Acórdão Nº 5003160-59.2019.8.24.0091 do Terceira Câmara de Direito Público, 02-03-2021

Número do processo5003160-59.2019.8.24.0091
Data02 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão










Apelação / Remessa Necessária Nº 5003160-59.2019.8.24.0091/SC



RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS


APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO) APELADO: BRENDON CAIO SILVA ARAUJO LACERDA (IMPETRANTE) APELADO: Comandante Geral - POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis (IMPETRADO) APELADO: POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA (IMPETRADO)


RELATÓRIO


Na Comarca da Capital, Brendon Caio Silva Araujo Lacerda impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato do Comandante-Geral da Polícia Militar, que deixou de considerar, na correção de seu gabarito, os pontos correspondentes à anulação das questões ns. 30 e 32 da prova objetiva do concurso público de que trata o Edital n. 042/CGCP/2019, destinado à seleção de candidatos para o Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar e posterior provimento de vagas do Quadro de Praças da Polícia Militar, de acordo com o Edital n. 110/CGCP/2019; que não se pode admitir diferenças entre os candidatos, merecendo tratamento igualitário; que na prova de redação lhe foi atribuída nota insuficiente para prosseguir no certame, apesar de não existir qualquer apontamento de erros a folha de correção; que não foram respeitados os critérios estabelecidos no edital nos subitens 8.70, 8.70.1, 8.70.2; que opôs recurso administrativo, mas não foi acolhido; que evidenciada ofensa aos princípios da legalidade, da vinculação ao edital e da razoabilidade, merecendo a concessão da segurança.
Requereu o benefício da justiça gratuita e o deferimento de liminar para suspender os efeitos do ato administrativo que culminou com sua desclassificação do concurso.
Pagas as custas, o digno Juiz indeferiu a liminar.
Notificada, a autoridade impetrada informou que o ato de desclassificação do impetrante não ofende direito líquido e certo; que os critérios de correção da redação foram explicitados na resposta ao recurso administrativo do impetrante, não se podendo falar em ofensa ao edital; que os pontos atribuídos aos candidatos nominados no Edital de Convocação nº 110/CGCP/2019 estão relacionados ao cumprimento de medidas judiciais, com aplicação apenas entre as partes das respectivas demandas judiciais; que não é possível estender os efeitos jurídicos das decisões aos demais candidatos; que não há razão para anulação das questões 30 e 32.
O Ministério Público de 1º Grau, com vista dos autos, entendendo não existir interesse público na causa, deixou de se manifestar sobre o mérito.
O digno Juiz proferiu sentença concedendo parcialmente a ordem "para que sejam anuladas as questões 30 e 32 da prova objetiva. Determina-se a reclassificação do impetrante no certame, observando-se os demais critérios editalícios, e, obtendo a aprovação em todas as etapas e estando dentro do número de vagas contidos no Edital 042/CGCP/2019, seja efetuada a sua convocação para o próximo Curso de Formação de Soldados.".
Inconformado, o Estado de Santa Catarina interpôs duplo recurso de apelação (protocolos nos dias 16/6/2020 e 23/6/2020). Sendo as petições idênticas, formulou no primeiro pedido de efeito suspensivo, alegando que a jurisprudência (TEMA 485/STF) é firme no sentido de que "a intervenção do Poder Judiciário em concursos públicos e processos de seleção em geral está limitada ao exame da legalidade, sendo vedada qualquer outra interferência, em especial para aferir critérios de avaliação ou, de forma direta ou indireta, substituir a própria banca examinadora"; que, no caso, a pretensão do apelado é "rever os critérios utilizados pela banca na correção das questões, pretensão essa que não pode prosperar"; que a questão 30, por sua vez, está prevista em edital: "DA NACIONALIDADE"; que a questão n. 32, ao contrário do alegado, não extrapolou o conteúdo do programa previsto no edital; que "a questão gira em torno do ponto: Dos direitos e garantias fundamentais" e, "embora o edital não preveja expressamente 'dos direitos políticos', certo é que a cobrança sobre o conteúdo 'direito de voto' perpassa o conteúdo direitos e garantias fundamentais"; que, por isso, diante da previsão de determinado tema no edital, "cumpre ao candidato estudar de forma global todos os elementos que possam eventualmente ser exigidos na prova"; que não se exigiu "dos candidatos conhecimento de letra de lei do Capítulo IV (Dos direitos políticos), do Título II da CRFB/88", mas "conteúdo referente ao Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais)".
Sem as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Superior Instância perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça, com base em parecer do Exmo. Sr. Dr. Américo Bigaton, opinou pela manutenção da "sentença que determinou a anulação da questão n. 32 por extrapolar os limites previstos no instrumento editalício. À luz do exposto, manifesta-se o Ministério Público pelo conhecimento e desprovimento do recurso."

VOTO


Primeiramente deve-se registrar que, dos recursos do Estado de Santa Catarina, conhece-se tão somente do primeiro documento (evento 47), por ser evidente o equívoco no protocolo duplo pois as petições trazem idêntico conteúdo, tratando-se de cópia uma da outra.
Convém esclarecer que o inciso LXIX do art. 5º da Constituição Federal de 1988, reproduzido em termos pelo art. 1º da Lei Federal n. 1.533, de 31/12/1951 e mais recentemente pelo art. 1º da Lei Federal n. 12.016, de 7/8/2009, efetivamente garante a todos a concessão de "mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".
No entanto, o direito líquido e certo a ser amparado por mandado de segurança deve vir comprovado desde logo com a impetração, porquanto nessa via processual não se admite dilação probatória para a sua comprovação.
HELY LOPES MEIRELLES, acerca do que se deve entender por direito líquido e certo, ensina:
"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais."Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança" (Mandado de Segurança. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 37).
VICENTE GRECO FILHO, acerca da impossibilidade de dilação probatória em mandado de segurança, leciona:
"O pressuposto do mandado de segurança, portanto, é a ausência de dúvida quanto à situação de fato, que deve ser provada documentalmente. Qualquer incerteza sobre os fatos decreta o descabimento da reparação da lesão através do mandado, devendo a parte pleitear seus direitos através de ação que comporte a dilação probatória. Daí dizer-se que o mandado de segurança é um processo sumário documental, isto é, um processo rápido, concentrado, fundado em prova documental. No caso de não ser possível a apreciação do pedido por haver dúvida quanto à matéria de fato, por outro lado, pode o interessado propor a demanda adequada, não ocorrendo contra ele o fenômeno da coisa julgada" (Direito processual civil brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 308).
Então, a via do "writ of mandamus" é destinada à proteção de direito líquido e certo, cuja comprovação dos fatos e situações concretas para exercício do direito é verificada de plano, por prova pré-constituída incontestável, para que não pairem dúvidas ou incertezas sobre esses elementos.
Trata-se de reexame necessário e de recurso de apelação interposto pelo Estado de Santa Catarina contra a sentença proferida em mandado de segurança, que concedeu parcialmente a ordem para anular as questões n. 30 e 32, do concurso...

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