Acórdão Nº 5003153-41.2019.8.24.0035 do Quarta Câmara Criminal, 21-10-2021

Número do processo5003153-41.2019.8.24.0035
Data21 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5003153-41.2019.8.24.0035/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

RECORRENTE: ALEX DA SILVA (ACUSADO) E OUTROS ADVOGADO: IVAN JOSÉ TEIXEIRA (OAB SC025280) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: RAFAEL HINCKEL (OFENDIDO)

RELATÓRIO

Na comarca de Ituporanga, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Alex da Silva, Jailson da Silva Campos e Daniel Mota da Silva, imputando-lhes a prática dos delitos capitulados nos arts. 121, § 2º, III e IV, e 211, ambos do Código Penal, em concurso material (art. 69 do CP) pois, segundo consta na inicial:

Fato 1 - Do homicídio qualificado

No dia 24 de novembro de 2019, em horário a ser esclarecido durante a instrução processual, durante a madrugada, no interior da residência situada na Rua Nicolau Allein, Município de Imbuia, Comarca de Ituporanga-SC, os denunciados Alex da Silva, Jailson da Silva Campos e Daniel Mota da Silva, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, com intenção de matar, desferiram diversos socos e pedradas na vítima Rafael Hinckel, causando-lhe Choque Neurogênico - Traumatismo Cranioencefálico (Fratura de Crânio/Contusão e Laceração Cerebral), razão de sua morte, conforme Laudo Cadavérico n. 9414.19.02430 (constante no evento 49).

Infere-se dos autos que o crime foi cometido por meio cruel, já que o ofendido foi alvo de inúmeros socos e pedradas, o que lhe causou sofrimento excessivo e desnecessário.

Apurou-se que o crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, em razão da superioridade numérica, já que eram três agressores contra o ofendido.

Fato 2 - Da ocultação de cadáver

Consta ainda que, na sequência, os denunciados Alex da Silva, Jailson da Silva Campos e Daniel Mota da Silva ocultaram o cadáver da vítima Rafael Hinckel, pois o carregaram e o arremessaram em um matagal, aos fundos da residência acima mencionada, próximo a um ribeirão, conforme registros fotográficos constantes no evento 1 (fotos 12 a 21) (Evento 1, DENUNCIA1, autos originários).

Finalizada a instrução preliminar, o Magistrado a quo julgou admissível o pedido constante da denúncia, para pronunciar os réus, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal, a fim de que sejam submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri, como incursos nas sanções do art. 121, § 2º, III e IV, e do art. 211, caput, ambos do Código Penal (Evento 307, SENT1, autos originários).

Inconformados com a prestação jurisdicional, os réus interpuseram recursos em sentido estrito.

Alex da Silva requereu a impronúncia, porquanto, segundo alega, a sua participação se limitou a desferir um soco na vítima, de modo que a conduta deve ser desclassificada para o crime de lesão corporal e, por conseguinte, remetidos os autos ao juízo comum. Pleiteou, ainda, o afastamento das qualificadoras no caso da manutenção da decisão (Evento 330, RAZAPELA1, autos originários).

Daniel Mota da Silva, do mesmo modo, postulou a impronúncia, alegando falta de provas acerca da autoria e materialidade delitivas. De forma subsidiária, pugnou pela desclassificação do crime para lesão corporal seguida de morte, porquanto ausente o animus necandi. Clamou, ademais, pelo afastamento das qualificadoras, pela improcedência da acusação quanto ao crime conexo e, no caso de condenação, pela fixação da pena no mínimo legal. Por fim, invocou o direito de recorrer em liberdade e o arbitramento de honorários advocatícios (Evento 333, RAZRECUR1, autos originários).

Jailson da Silva Campos, por sua vez, requereu a impronúncia, sustentando, em suma, que nem sequer estava presente no local dos fatos (Evento 339, RAZRECUR1, autos originários).

Apresentadas as contrarrazões (Evento 348, CONTRAZ1, autos originários), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Francisco Bissoli Filho, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento dos reclamos (Evento 25, PROMOÇÃO1).

VOTO

1 Impronúncia (Daniel e Jailson) e Desclassificação para os crimes de lesão corporal (Alex) e lesão corporal seguida de morte (Daniel)

Inicialmente, os acusados Daniel e Jailson postulam a impronúncia, alegando, em suma, insuficiência de provas acerca da autoria e materialidade delitivas, enquanto o réu Alex requer a desclassificação do delito para o crime de lesão corporal, tendo em vista a ausência de animus necandi, o que também foi alegado por Daniel, para sustentar seu pleito subsidiário de desclassificação para lesão corporal seguida de morte.

Razão, contudo, não lhes assiste.

De partida, convém registrar que, como é cediço, em se tratando do procedimento criminal de competência do Tribunal do Júri, para a pronúncia do acusado é suficiente que se constate prova da materialidade do delito e indícios suficientes de autoria (art. 413 do Código de Processo Penal).

