Repressor, pela prática das condutas assim descritas na inicial acusatória:
FATO 1 - Homicídio qualificado de Flávia Godinho, Subtração de Incapaz e Parto Suposto.
No dia 27 de agosto de 2020, em horário a ser apurado durante a instrução processual, mas por volta das 17h00min, nas imediações de estabelecimento industrial desativado, localizado no bairro Galera, Município de Canelinha-SC, nesta Comarca de Tijucas-SC, a denunciada Rozalba Maria Grime e o denunciado Zulmar Schiestl, um aderindo a vontade do outro, levaram a feito o plano previamente ajustado entre eles de matar Flávia Godinho.
Na data acima mencionada, a denunciada Rozalba Maria Grime, prevalecendo-se da relação de amizade que nutria com Flavia Godinho, a pretexto da participação da mesma em uma celebração de "chá de bebê", atraiu a ofendida até as imediações de uma indústria cerâmica desativada, localizada no bairro Galera, local em que, munida de um tijolo, passou a golpeá-la até provocar-lhe estado de inconsciência. Ato contínuo, utilizando-se de um estilete, a denunciada Rozalba Maria Grime abscindiu o ventre da ofendida, provocando-lhe uma ferida cortante na altura do abdômen e subtraiu-lhe a criança que até então gestava, golpe esse que foi causa eficiente da sua morte por hemorragia1.
Na sequência, encerradas as manobras de retirada da criança do ventre materno, a denunciada Rozalba Maria Grime subtraiu a menor de quem tinha a sua guarda em virtude de lei, e se encontrou com o denunciado Zulmar Schiestl, a fim de que, juntos, visando dar a credibilidade necessária, chegassem à Fundação Hospitalar Municipal de Canelinha, local em que deram parto alheio como próprio, apresentando-se aos funcionários do nosocômio como pais e declarando que a denunciada Rozalba Maria Grime acabara de dar à luz o neonato.
O crime foi cometido por motivo torpe, visto que os denunciados, para satisfazerem um motivo egoístico, decorrente da frustração de uma gravidez própria, em vez de empreender pelas vias ordinárias, a exemplo de novas tentativas de gravidez ou mesmo intentar processo de adoção, optaram por ceifar a vida de Flavia Godinho, grávida com período de gestação relativamente semelhante ao suposta da denunciada, para subtrair-lhe a criança ainda no ventre e assumir-lhe a criação, como se sua filha fosse.
O homicídio foi cometido à emboscada e mediante dissimulação, visto que a denunciada Rozalba Maria Grime, prevalecendo-se da relação de amizade que matinha com a ofendida Flávia Godinho, engendrou meticulosa premeditação para a prática do crime, consistente em forjar uma celebração não existente, atrair a vítima para um estabelecimento industrial desativado situado em local ermo do Município de Canelinha para ali lhe arremeter de surpresa, atacando pelas costas.
Ademais, o crime de homicídio foi cometido com recurso que dificultou a defesa da vítima, visto que, em um verdadeiro ato de selvageria, munida de um tijolo, desferiu inúmeros golpes em desfavor de Flavia Godinho até dobrar-lhe completamente a capacidade de resistência.
Prosseguindo, tem-se que o crime contra a vida foi praticado por meio cruel, uma vez que a denunciada Rozalba Maria Grime, novamente em um verdadeiro ato de selvageria, após ter desferidos diversos golpes de tijolos contra a vítima, matou-a com incisão abdominal quando a vítima ainda estava viva e sem lhe ministrar qualquer medicamento que lhe pudesse minimizar a dor, impingindo sofrimento nitidamente desproporcional à vítima em razão da prática delitiva.
Ainda, o crime homicídio foi cometido para assegurar a execução dos crimes de subtração de incapaz e parto suposto, tanto que, logo após matar a vítima e subtrair a criança, a denunciada Rozalba Maria Grime e o denunciado Zulmar Schiestl dirigiram-se ao Hospital do Município de Canelinha e lá se apresentaram como genitores do neonato, assim como o denunciado Zulmar Schiestl também se apresentou no Hospital Infantil Joana de Gusmão.
Por fim, tem-se que o crime de homicídio foi praticado contra mulher por razões exclusivas do sexo feminino e durante a gestação, circunstância exclusiva do gênero feminino da vítima, e menosprezando essa condição, tanto que exerceu o controle forçado sobre o corpo dela, tratando-a como um mero objeto, um "criadouro" do feto.
FATO 2 - Homicídio qualificado tentado do neonato
Na mesma oportunidade, os denunciados Rozalba Maria Grime e Zulmar Schiestl assumiram o risco de provocar o resultado morte do recém-nascido, já que a executora não possuía capacidade técnica para executar o parto, ao passo em que o comparsa possuía plena ciência do expediente que seria utilizado pela co-denunciada para retirada da criança.
