Acórdão Nº 5003168-22.2020.8.24.0052 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 14-06-2022

Número do processo5003168-22.2020.8.24.0052
Data14 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003168-22.2020.8.24.0052/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5003168-22.2020.8.24.0052/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: VILMAR JOSE GROB (AUTOR) ADVOGADO: ROGERIO NAPOLEAO (OAB SC039643) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB RS039885)

RELATÓRIO

Vilmar Jose Grob ajuizou 'ação de conhecimento com pedido de tutela provisória de urgência' (RMC) em face de Banco Pan S.A., ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu contracheque (inativo - corpo de bombeiros militar de SC), os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento 8).

Contestação apresentada (evento 25).

Réplica no evento 28.

Sobreveio sentença de mérito, nos seguintes termos (evento 39):

Ante o exposto, com base no art. 487, I do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para:

a) converter a contratação realizada entre as partes para a modalidade de "empréstimo consignado", no valor auferido pela parte autora por meio de saque, com aplicação dos encargos estipulados pelo Banco Central à data de celebração do negócio jurídico, observando-se a modalidade do empréstimo realizado;

b) determinar a devolução, na forma simples, dos valores descontados a título de "Empréstimo RMC", devidamente corrigida pelo INPC a partir de cada desconto indevido, acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, com a dedução do saldo devedor remanescente, se houver;

c) condenar a ré ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais, além de honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, no valor correspondente a 10% (dez por cento) sobre o valor total atualizado da condenação (somatório do valor a ser restituído a parte autora, acrescido de juros e correção monetária na forma da fundamentação);

d) condenar a parte autora ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais, além de honorários advocatícios em favor da ré, correspondente à 10% (dez por cento) sobre a pretensão de indenização - R$ 10.000,00 (dez mil reais) devidamente corrigida.

Fica deferido o pedido de gratuidade da justiça concedido provisoriamente na decisão de Evento 8, de forma que as obrigações decorrentes da sucumbência da parte autora ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade na forma do art. 98, § 3º do Código de Processo Civil.

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação (evento 45), no qual alegou o desconhecimento acerca dos termos da pactuação e requereu: a) a nulidade da transação, enfatizando a ausência de contrato assinado nos autos; b) a condenação da instituição financeira ré ao pagamento de danos morais na importância mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais); c) a condenação do banco ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais e de honorários recursais.

O banco informou o cumprimento da ordem judicial (evento 50).

Contrarrazões no evento 52, postulando a devolução, pela parte autora, dos "créditos por ela recebidos e das compras efetuadas" e, ainda, a condenação da recorrente ao pagamento de honorários recursais.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou parcialmente procedentes os pleitos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a parte apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu contracheque.

Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual (evento 25, fatura 2) verifica-se, por incontroverso, que não houve a juntada de contrato assinado pelo consumidor ou de termo de consentimento e de adesão eventualmente firmados por ele, com imagem exemplificativa do cartão de crédito, conforme determina a Instrução Normativa do INSS/PRES n. 100/18.

Assim, o contexto fático-probatório coligido nos autos, revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que a parte autora foi induzida a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de servidor público estadual (bombeiro militar inativo - evento 6, contracheque 3).

Oportunamente, cabe destacar que, conforme infere-se das faturas acostadas pela própria casa bancária o cartão de crédito supostamente contratado jamais fora utilizado pela parte autora para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços. Pelo contrário, os únicos lançamentos que constam nas mencionadas faturas são aqueles referentes à encargos contratuais e impostos oriundos da operação financeira firmada entre as partes.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela parte requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Com efeito: "O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da parte requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de...

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