Isso porque se trata de uma decisão interlocutória, de caráter processual que, encerrando a fase de formação da culpa, tem por objetivo simplesmente julgar a admissibilidade da imputação para fins de submissão do acusado a julgamento popular.

Para tanto, nessa etapa do procedimento escalonado, quanto à prova produzida, procede-se a uma operação cognitiva não exauriente, já que não se pode exigir a formação de um juízo de certeza, mas apenas de probabilidade fundada.

Como consequência de seu caráter meramente declaratório, logicamente, não se pode exigir prova plena acerca da autoria delitiva, até porque, havendo dúvida razoável a respeito, uma vez presente prova da materialidade e indícios suficientes da autoria, deverá ela ser solucionada pelo juízo natural dos crimes contra a vida.

Acerca do tema, Fernando da Costa Tourinho Filho explica:

Dês que haja prova da materialidade do fato e indícios suficientes de que o réu foi o seu autor, deve o Juiz pronunciá-lo. A pronúncia é decisão de natureza processual (mesmo porque não faz coisa julgada), em que o Juiz, convencido da existência do crime, bem como de que o réu foi seu autor (e procura demonstrá-lo em sua decisão), reconhece a competência do Tribunal do Júri para proferir o julgamento (Código de processo penal comentado. v. 2. 15. ed. Saraiva: São Paulo, 2014. p. 80).

Na mesma linha de raciocínio, assinala Renato Brasileiro de Lima:

Assim, se o juiz sumariante estiver convencido da existência do crime e da presença de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve pronunciar o acusado, de maneira fundamentada. Há na pronúncia um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência (Manual de Processo Penal. 4. ed., Salvador: JusPodivm, 2016. p. 1336).

A decisão de impronúncia, por sua vez, somente subsiste no caso de o magistrado não se convencer "da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" (art. 414 do Código de Processo Penal).

Justamente pelo seu caráter terminativo, que implica no afastamento de competência constitucional, a impronúncia é medida excepcional, que deve ser reservada às hipóteses em que sequer é possível reconhecer a probabilidade de sucesso da pretensão acusatória.

No caso, contrariamente ao argumentado pelas defesas, a materialidade delitiva está comprovada suficientemente por meio do boletim de ocorrência, auto de apreensão, dos laudos periciais e das fotografias (Eventos 1, 49, 59, 60 e 62 dos autos n. 5002875-40.2019.8.24.0035), bem como do laudo pericial de exame cadavérico, relatório de investigação do local de crime (Evento 11, autos originários) e dos laudos periciais de pesquisa de sangue juntados no Evento 68 (autos originários), além da prova oral coligida.

De igual maneira, extrai-se dos autos elementos de convicção que indicam a existência de indícios suficientes da autoria atribuída aos réus.

O acusado Alex da Silva, na fase policial, assinalou ter matado o ofendido com o auxílio do réu Daniel, vulgo "Leo", e que jogaram o corpo na ribanceira, negando a participação, contudo, de Jailson (Evento 1, VÍDEO9, autos n. 5002875-40.2019.8.24.0035):

[...] Que não conhecia a vítima Rafael, que não tinha vínculo de amizade e que nunca tinha visto ele; Que estavam no bar bebendo; que ele (vítima) chegou lá e falou que "iria matar nóis"; que iria matar o depoente e Leo, cujo nome é Daniel; que estavam presentes o João, Cleberson, "pitoco"; Andrelino, "trinca-ferro"; que Jailson já tinha saído; que Cícero chegou cedo e depois saiu; que quando chegaram na casa e ficaram bebendo, de boa, que de repente estava Leo e Rafael discutindo; que "daí nós peguemo e matemo ele"; que mataram com as pedras; que quando jogaram as pedras a vítima já estava caída, estava tonto no chão; que a vítima também estava bebendo; que as pedras estavam no barranco e que Leo foi pegar as pedras; que o interrogando não foi pegar as pedras; que o Leo pegou uma pedra e jogou contra a cabeça da vítima; que o interrogando não jogou pedras; que o interrogando apenas deu "murros"; que viu Leo dar duas pedradas na região da cabeça da vítima; que depois o depoente e Leo pegaram o corpo e jogaram nos fundos da casa; que em relação a Jailson o interrogando diz que ele não teve nenhuma participação no crime, apesar de anteriormente ter afirmado informalmente ao Delegado que Jailson também havia participado; que quando aconteceu o fato Jailson estava na casa da tia do depoente, Maria Valdete; que ele saiu cerca de uma hora antes da casa, que ele foi para a casa da tia por volta das 23h; que o homicídio ocorreu por volta das 2h30min; que sobre o motivo do crime, o depoente diz que a vítima ficava "tirando onda" e que dizia que ia "matar nóis"; que antes da vítima os matar eles a mataram; que é de Pernambuco e veio para Santa Catarina trabalhar na cebola; que voltariam dia 20 de dezembro; que Rafael era de Santa Catarina e nunca tinha visto...

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