Ademais, a escolha do instrumento do crime (simples estilete) e a forma de sua execução (local ermo e rudimentar) previamente ajustado pelos denunciados igualmente contribuiu pela assunção do risco de resultado morte do recém-nascido.
Não bastasse, como previamente ajustado entre os denunciados, o modus operandi completamente rudimentar e inapropriado que lançaram mão, fez com que a denunciada Rozalba Maria Grime provocasse lesões cortantes na infante durante a empreitada criminosa, que lhe resultaram perigo de vida.
Vale referir, no ponto, que a tentativa de homicídio em face do neonato foi cometida com recurso que tornou impossível a defesa de vítima, a qual, em razão da tenra idade e da natural fragilidade de um organismo recém-formado, nada poderia fazer para se defender do atentado.
O crime só não foi consumado eis que, chegando ao Hospital Municipal de Canelinha, constatando a gravidade das lesões provocadas, os médicos dispensaram os primeiros cuidados emergenciais e providenciaram a imediata transferência da criança ao Hospital Infantil Joana de Gusmão, estabelecimento de saúde localizado no Município de Florianópolis, melhor equipado para a necessária intervenção no delicado estado de saúde, tamanho o risco de morte em que a criança se encontrava.
FATO 3 - Fraude Processual e ocultação de cadáver
Instaurada a competente investigação policial, constatou-se que, no mesmo dia 27 de agosto de 2020, a denunciada Rozalba Maria Grime cometeu fraude processual ao inovar artificiosamente o estado de coisa, com vistas a produzir efeito em processo penal, uma vez que subtraiu do local do crime o aparelho celular SAMSUNG e os objetos pessoais da ofendida Flávia Godinho, e os manteve sob sua guarda no interior do apartamento do casal, localizado no Condomínio Bella Morada, Centro de Canelinha-SC.
Não apenas, apurou-se que a denunciada Rozalba Maria Grime, após o cometimento dos delitos, ainda cumprindo o prévio ajuste tido com o denunciado Zulmar Schiestl ocultou o cadáver de Flávia Godinho, localizado apenas no dia seguinte ao de sua morte no interior de um forno de cerâmica desativado que guarnecia o local do crime. (ev. 1.1)
Houve aditamento da denúncia, para que quanto à capitulação referente ao crime de feminicídio passasse a constar o complemento legislativo do art. 121, § 2º-A, inciso II, do Código Penal (ev. 30.1), o qual fora devidamente recebido. (ev. 36.1)
Concluída a instrução do feito, na forma do art. 413 do Código de Processo Penal, a denúncia foi parcialmente acolhida para absolver sumariamente Zulmar Schiestl das imputações que lhe foram feitas, com base no art. 415, inc. II, do Código de Processo Penal, e para pronunciar Rozalba Maria Grime como incursa nas sanções do art. 121, § 2º, inc. I, III, IV, V e VI, e § 7º, inc. I, no art. 121, § 2º, inc. IV, c/c o art. 14, inc. II, no art. 211, no art. 242, caput, no art. 249, caput, e no art. 347, parágrafo único, todos do Código Penal, com base no art. 413, caput, do Código de Processo Penal, bem como para determinar, ipso facto, o seu julgamento perante o Tribunal do Júri. Foi-lhe negado o direito de apelar em liberdade. (ev. 376.1)
A acusada Rozalba interpôs recurso em sentido estrito, contudo, antes de apresentar as razões recursais, renunciou ao direito de recorrer da decisão de pronúncia. (ev. 403.1)
Preclusa a decisão de pronúncia (ev. 404.1), cumpridas as formalidades do art. 422 do CPP (ev. 412.1 e ev. 413.1), designada sessão do Tribunal do Júri (ev. 418.1) e submetidos os quesitos formulados à apreciação dos jurados (ev. 661.1), a denúncia foi acolhida em parte para condenar a acusada Rozalba Maria Grime às penas de 56 (cinquenta e seis) anos de reclusão, em regime inicial fechado, 8 (oito) meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, cada qual correspondente a um trigésimo do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, pelo prática dos crimes previstos no art. 121, § 2º, inc. I, III, IV, V e VI, e § 7º, inc. I, do Código Penal (Flávia), no art. 121, § 2º, inc. IV, c/c art. 14, inc. II, do Código Penal (neonato), e nos artigos 249, caput, 242, caput, 211, caput, e 347, parágrafo único, todos do Código Penal. Foi-lhe negado o direito de recorrer em liberdade. (ev. 663.1)
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual requereu a anulação da decisão emanada pelo Conselho de Sentença, com base...

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