Acórdão Nº 5003178-02.2021.8.24.0062 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 09-06-2022

Número do processo5003178-02.2021.8.24.0062
Data09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5003178-02.2021.8.24.0062/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: VANDERLEI VENICIO LAURINDO (AUTOR) ADVOGADO: JADERSON TROMBELLI (OAB SC045320) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: FELIPE BARRETO TOLENTINO (OAB SC057388A) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Vanderlei Venicio Laurindo e Banco BMG S/A interpuseram recursos de apelação em face da sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau, Dr. Alexandre Murilo Schramm, do Juízo da 2ª Vara da Comarca de São João Batista, julgou parcialmente procedentes os pedidos da "ação declaratória c/c indenizatória", o que se deu nos seguintes termos (evento 19/1G):

VANDERLEI VENICIO LAURINDO, já qualificado(a), ingressou com ação declaratória de inexistência de débito e indenização por danos morais contra BANCO BMG S.A, também qualificado(a), em que narra estar a parte ré efetuando descontos, sem autorização e abusivamente, de valores de sua folha de pagamento sob a rubrica de "Reserva de Margem para Cartão de Crédito" quando pretendia concretizar uma transação via empréstimo consignado.

Requereu, assim, a declaração de inexistência do débito pela ausência da contratação de empréstimo consignado da RMC, a condenação à restituição em dobro do indébito e ao pagamento de indenização por danos morais.

Atribuiu valor à causa e anexou documentos que instruíram a exordial (Evento n. 1).

Foram concedidos os benefícios da gratuidade processual, bem como deferida a tutela de urgência pleiteada (Evento n. 4)

Citada, a parte ré apresentou contestação (Evento n. 12), alegando, preliminarmente, ausência de margem consignável, inépcia da inicial e plataforma do consumidor. No mérito, sustentou que: a) houve a contratação pelas partes dos serviços referentes ao cartão de crédito, com consentimento e ciência da parte autora; b) teria sido emitido um cartão de crédito, com o qual a parte autora realizou saques; c) a RMC é legítima, pois autorizada por Instrução Normativa própria. No mais, impugnou a pretensão de devolução em dobro dos valores descontados e os danos morais. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos.

A parte autora ofereceu réplica, momento em que ratificou os pontos contidos na preambular (Evento n. 15).

É o breve relatório.

Fundamente e decido.

[...].

III - DISPOSITIVO:

Ante o exposto, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, com resolução de mérito, JULGO parcialmente procedentes os pedidos iniciais para:

a) DECRETAR a nulidade da relação jurídica quanto ao(s) contrato(s) de cartão de crédito RMC n. 16237383 objeto do feito, discriminado(s) (Evento 1, EXTR5 e Evento 1, EXTR6), com o consequente cancelamento da operação bancária e a restituição das partes à situação anterior ao contrato firmado, cabendo à parte demandante a devolução dos valores tomados com o empréstimo e à parte demandada a restituição das prestações quitadas, observado o item "b";

b) CONDENAR a parte ré a restituir em dobro os valores indevidamente descontados do benefício previdenciário da parte autora a título de RMC, corrigidos monetariamente pelo INPC, desde a data do desconto de cada parcela, e com a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da data da citação.

c) AUTORIZAR a compensação de eventual débito pendente contraído pela parte autora com a liberação dos valores que lhe foram disponibilizados, excluídos os encargos abusivos e nos moldes ora definidos, com o produto da condenação em desfavor da parte ré, com a aplicação de atualização monetária pelas taxas do INPC, a partir da disponibilização do crédito, e juros de mora de 1% ao mês, cujo termo inicial será da citação.

d) CONDENAR a parte ré ao pagamento do valor de R$ 3.000,00, a titulo de indenização por danos morais, incidindo juros moratórios de 1% ao mês, a partir do evento danoso, e correção monetária pelo INPC, a partir desta data.

Confirmo a tutela deferida anteriormente.

Considerando que a autora decaiu em parte mínima de seu pedido, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

P. R. I.

Em caso de recurso de apelação, intime-se, por ato ordinatório e sem nova conclusão, a parte recorrida para responder, no prazo legal, encaminhando, na sequência, os autos à superior instância.

Transitada em julgado, arquivem-se.

Em suas razões recursais (evento 25/1G, apelação 1), a instituição bancária sustenta, em síntese, que: (a) o autor contratou saque via cartão de crédito consignado estando ciente acerca da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, desprovida de qualquer irregularidade; (b) em razão da regularidade da contratação, não há valores a serem devolvidos ao autor, os quais, eventualmente devem ser restituídos na forma simples; (c) não houve vício de informação, inexistindo ilegalidade no negócio celebrado entre as partes, o qual deve ser mantido em seus termos, não se confundindo com empréstimo consignado (d) inexistente ato ilícito que justifique a condenação ao pagamento de danos morais, os quais, alternativamente, deve ser reduzidos. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso para reformar a sentença e julgar totalmente improcedente a demanda de origem.

Por sua vez, em seu apelo (evento 30/1G), o autor tão somente requer a majoração da indenização por danos morais.

Contrarrazões apresentadas nos eventos 33 e 36/1G.

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça e foram distribuídos por sorteio a este relator.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que se tratam de recursos de apelação interpostos contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise dos presentes recursos, ante o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Dito isto, conheço dos recursos porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, sujas teses passam a ser apreciadas.

2. Fundamentação

2.1 Da contratação

Pugnou o autor, em sua petição inicial, a declaração de inexistência da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável em relação ao seu benefício previdenciário, a qual sustenta nunca ter realizado. A instituição financeira demandada, por sua vez, apesar de defender a licitude da negociação, não apresentou cópia do respectivo contrato, juntando aos autos tão somente gravação telefônica referente à contratação celebrada entre as partes.

É oportuno registrar ser evidente que o caso em apreciação deve ser apreciado à luz do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que se trata de relação de consumo, conforme traduz os artigos 2º, caput, e 3º, § 2º, do referido código, verbis:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[...]

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifou-se)

A relação de consumo decorre também da interpretação que segue a teoria finalista aprofundada do conceito de destinatário final, consolidada após a vigência do Código Civil de 2002, a qual analisa a vulnerabilidade econômica ou técnica como aspecto de identificação do consumidor.

Ademais, pelo enunciado da Súmula 297, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Feita essa ponderação, destaca-se, como já dito, que, no presente caso, foi invertido o ônus probatório no momento em que foi determinada à instituição financeira que promovesse a juntada aos autos do contrato em discussão, initio litis, por decisão interlocutória preclusa do juízo da origem, com fundamento no art. 6º, VIII, do CDC, que dispõe ser um dos "direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências".

Sobre a inversão do ônus da prova, na esteira do ensinamento de Rizzatto Nunes, "a vulnerabilidade é o conceito que afirma a fragilidade econômica do consumidor e também técnica. Mas a hipossuficiência para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o...

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